Sérgio Sampaio
Texto
Sérgio Moraes Sampaio (Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, 1947 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1994). Compositor, cantor, instrumentista. Seu pai, Raul Gonçalves Sampaio, é compositor e maestro de banda, mas ganha a vida como fabricante de tamancos, e o tio, Raul Sampaio (1928), é compositor, com canções gravadas por intérpretes como Maysa (1936-1977), Cauby Peixoto (1931-2016) e Orlando Silva (1915-1978). Aos 16 anos, trabalha como locutor e disc-jockey na ZYL-9, Rádio Cachoeiro. Inicia-se na música, com a ajuda de amigos que lhe ensinam os acordes básicos do violão. Logo acompanha os primos em serestas, no conjunto Trio Musical.
Muda-se para o Rio de Janeiro no final de 1967. Tem empregos breves na Rádio Rio de Janeiro, Rádio Relógio, Rádio Carioca e Rádio Mauá. Em 1969, trabalha na Rádio Continental e produz programas musicais da TV Tupi. Em 1970, é contratado pela gravadora CBS, pela qual lança o primeiro compacto, em 1971, com sua canção “Coco Verde” e uma parceria com Odibar na música “Ana Juan”. Participa do disco Sociedade Da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão Das 10 (1971), produzido por Raul Seixas (1945-1989). Ainda em 1971, participa do Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, com a música “No ano 83”. Em 1972, Sérgio lança Classificados N. 1/ Não Adianta, mais um compacto pela CBS, com Miriam Batucada (1947-1994).
Em 1972, participa do 7o Festival Internacional da Canção, da TV Globo, com a marcha-rancho “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”. A canção projeta Sérgio Sampaio e garante um compacto com a gravadora Phillips, que vende 500 mil cópias. Em 1973, sai seu primeiro LP, homônimo.
Em 1974, lança o compacto Meu Pobre Blues/ Foi Ela. Em 1975, grava pela Continental o compacto Velho Bandido/ O Teto da Minha Casa. Lança a marchinha “Cantor de Rádio”, na coletânea carnavalesca Convocação Geral (1975), da Som Livre. Pela Continental, grava o segundo LP, Tem que Acontecer (1976) e o compacto, Ninguém Vive por Mim / História de Boêmio (1977). Sem gravadora, Sérgio cai no ostracismo e vive de shows no circuito alternativo carioca.
Em 1982, com financiamento da mulher Angela Breitschaft, grava Sinceramente, com a canção “Doce Melodia”, homenagem ao compositor Luiz Melodia (1951). Sem sucesso, volta ao ostracismo, e, em 1991, muda-se para Salvador.
Prepara o lançamento de um disco pela Baratos Afins, mas morre em 15 de maio de 1994, no Rio de Janeiro. Em 1998, é lançado O Balaio de Sampaio, CD-tributo produzido por Sérgio Natureza (1947), com participação de Luiz Melodia, Jards Macalé (1943), Erasmo Carlos (1941), Lenine (1959) e Zeca Baleiro (1966).
Análise
Sérgio Sampaio inicia a carreira artística nos anos 1970, logo após a promulgação do Ato Institucional n. 5 (AI-5), em 1968, que implica censura e exílio de diversos artistas e intelectuais. É um dos músicos influenciados pelo movimento tropicalista, marcado pela ideologia de incorporação de informações nacionais e estrangeiras. Entretanto, difere do tropicalismo pelo posicionamento mais crítico perante os meios de comunicação de massa e no mercado. Apesar de temas de contestação político, quebra de tabus e convenções sociais, o modo como eles são veiculados pouco lembra a irreverência do período anterior. Os sentimentos dominantes são os negativos, como a falta de horizontes, o medo, a paranóia e a loucura.
A aura de “maldito” acompanha Sérgio Sampaio ao longo da carreira. Deve-se ao conteúdo crítico e contestatório de suas letras e à postura boêmia e arredia. Sua musicalidade é fruto da síntese de diferentes gêneros musicais como samba, choro, samba-canção, samba-de-breque, marchas, blues, rock, jazz, além de ritmos latinos como o tango e o bolero. É notório seu talento de letrista, intérprete e melodista, e o esforço em fazer releituras das tradições musicais. As letras são marcadas por influências literárias, incorporando a relação claustrofóbica com a sociedade do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), a morbidez do poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), e a lírica modernista de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Também pelos jogos de palavras e repertórios diversos, como os de seus gurus musicais, Caetano Veloso (1942) e Raul Seixas. Sampaio é intérprete inventivo na adoção de diferentes registros, impostações e maneirismos.
No primeiro compacto lançado, a levada bossanovista da música “Coco Verde”, contrasta com os versos (“Tanta gente se diz dona da luz / mas não tô nessa / Não me seduz”). Em Sociedade da Grã Ordem Kavernista, trabalho coletivo inspirado no roqueiro americano Frank Zappa (1940-1993), as letras marcam distanciamento do mundo “careta” e lidam ironicamente com a euforia hippie, reafirmada como evasão individual. Destacam-se “Eu Acho Graça” (“Todos tão por dentro da jogada / Eu não tô com nada mesmo /(...)/ Eu tô dizendo adeus”) e “Todo Mundo Está Feliz”:
Hoje podia ser domingo
Segundo de janeiro
Pra mim vai dar no mesmo lugar
Vai dar na minha alegria
Eu não quero mesmo nada
Eu não tenho nada a ver com isso.
