Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea
Texto
Moquém_Surarî: Arte Indígena Contemporânea é uma exposição de arte contemporânea realizada entre 4 de setembro e 28 de novembro de 2021 no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). A exposição, uma correalização entre o MAM-SP e a Fundação Bienal de São Paulo, é parte integrante da rede de parcerias da 34ª Bienal Internacional de São Paulo (2021). Com curadoria de Jaider Esbell (1979-2021), artista indígena do povo Makuxi, assistência curatorial de Paula Berbert (1982) e consultoria de Pedro Cesarino (1977), a exposição reúne trabalhos de trinta e quatro artistas e coletivos indígenas de etnias diversas e reflete sobre as transformações visuais do pensamento cosmológico e narrativo ameríndio.
Surarî é uma palavra de origem makuxi que designa o moquém, uma tecnologia milenar indígena utilizada para defumar os alimentos após a caça coletiva, possibilitando a sua conservação durante o trajeto de volta à aldeia. Após seu uso, o moquém, grelha feita de madeira, é abandonado na mata. Segundo a lenda makuxi, nos tempos antigos, Surarî é abandonado no mato pelo caçador e ao sentir saudades de seu dono vira gente, subindo aos céus para procurá-lo. Chegando lá, transforma-se novamente, ganhando corpo de estrela, tornando-se a constelação responsável por trazer as chuvas. Para Esbell, Moquém_Surarî é um lembrete de que depois da seca, há o tempo das águas. Assim, a exposição é o ponto de partida para a reflexão sobre a ideia de transformação e continuidade, ampliando a percepção sobre os conceitos de tempo e espaço e os trânsitos que constituem os movimentos da arte indígena contemporânea1.
Entre desenhos, pinturas, fotografias e esculturas, a mostra reúne trabalhos de artistas de dezoito povos indígenas: Baniwa, Guarani Mbya, Huni Kuin, Krenak, Karipuna, Lakota, Makuxi, Marubo, Pataxó, Patamona, Taurepang, Tapirapé, Tikmũ'ũn Maxakali, Tukano, Wapichana, Xakriabá, Xirixana e Yanomami. Um dos principais objetivos da exposição é ressaltar a existência de outras histórias da arte e não buscar encaixar a arte indígena em uma narrativa canônica. Assim, o conjunto de obras busca mobilizar outras compreensões de mundo, oferecendo um parâmetro sobre a diversidade das visualidades indígenas.
Uma das séries centrais da exposição é composta por obras da coleção Vacas nas terras de Makunaimî: de malditas a desejadas (2013), de Esbell, montada a partir do 1º Encontro de Todos os Povos (2013), organizado por ele para reunir artistas originários de Roraima. A série busca refletir sobre a chegada do gado na região amazônica, o impacto causado nas comunidades indígenas e seus efeitos sociais, territoriais e políticos. É o caso da obra Vaca flechada (2013), de Amazoner Arawak (1973). Nela, o animal ferido pela flecha retrata a estratégia indígena de alertar os fazendeiros da região sobre os verdadeiros donos da terra.
Em Uma vaca para um índio (2013), tela de Bartô (1969), o animal aparece simbolizando o roubo do território da aldeia pela agropecuária. Já na tela de Carmézia Emiliano (1960) Sem título (2012), o animal é retratado como o meio de subsistência da comunidade. Esbell reflete sobre essa ambiguidade simbólica na obra Maldita e desejada (2012), em acrílica sobre lona, onde uma vaca é representada com uma cabeça de demônio e tetas cheias de leite. Dialogando com essa série, há a tela The Sacred (2020), de Vernon Foster (1955), artista do povo Lakota, dos Estados Unidos, que traz a figura de um bovino, dessa vez o búfalo, para representar, em outro continente, as formas de dominação do homem branco.
Obras de artistas mulheres indígenas também integram a exposição, como a série de fotografias Joapya Yãmiy/Homem-Espírito (2019), de Sueli Maxakali (1976), que apresenta um ensaio poético sobre os rituais e as tradições ancestrais ligadas à figura da mulher nas aldeias. Em Joapya Mãgutxi Pataxó: pegando ouriço (2014), série fotográfica de Arissana Pataxó (1983), a artista representa de forma afetiva os rituais de coleta de alimentos na aldeia. Já a obra Kumurô (2021), de Daiara Tukano (1982), apresenta em grafias coloridas os símbolos da tradição do povo Tukano que remetem à sabedoria da medicina da floresta.
Outro conjunto de obras reflete sobre as formas de relação com a natureza, como em Festa na floresta (1998), desenho de Ailton Krenak (1953) feito em tinta acrílica e urucum, onde o artista retrata a mata sendo celebrada pela comunidade indígena com festividades. Outro núcleo se dedica ao xamanismo, com obras de artistas e xamãs. Entre eles, a tela de Jaider Esbell, Txaísmo (2019).
Moquém_Surarî: Arte Indígena Contemporânea reflete sobre as implicações políticas, as poéticas e as cosmogonias da arte indígena, revelando as camadas de ativismo e xamanismo presente nas obras. A mostra ainda colabora com a circulação de artistas indígenas brasileiros e com pesquisas sobre a arte contemporânea.
