Da Lama ao Caos
Texto
Análise
Da Lama ao Caos, lançado em 1994, é o disco manifesto que funda o movimento musical pernambucano conhecido como mangue bit ou manguebeat1, conforme difundido pela imprensa. É o disco de estreia de Chico Science (1966-1997) & Nação Zumbi, principal nome da cena ao lado da banda Mundo Livre S/A. Esta, liderada por Fred Zero Quatro (1962), que também lança seu primeiro disco, Samba Esquema Noise, no mesmo ano. O encarte de Da Lama ao Caos traz o texto “Caranguejos com Cérebros”, assinado por Fred Zero Quatro e conhecido como o manifesto do mangue bit. O movimento estabelece uma relação metafórica entre a diversidade do ecossistema mangue (que resulta do encontro da água doce dos rios com a água salgada do mar) com as referências musicais e rítmicas do mangue bit.
Da Lama ao Caos caracteriza-se pela fusão de gêneros. Ritmos nordestinos como maracatu, côco e embolada misturam-se ao punk rock, heavy metal, dub, funk e hip hop. O resultado traduz a estética associada ao mangue bit. O título de algumas faixas também faz referência a outros gêneros musicais. É o caso de “Maracatu de Tiro Certeiro”, citação à faixa “Sure Shot”, do trio norte-americano de hip hop Beastie Boys que, traduzida, significa “tiro certeiro”. “Samba Makossa”, por sua vez, faz referência a “Soul Makossa”, grande sucesso do músico camaronês Manu Dibango (1933). Já “Côco Dub” estabelece conexão entre o côco nordestino e o dub jamaicano.
O disco é lançado pelo selo Chaos, da Sony Music. A gravadora interessa-se pela música de Chico Science & Nação Zumbi após a boa repercussão dos shows em Recife e São Paulo. Em 1993, executivos da gravadora, entre eles o então presidente Roberto Augusto (1950), assistem a um show da banda em Recife. No mesmo ano, Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A. apresentam-se pela primeira vez em São Paulo, no clube Aeroanta, em show para 700 pessoas, e a mídia local repercute a apresentação. Em agosto, a Sony contrata Chico Science & Nação Zumbi para a gravação de Da Lama ao Caos. A banda é formada por Chico Science (voz), Toca Ogam (percussão e efeitos), Gilmar Bolla 8 (tambor), Jorge Du Peixe (tambor), Gira (tambor), Canhoto (caixa), Lúcio Maia (guitarra) e Alexandre Dengue (baixo).
Os integrantes da banda convidam Arto Lindsay (1953) para produzir o disco mas, o produtor norte-americano não mostra interesse. Aceitam a sugestão da Sony e fecham acordo com Liminha (1951), ex-baixista do gupo Os Mutantes e um dos produtores mais requisitados à época. A dificuldade da produção desse disco é equilibrar o som dos tambores no processo de mixagem e masterização. O som grave dos tambores é uma das marcas do disco. Eles pontuam todos os arranjos como um bumbo de bateria mais pesado em padrões rítmicos e que remetem a gêneros musicais nordestinos como o maracatu. Em músicas como “Da Lama ao Caos” e “Lixo do Mangue”, o peso aumenta com guitarras distorcidas e combinação de acordes que lembram o rock. Já os vocais de Chico Science são, na maioria das faixas, em forma discursiva e rítmica, influência do rap norte-americano, como em “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, “Rios, Pontes e Overdrives”, “A Cidade” e “Maracatu de Tiro Certeiro”.
Com exceção de “Computadores Fazem Arte”, de Fred Zero Quatro , todas as letras são escritas por Chico Science e três delas em parceria: “Rios, Pontes e Overdrives” (em parceria com Fred Zero Quatro), “Maracatu de Tiro Certeiro” (com Jorge Du Peixe) e “Lixo do Mangue” [com Lúcio Maia (1971)]. Elas dissertam sobre temas como o crescimento desordenado de Recife (“A Cidade”), a desilusão amorosa (“Risoflora”) e a mistura de ritmos (“Samba Makossa”). “A Praieira”, um dos grandes sucessos do disco, integra a trilha sonora da novela Tropicaliente (1994), da TV Globo. “Cidade” tem clipe veiculado exaustivamente na MTV Brasil e faz parte da trilha da novela Irmãos Coragem (1995), também da TV Globo.
O projeto gráfico do disco é assinado pela dupla Dolores & Morales: o primeiro segue carreira musical sob alcunha de DJ Dolores (1996) e outro é o roteirista Hilton Lacerda (1965)
Em 2009, a Nação Zumbi, com Jorge Du Peixe nos vocais, faz uma apresentação comemorativa dos 15 anos do disco, e, em 2013, a banda Mundo Livre S/A. grava as músicas “Cidade”, “A Praieira” e “Samba Makossa”, do repertório de Da Lama ao Caos, no álbum Mundo Livre S.A. Vs Nação Zumbi.
Notas
1. Inicialmente, Chico Science sugere o nome mangue para a sonoridade de sua banda. O termo passa a abranger uma cena musical pernambucana e, por conta de uma canção homônima gravada por Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A. no disco Samba Esquema Noise (1994), muda o nome para mangue bit. Por fim, graças às repetidas menções na imprensa, o termo populariza-se como manguebeat.
Fontes de pesquisa 4
- GAVIN, Charles; SOUZA, Tárik de; CALADO, Carlos; DAPIEVE, Arthur. 300 Discos Importantes da Música Brasileira. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008.
- NATAL, Bruno. Os 100 Maiores Discos da Música Brasileira. Revista Rolling Stone Brasil, São Paulo, out. 2007.
- TELLES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Editora 34, 2000.
- ZERO QUATRO, Fred. Caranguejos com Cérebro. In: Da Lama ao Caos. Chaos, Sony music, 1994. 1 encarte CD.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
DA Lama ao Caos.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra70351/da-lama-ao-caos. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7