Raul Seixas
Texto
Biografia
Raul dos Santos Seixas (Salvador BA 1945 - São Paulo SP 1989). Cantor, guitarrista, letrista, compositor, produtor. Criado em Salvador, é ao final dos anos 1950 que Raul Seixas conhece o rock norte-americano de Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard e, em 1959, com o amigo Waldir Serrão, funda o fã-clube Elvis Rock Club. Em 1962, integra o primeiro conjunto a utilizar guitarra elétrica na Bahia, que se apresenta no ano seguinte - com o nome The Panthers - no programa Escada do Sucesso, da TV Itapoã. Com o sucesso da Jovem Guarda no país, em meados de 1965, o grupo ganha renome local como a expressão baiana deste movimento, e em 1967, após excursionarem com Jerry Adriani, são convidados por ele a gravar um LP no Rio de Janeiro - intitulado Raulzito e os Panteras (1968).
Raul Seixas retorna ao Rio em 1970, empregado como produtor na gravadora CBS. Produz, entre outros, o próprio Jerry Adriani e Sérgio Sampaio. Com o objetivo de captar os desdobramentos da cultura hippie no Brasil, lança o disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta sessão das 101 (1971), que além de Raul reúne Sérgio Sampaio, Míriam Batucada e Edy Star - o LP é ignorado quando do seu lançamento, tornando-se o álbum cult de sua carreira. Em 1972, lança o seu primeiro compacto individual, após participar do VII Festival Internacional da Canção com uma fusão de rock com baião na canção Let me Sing, Let me Sing, inspirada em Elvis Presley e Luiz Gonzaga.
A popularidade chega em 1973, com o LP Krig-há, bandolo!, que dá início à parceria com Paulo Coelho. No mesmo ano, Raul produz e participa da coletânea Os 24 maiores sucessos da era do rock, com versões de rocks norte-americanos dos anos 1950 e da Jovem Guarda. O segundo álbum com Paulo Coelho é Gita (1974). A distribuição nos shows de um manifesto em forma de gibi - explicativo das letras das canções de Gita e contendo alusões à formação de uma comunidade alternativa no interior do país - rende-lhes problemas com o governo militar, que os levam a deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos. De volta ao Rio de Janeiro, lançam Novo Aeon (1975) e Eu nasci há dez mil anos atrás (1976), após o que a parceria é interrompida. Raul grava mais quatro discos até o final da década de 70: Raul Rock Seixas (1977), O dia em que a Terra parou (1977) - com novo parceiro, Claudio Roberto -, Mata virgem (1978) - que conta com a colaboração de Paulo Coelho - e Por quem os sinos dobram (1979).
Lança em 1980 o disco Abre-te Sésamo, e após quatro anos, Raul Seixas, impulsionado pelo sucesso da música Carimbador maluco em programa infantil de TV. Em 1984 sai Metrô linha 743. Após uma pausa de três anos, grava Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!, seguido de A pedra do Gênesis (1988). Em 1989, realiza shows em companhia do roqueiro Marcelo Nova, com quem grava o seu último trabalho, com repertório de ambos: A panela do diabo. Em 21 de agosto de 1989, dois dias após o álbum chegar às lojas, Raul é encontrado morto em seu apartamento, em São Paulo. O artista alcança um sucesso póstumo ainda maior do que em vida, sendo um dos músicos com maior número de fã-clubes no país.
Comentário Crítico
Levado à música pelo ritmo do rock norte-americano dos anos 1950, cujos ecos no Brasil desembocam na Jovem Guarda, Raul Seixas é influenciado pela contracultura anglo-americana dos anos 1960 e pelo movimento tropicalista encabeçado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Mutantes.
Assim como os Mutantes, que em 1968 amalgamaram o rock ao samba de Jorge Benjor (A Minha Menina) e ao baião de Sivuca e Humberto Teixeira (Adeus Maria Fulô), Raul Seixas injeta signos do rock a ritmos brasileiros, ele faz a fusão do rock o baião de Luiz Gonzaga, influência hiperbolizada nos versos "Tenho quarenta e oito quilos certos, quarenta oito quilos de baião", de Let me sing, let me sing. O baião e os repentes nordestinos estão presentes em outras canções ao longo de sua carreira, como As Aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor, Os Números e É Fim de Mês. Entre outros gêneros musicais, Raul incorpora também ponto de candomblé, em Mosca na sopa; bolero, parodiado em Sessão das dez; tango, em Canto para minha morte e na versão de Cambalache (popularizada por Carlos Gardel); e até trilha sonora de filmes de faroeste, em Cowboy fora da lei.
Parte do seu carisma junto ao público apoia-se no talento - lapidado pela experiência como produtor musical - para compor melodias de forte apelo popular. Somam-se a ele, entretanto, outros atributos bem pessoais. Enquanto intérprete, Raul compensa o timbre e tons por vezes desagradáveis de sua voz nasalada, traços conscientemente acentuados em diversas composições2, com um canto-falado rico em inflexões e de prosódia perfeita - mesmo quando propositadamente não obedece aos padrões métricos, como em dois de seus sucessos, Ouro de Tolo e Eu também vou reclamar. A fluência de sua poética é forjada com maestria em rimas fáceis, à primeira vista3, que são enriquecidas por diversas figuras de linguagem - como "Sou carta marcada/ E jogo roubado/ A morte ao meu lado", de Moleque maravilhoso - e por imagens surreais que sintetizam com rara felicidade ideias e estados de espírito - exemplo dos versos "Eu é que não me sento / No trono de um apartamento/ Com a boca escancarada, cheia de dentes/ Esperando a morte chegar", de Ouro de tolo.
