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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Isael Maxakali

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 08.01.2024
18.04.1978 Brasil / Minas Gerais / Santa Helena de Minas
Isael Maxakali (Santa Helena de Minas, Minas Gerais, 1978). Professor, artista, cineasta. Sua arte e pedagogia buscam resgatar a memória e contribuir na luta por melhores condições de vida para o seu povo, tikmũ’ũn, mais conhecido como maxakali. 

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Isael Maxakali (Santa Helena de Minas, Minas Gerais, 1978). Professor, artista, cineasta. Sua arte e pedagogia buscam resgatar a memória e contribuir na luta por melhores condições de vida para o seu povo, tikmũ’ũn, mais conhecido como maxakali. 

Desde a infância, é iniciado na escuta das histórias e cantos dos yãmĩyxop [espíritos]. Casa-se, em 1993, com a também professora, artista e cineasta Sueli Maxakali (1976), com quem compartilha a produção da maior parte de seus trabalhos. Poucos anos mais tarde, assume a kuxex [casa dos cantos], antes sob o cuidado de seu avô, o pajé Otávio. Torna-se, assim, uma jovem liderança espiritual e política de seu povo, responsável por diversos rituais e ações militantes na luta por direitos. 

Entra em contato com o cinema antes mesmo de aprender português, de modo que a arte atravessa todo o seu processo de conhecimento de outras culturas. Inicialmente, chama sua atenção o contato com outras produções indígenas. Em 2004, tem sua primeira experiência com a produção audiovisual em uma oficina oferecida pelo Festival do Filme Documentário e Etnográfico (forumdoc.bh) e sob instrução do cineasta xavante Divino Tserewahú (1974). 

Neste evento, entra em contato com realizadores e antropólogos não indígenas fundamentais para parcerias que atravessam toda sua filmografia. Seu primeiro curta-metragem, Tatakox (2007), conta com a colaboração de antropólogos brancos e sua parceira, Sueli. O filme é apresentado no fórumdoc.bh e alcança destaque ao obter o Prêmio Glauber Rocha. 

Este trabalho inaugural já apresenta um tema central de sua filmografia: os yãi hã mĩy. Esse termo é frequentemente traduzido como ritual, mas sua etimologia mais precisa remete a “produzir transformação”1.

No curta, filmado na Aldeia Verde, em Ladainha, Minas Gerais, o cineasta registra um ritual de iniciação espiritual e aprendizagem próprio da infância. Mostram-se os meninos, que assumem o estado de “crianças-mortas-espírito” e são trazidos pelo grupo de “lagartas-espírito”. Essas crianças são levadas às mães, que choram ao lembrar de seus próprios filhos falecidos. Trata-se, assim, de um evento tanto de transformação como de memória. 

Desde o início, o desejo de um fazer coletivo, com compartilhamento da autoria e com as necessárias negociações, alianças e embates que esse gesto pressupõe, torna-se uma marca fundamental de seu cinema. Em 2008, funda a produtora Pajé Filmes, dedicada à produção cinematográfica do povo Maxakali.

Em 2020, durante a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Isael é premiado com o filme Yãmĩyhex: as mulheres-espírito (2019), codirigido com Sueli Maxakali. Como nos seus demais filmes, percebe-se o uso expressivo de planos-sequência em jogos de aproximação e distanciamento. Ora se aproxima do ritual, ao entrar no ritmo do coletivo e se mover junto com ele, ora se afasta para atingir a distância necessária para observar o todo. Esse modo de agir íntimo e participativo leva pesquisadores a caracterizarem sua produção como “filmes-rituais”2

A cinematografia do Maxakali não se propõe a uma abordagem informativa ou analítica diante da comunidade filmada, assumindo uma ética da opacidade3. Propõe-se uma experiência de aproximação sensível de seu povo e se respeita o direito de resguardar certas situações que devem permanecer restritas a quem participa do convívio. Em Tatakox, por exemplo, quando as crianças entram na casa dos cantos, a câmera permanece ao longe, resguardando camadas de segredo do ritual. O cinema de Isael aponta para a forte presença dos cantos, que carregam em sua materialidade os espíritos audíveis, porém invisíveis.