O LP Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, é exemplo da sensibilidade “maldita” de Sérgio Sampaio. Ao mesmo tempo que ambiciona o sucesso, mostra-se inflexível no controle de seu processo criativo. O refrão afirmativo e catártico desta marcha-rancho
Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender
tem como contraponto as demais estrofes que expõem a insegurança do eu-lírico
Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou.
A reação à violência do regime político manifesta-se em jogos de palavras e imagens lúgubres, como em “Filme de Terror”. Na canção, o terror cinematográfico está imbricado ao perigo cotidiano com letra reforçada pela interpretação repleta de scats, gritos e suspiros de medo.
Dura um ano inteiro, o filme de terror
E na rua, um sacrifício
No pescoço um crucifixo
Quem ousar sair de casa
Passe a tranca e feche o trinco
No chão do cinema Império da Tijuca
O cemitério do Caju
(...)
O meu sangue jorra e borra de terror
(...)
Abra os olhos com os vizinhos.
Em “Leros, Leros e Boleros”, a evasão pelo suicídio do eu-lírico se dá em meio a alusões aos “acordes dissonantes” de Caetano Veloso, da canção “Tropicália”, e ao poema “Eterno”, de Carlos Drummond de Andrade:
Os acordes dissonantes
Estão na raiz dos meus cabelos
No inferno
No meu sorriso de adeus
Vou me fazer de moderno
No meu encontro com Deus
(...)
Ai, meus amigos modernos
(...)
Vou me fazer de eterno
No meu encontro com Deus.
Muitos são os exemplos de rebeldia boêmia e marginal em sua obra. Em “Meu Pobre Blues”, a ambígua homenagem ao ídolo Roberto Carlos serve de metonímia para as “contraditórias” aspirações de Sampaio ao sucesso popular, sem fazer uso de concessões. A mensagem é ácida, e a letra, ao mesmo tempo em que corteja o conterrâneo famoso, critica a perda de rebeldia na fase “romântica” e joga com ícones da fase roqueira:
E agora que esses ‘detalhes’
Já estão pequenos demais
E até o nosso ‘calhambeque’
Não te reconhece mais
Eu trouxe um novo blues
Com um cheiro de uns dez anos atrás
E penso ouvir você cantar.
No samba “Velho Bandido”, Sérgio reincide em sua condição maldita sem lamentos, como “malandro que não se regenera”. Novamente recorre ao uso de citações. Nos versos (“Eu que sou filho de um pai teimoso / Descobri maravilhado que sou mentiroso”) ele funde “Traumas”, de Roberto e Erasmo Carlos (“Meu pai um dia me falou / Pra que eu nunca mentisse / Mas ele também se esqueceu / De me dizer a verdade”) com “Divino Maravilhoso”, de Caetano Veloso (“Tudo é perigoso / Tudo é divino maravilhoso”) e “Rockixe”, de Raul Seixas e Paulo Coelho (1947) (“Maravilhoso, eu aprendi que eu sou mais forte que você”). Na última estrofe Sampaio, reafirma sua condição “marginal”:
E como eu fui o tal velho bandido
Vou ficar matando rato pra comer
Dançando rock pra viver
Fazendo samba pra vender... sorrindo.
Em “Doce Melodia”, samba homenagem ao também “maldito” Luiz Melodia, Sampaio deixa claro que a “marginalidade” em questão é artística e não se deixa dobrar:
Luiz Melodia, melhores dias virão
É só não botar a viola no saco
(...)
Dizendo tudo que o malandro não se espanta
Quem não curte sai de banda
Que eu quero é que toque mais.
“Cruel” lembra o som de Melodia que, na definição de Sampaio, faz “um blues brasileiro cheio de samba-canção”. Lançada postumamente e gravada pelo próprio Melodia, a letra acusa o “sistema”, que “marginaliza”:
Tudo cruel, tudo sistema
Torre babel, falso dilema
(...)
O que eles falam não se deve nem ouvir
Verbo mentir
Menino é bom ficar de olho ai
(...)
um marginal que já não pode mais fugir
vai reagir.
Fontes de pesquisa 5
- BRITTO, Paulo Henriques. Eu quero é botar meu bloco na rua, de Sérgio Sampaio. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. (Língua Cantada).
- MOREIRA, Rodrigo. Eu quero é botar meu bloco na rua. Niterói: Muiraquitã, 2000.
- MOREIRA, Rodrigo. Sérgio Sampaio. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, s.d. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sergio-sampaio/critica. Acesso em: 29 ago. 2011.
- RIBEIRO, Bruno. Sérgio Sampaio. In: Agenda do samba & choro: o boteco virtual do samba e do choro. Disponível em: http://www.samba-choro.com.br/artistas/sergiosampaio. Acesso em: 29 ago. 2011.
- RIBEIRO, Julio Naves. Lugar nenhum ou Bora Bora?: narrativas do rock brasileiros anos 80. São Paulo: Annablume, 2009.
Como citar
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SÉRGIO Sampaio.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa532306/sergio-sampaio. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7