Suas letras oscilam entre uma verve mística e outra cética, irônica e iconoclasta que a desmitifica4. Tais tendências são só aparentemente contraditórias, uma vez que em sua persona de guru Raul prega a liberdade individual e o livre pensamento em detrimento de qualquer dogma, recorrendo muitas vezes ao humor anárquico - como em Sociedade alternativa - e afirmando inclusive o direito à incoerência, vide versos como "Eu quero dizer/ Agora o oposto do que eu disse antes/ Eu prefiro ser/ essa metamorfose ambulante/ Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo", de Metamorfose ambulante. Seja com intenções catequéticas, inconformistas ou parodísticas - estes registros muitas vezes coexistindo numa mesma canção -, Raul mostra-se hábil em tecer discursos e enredos arquitetados engenhosamente a partir da compilação de informações colhidas na história, na filosofia, na literatura, nas religiões católica e hindu, em seitas esotéricas, na cultura pop e demais signos da sociedade capitalista. Exemplos de canções elaboradas em cima destas referências intertextuais são Al Capone, Super-Heróis, Gita, As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor, Rock do diabo, Tu És o MDC da Minha Vida, Novo Aeon, É Fim de Mês, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás e Carimbador Maluco5.
Como já indicado, a temática mais conhecida de Raul Seixas - usualmente relacionada à sua faceta de guru anárquico6 - é a questão da identidade sob um enfoque libertário de afirmação da vontade individual e do pleno desenvolvimento da personalidade, que o leva muitas vezes ao tópico do elogio à loucura. Diversas canções suas apresentam eus-líricos inquietos, interessados em sondar a própria alma e a desenvolvê-la em toda a sua plasticidade. Ao mesmo tempo, questionam uma série de limitações impostas aos indivíduos pela sociedade burguesa organizada7; até mesmo no amor, quando discorrem contra a possessividade e o ciúme. As composições de Raul Seixas nesta linha transcendem a sua parceria com Paulo Coelho e abarcam toda a sua obra. Exemplos notórios são: Ouro de tolo, Metamorfose Ambulante, Mosca na Sopa, Sociedade Alternativa, Gita, Rock do Diabo, Eu Sou Egoísta, As aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor, Medo da Chuva, Maluco Beleza, Sapato 36, Quando Acabar o Maluco Sou Eu, Carimbador Maluco, Como Vovó já Dizia, Abre-te Sésamo, Carpinteiro do Universo e Pastor João e a Igreja Invisível.
Notas
2 Raul Seixas exagera estas características para interpretar algumas canções em sintonia com as letras contestatórias que veiculam, sendo Mosca na Sopa o exemplo paradigmático deste procedimento. Em Eu Também Vou Reclamar, onde brinca com a influência do canto e da temática de protesto de Bob Dylan sobre ele, Raul define a voz de Bob Dylan - e a sua - como "chata e renitente".
3 Raul é exímio em conciliar informações de registros díspares em rimas tão insólitas quanto engraçadas, como "bode" com "Pink Floyd" e "lasanha" com "Casas da Banha" (extinta rede de supermercados), em Tu és o MDC da minha vida.
4 Em As minas do Rei Salomão, Raul satiriza o misticismo, inclusive.
5 A letra desta canção, lançada em programa infantil, é inspirada em manifesto anarquista de Pierre-Joseph Proudhon.
6 Raul e Paulo Coelho inspiram-se no controvertido mago ocultista Aleister Crowley (1875-1947), notadamente em sua obra O Livro da Lei, citado em canções da dupla como Novo Aeon e Sociedade alternativa - cujo refrão contém o seguinte aforismo retirado dele: "Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei".
7 A paranoia é outro tema caro a Raul, e que rende frutos mesmo após o fim da ditadura militar no país. Exemplos de canções que dissertam sobre ela são Paranoia, Metrô linha 743, Cowboy fora da lei e Cãimbra no pé.
Fontes de pesquisa 5
- INSTITUTO Cultural Cravo Albin. Raul Seixas. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin. Disponível em: < http://www.dicionariompb.com.br/raul-seixas/dados-artisticos >. Acesso em: 1 dez. 2012.
- RAUL Seixas. Site Casa do Bruxo. Disponível em: < http://www.casadobruxo.com.br/raul/biografia.htm >. Acesso em: 1 dez. 2012.
- RIBEIRO, Julio Naves. Lugar nenhum ou Bora Bora?: narrativas do rock brasileiros anos 80. São Paulo: Annablume, 2009.
- Raul Seixas. Site Portal Vermelho. Disponível em: < http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=161872&id_secao=11 >. Acesso em: 4 dez. 2012.
- TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Krig-Há, Bandolo! Cuidado, aí vem Raul Seixas. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
Como citar
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RAUL Seixas.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa5612/raul-seixas. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7