É comum perceber planos em que poucas ações acontecem, convocando o espectador a se concentrar na escuta e abrir sua imaginação ao invisível.
Nos momentos em que a câmera se afasta dos rituais, é comum verificar comentários do cineasta em off4, apresentando informações e impressões em primeira pessoa. Esse procedimento revela uma proximidade, por exemplo, com estratégias reflexivas de cineastas modernos como o francês Jean Rouch (1917-2004). O pesquisador André Brasil (1969), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca essas relações para desfazer uma perspectiva essencializante dos cinemas indígenas, como se inventassem uma linguagem totalmente à parte das demais tradições cinematográficas. 

Em 2020, Isael é consagrado também por suas fotografias e desenhos ao vencer o Prêmio PIPA, dedicado à arte contemporânea brasileira. No começo dos anos 2000, passa a utilizar principalmente a aquarela para desenhar paisagens, fauna, flora, espíritos e pessoas que perpassam a vida nas aldeias. Em 2011, gradua-se no curso de formação de educadores indígenas na UFMG. É em contato com esta extensão universitária que passa a expor os seus desenhos fora da aldeia. Durante a formação, junto com sua companheira, organizou o livro Hitupmã’ax: curar (2008), o qual também ilustra.

Durante o processo de voto popular para o Prêmio PIPA, o casal Maxakali se muda emergencialmente, com mais de cem famílias, para uma região mais próxima do Rio Mucuri, Minas Gerais, onde passam a viver em condições mais dignas. Lá criam a Aldeia Nova, onde fundam a Escola-Floresta. O projeto se define como campo transversal de conservação ambiental, preservação da memória e ensino das culturas indígenas e de seus fazeres artísticos.

No trânsito entre memória e invenção, a trajetória de Isael Maxakali conjuga espiritualidade, pedagogia, arte e militância. Ao apresentar as suas estéticas e cosmologias ancestrais ao público não-indígena, destaca-se como importante mediador intercultural na defesa dos direitos indígenas.

Notas

1. A explicação do significado do termo é da pesquisadora Rosângela Pereira de Tugny. Uma versão didática está disponível na entrevista sobre a cultura Maxakali que integra a série As vozes dos artistas, promovida pela 34ª Bienal de São Paulo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y7W8bqbpA-4&ab_channel=BienaldeS%C3%A3oPaulo. Acesso em: 15 abr. 2022. 

2. O termo tem sido utilizado por diversos críticos e pesquisadores. Um dos mais conhecidos é o pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) André Brasil (1969). Ver BRASIL, André. O cinema-lagarta dos Tikmũ’ũn: teoria-prática das imagens xamânicas. Intexto, Porto Alegre, n. 48, p. 157-175, jan./abr. 2020.

3. O conceito de opacidade é criado com o intuito de pensar modos de se relacionar que abarquem a impossibilidade de um conhecimento totalizante e escapem do princípio de esclarecimento, próprio do pensamento moderno ocidental. É extraído principalmente das obras O discurso antilhano, de 1981, e Philosophie de la Relation, de 2010, do escritor martinicano Édouard Glissant (1928-2011) e tem sido utilizado por pensadores e artistas brasileiros contemporâneos implicados com o pensamento decolonial, como Jota Mombaça (1991). A noção de opacidade mobilizou a curadoria de um dos mais importantes encontros mundiais dedicados à reflexão sobre documentário, o Flaherty Seminar, realizado nos Estados Unidos, em 2021, que contou com filmes de Isael Maxakali.

4. Quando a voz integra a cena sem que o sujeito que fala apareça em quadro. 

Exposições 3

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