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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

ReAntropofagia

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 08.01.2024
24.04.2019 - 26.05.2019 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro – Centro de Artes UFF
ReAntropofagia é uma exposição de arte contemporânea, com curadoria de Denilson Baniwa (1984) e Pedro Gradella, que reúne obras de 16 artistas e coletivos indígenas de etnias diversas. Apresentando-se como um manifesto visual, a mostra se posiciona contra o silenciamento, o extermínio e a exotização dos povos originários e a favor de sua arte1.

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ReAntropofagia é uma exposição de arte contemporânea, com curadoria de Denilson Baniwa (1984) e Pedro Gradella, que reúne obras de 16 artistas e coletivos indígenas de etnias diversas. Apresentando-se como um manifesto visual, a mostra se posiciona contra o silenciamento, o extermínio e a exotização dos povos originários e a favor de sua arte1.

Realizada entre 24 de abril e 28 de maio de 2019 no Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, Rio de Janeiro, a exposição integra a segunda edição do evento Brasil: a Margem - Teko Porã, realizado pelo centro de artes entre 24 e 30 de abril de 2019. Partindo da ideia de Bem Viver2, em guarani Teko Porã, o evento ocupa diversos espaços do centro e oferece uma programação cultural diversa, entre peças de teatro, cinema, espetáculos musicais, de dança, exposições, debates e oficinas.

A tela Re-Antropofagia (2018), de Denilson Baniwa, abre a exposição. Em um gesto de oferenda aos indígenas, a pintura faz referência ao movimento antropofágico. Um cesto de palha com sementes de urucum, milho, mandioca e outras tecnologias indígenas é retratado junto ao livro Macunaíma (1928)3, à cabeça decepada e enegrecida de Mário de Andrade (1893-1945) e a um bilhete4 anunciando o renascimento de Makunaimî5 e da antropofagia, ambos pertencentes aos indígenas. 

Entre as obras, muitas apresentam críticas e denúncias à sociedade capitalista e ao processo de colonização. Uma série de dezesseis desenhos do artista Jaider Esbell (1979-2021), It was Amazon (Era uma vez Amazônia) (2016), retrata a Amazônia a partir do olhar indígena, refletindo sobre temas que se sobrepõem a direitos básicos sociais e ambientais, como progresso e economia global.

O curta-metragem Konãgxeka: o dilúvio Maxakali (2016), de Charles Bicalho (1971) e Isael Maxakali (1978), feito de desenhos dos próprios Maxakalis (etnia do nordeste de Minas Gerais), apresenta o mito Maxakali sobre o dilúvio, refletindo sobre a ganância humana e a relação dos indígenas com a natureza. Um poema-manifesto da escritora ​​potiguar Graça Graúna (1948) reflete sobre a violência provocada pelo colonialismo, em que povos originários vêem sua cultura rompida por valores ocidentais.

Há obras que fazem referência à luta pela sobrevivência de algumas etnias indígenas. Uma compilação de vídeos da Associação Cultural dos Realizadores Indígenas (Ascuri) apresenta a disputa territorial dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. 

A obra Corpo-presente e Corpo-memória: Wapichana no sul (2018), do artista Wapichana Gustavo Caboco (1989), é uma instalação multimídia, composta de vídeos, textos e fotografias na qual o artista reflete sobre a identidade indígena contemporânea e o resgate de sua cultura por meio da arte.

Um mural de lambe-lambe6 das artistas Moara Tupinambá (1983) e Naná Kaingang aborda a condição da mulher indígena na sociedade contemporânea. A colagem retrata uma indígena cobrindo de grafismos uma metrópole com um pincel de graveto e tinta de jenipapo, utilizada por muitos povos originários brasileiros para pintura corporal e de utensílios.

Trabalhos do Movimento dos Artistas Huni Kuin (Mahku) e de Daiara Tukano (1982) formam um núcleo que envolve temas relacionados a rituais cerimonialistas indígenas. Oito obras do Mahku, entre pinturas e desenhos, refletem sobre os mitos do povo Huni Kuin e os huni mekas, cantos que conduzem os rituais com ayahuasca7. Quatro telas de Daiara Tukano apresentam a série Hori (2018), uma espécie de grafismo, realizado em cores vivas e psicodélicas que provocam ilusão de movimento e evocam uma espiritualidade xamânica.

Outro núcleo apresentado no Espaço UFF de Fotografia reúne obras fotográficas de Edgar Kanaykõ (1990) e Sallisa Rosa (1986). A série Resistência (2017-2019), de Sallisa, também em lambe-lambe, registra a imagem de facões de pessoas próximas e familiares, fazendo alusão ao objeto, símbolo de luta, resistência e labor para muitos indígenas. Já a série Tka Dahêmba / corpo terra (2019), de Edgar, apresenta um conjunto de instantâneos em preto e branco que registram um ritual de dança e luta de indígenas com a terra, refletindo sobre a relação entre corpo e território.

Outros trabalhos questionam a contradição de construções simbólicas nacionais. Dois  trabalhos  em  escultura  de  Aredze Xukurú representam dois bustos Xukurú (etnia de Pernambuco) e miniaturas de guerreiros indígenas em combate com os bandeirantes. Já a tela da artista amazonense We'e'ena Tikuna (1988) retrata duas mulheres indígenas com bandeiras nacionais, enquanto uma bandeira está sendo tecida, a outra é lavada em um rio, suja de lama, contém os dizeres: "Ordem e ?".

ReAntropofagia é um marco para a história da arte. A mostra constitui um manifesto de artistas indígenas brasileiros que questionam as construções simbólicas da identidade nacional, denunciam a violência contra os povos originários e retomam a ideia de antropofagia como forma de resistência da arte indígena. A mostra ainda colabora com a circulação de artistas brasileiros e com pesquisas sobre arte contemporânea.

Notas

1. Trecho do texto curatorial: “aqueles  que  descendem  dos  antigos antropófagos de Pindorama vêm a público falar que daquele fundo do mato-virgem, de uma preguiça repetida por aquela antropofagia que uniu apenas aqueles que tomaram a Nossa História na voz de Mário de Andrade, ressurge a ReAntropofagia, um Manifesto, um grito de urgências sobre a arte produzida pelos povos originários, quebrando assim séculos de silenciamento e exotização dos que sempre estiveram aqui”.

2. “Bem viver” é um conceito que se refere à cosmovisão de comunidades tradicionais que se organizam a partir do coletivo, voltadas à relação sustentável entre sociedade, natureza e modelo econômico.

3. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter, livro publicado em 1928 por Mário de Andrade, é considerado uma das obras-primas do modernismo brasileiro. O romance segue um jovem indígena negro, Macunaíma, nascido na selva brasileira e possuindo habilidades estranhas e notáveis. O protagonista é muitas vezes considerado uma representação da personalidade brasileira.

4. No bilhete se lê: "Aqui jaz o simulacro Macunaíma. Jazem juntos a ideia de povo brasileiro e a antropofagia temperada com bordeaux e pax mongolica. Que desta longa  digestão  renasça  Makunaimî e a antropofagia originária que pertence a todos nós, indígenas”.

5. Divindade indígena do tempo imemorial que habita a região do Monte Roraima, no extremo norte do Brasil. Faz parte da cosmologia de diferentes povos, dentre eles, o povo Makuxi.

6. Lambe-lambe é uma técnica urbana de colagem rápida de cartazes.

7. A ayahuasca é uma bebida psicoativa sul-americana (pan-amazônica) utilizada socialmente e como medicina espiritual cerimonial entre povos indígenas da bacia amazônica.

Ficha Técnica

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