Nota
1. Sobre o conceito de “arte indígena contemporânea” ver: ESBELL, Jaider. A arte indígena contemporânea como armadilha para armadilhas. Galeria Jaider Esbell, 9 jul. 2020. Disponível em: http://www.jaideresbell.com.br/site/2020/07/09/a-arte-indigena-contemporanea-como-armadilha-para-armadilhas/. Acesso em: 3 nov. 2023.
Ficha Técnica
Jaider Esbell
Curadoria (assistente)
Paula Berbert
Artista participante
Ailton Krenak
Amazoner Arawak
Antonio Brasil Marubo
Arissana Pataxó
Armando Mariano Marubo
Bartô
Bernaldina José Pedro
Bu’ú Kennedy
Carlos Papá
Carmézia Emiliano
Charles Gabriel
Daiara Tukano
Dalzira Xakriabá
Davi Kopenawa Yanomami
Denilson Baniwa
Diogo Lima
Elisclésio Makuxi
Fanor Xirixana
Gustavo Caboco
Isael Maxakali
Isaiais Miliano
Jaider Esbell
Joseca Yanomami
Luiz Matheus
Mario Flores Taurepang
Nei Leite Xakriabá
Paulino Joaquim Marubo
Rita Sales Huni Kuin
Rivaldo Tapyrapé
Sueli Maxakali
Vernon Foster
Yaka Huni Kuin
Yermollay Caripoune
Consultoria
Pedro Cesarino
Exposições 1
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4/9/2021 - 5/12/2020
Fontes de pesquisa 13
- ALIPRANDINI, Stefani Valente. A arte indígena contemporânea enquanto prática decolonial: uma análise a partir da exposição Moquém Surarî: arte indígena contemporânea (2021). 2021. 55 f. Monografia (Bacharelado em Artes Visuais) – Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2021.
- APRESENTAÇÃO da exposição Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 16 set. 2021. (94 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zT5q2zID2Ac&ab_channel=MAM-MuseudeArteModernadeS%C3%A3oPaulo. Acesso em: 3 nov. 2023.
- BERBERT, Paula. Pedagogias da transformação. In: Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2021. 208 p. Disponível em: https://admin.mam.org.br/wp-content/uploads/2022/04/mam-moquemsurari-catalogo-com-ad.pdf. Acesso em: 25 ago. 2022.
- ESBELL, Jaider (curador). Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2021. 208 p. Disponível em: https://admin.mam.org.br/wp-content/uploads/2022/04/mam-moquemsurari-catalogo-com-ad.pdf. Acesso em: 3 nov. 2023.
- ESBELL, Jaider. Na sociedade indígena, todos são artistas. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, v. 27, n. 41, p. 14-48, jan.-jun. 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/45021/24383. Acesso em: 3 nov. 2023.
- GERMANO, Beta. MAM de São Paulo abre coletiva de arte indígena contemporânea. Arte que Acontece. 13 set. 2021. Disponível em: https://www.artequeacontece.com.br/jaider-esbell-assina-a-curadoria-de-mostra-de-arte-indigena-contemporanea-no-mam-de-sao-paulo/. Acesso em: 3 nov 2023.
- JAIDER Esbell. Prêmio PIPA, [Rio de Janeiro], 2023. Disponível em: https://www.premiopipa.com/pag/jaider-esbell/. Acesso em: 21 jul. 2023.
- JAIDER Esbell: Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea. Produção: Galeria Jaider Esbell de Arte Contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2021. (16 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=arhgs0kJMzU&ab_channel=MAM-MuseudeArteModernadeS%C3%A3oPaulo. Acesso em: 3 nov. 2023.
- MOQUÉM_SURARÎ: arte indígena contemporânea MAM-SP. Das Artes. São Paulo, [2021]. Disponível em: https://dasartes.com.br/agenda/moquem_surari-arte-indigena-contemporanea-mam-sp/. Acesso em: 3 nov. 2023.
- MOQUÉM_Surarî: arte indígena contemporânea. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2021. Disponivel em: https://mam.org.br/exposicao/moquem_surari-arte-indigena-contemporanea/. Acesso em: 23 ago. 2021.
- VIDEOGUIA: Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea – A presença das mulheres indígenas. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 19 out. 2021. (3 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=snEEzZNRVWQ&ab_channel=MAM-MuseudeArteModernadeS%C3%A3oPaulo. Acesso em: 3 nov. 2023.
- VIDEOGUIA: Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea – Festa na Floresta. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 19 out. 2021. (2 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S86Qvi-9lKc&ab_channel=MAM-MuseudeArteModernadeS%C3%A3oPaulo. Acesso em: 3 nov. 2023.
- VIDEOGUIA: Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea – Introdução. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 19 out. 2021. (2 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rRou-B2w1Pk&ab_channel=MAM-MuseudeArteModernadeS%C3%A3oPaulo. Acesso em: 3 nov. 2023.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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MOQUÉM_SURARÎ: arte indígena contemporânea.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento530553/moquem_surari-arte-indigena-contemporanea. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7