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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Augusto dos Anjos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 06.06.2024
20.04.1884 Brasil / Paraíba / Cruz do Espírito Santo
12.11.1914 Brasil / Minas Gerais / Leopoldina
Coleção Brasiliana Itaú / Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Eu, 1912
Augusto dos Anjos

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, Paraíba, 1884 – Leopoldina, Minas Gerais, 1914). Poeta, professor. Sem paralelo na literatura brasileira, sua poesia se destaca pelo uso singular de um vocabulário cientificista que, para além do afrontamento à linguagem poética e aos estilos literários vigentes em sua época, simul...

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Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, Paraíba, 1884 – Leopoldina, Minas Gerais, 1914). Poeta, professor. Sem paralelo na literatura brasileira, sua poesia se destaca pelo uso singular de um vocabulário cientificista que, para além do afrontamento à linguagem poética e aos estilos literários vigentes em sua época, simultaneamente decompõe e compõe uma percepção desesperançosa da vida.

Nascido no Engenho Pau d'Arco, propriedade de seus pais, é alfabetizado em casa e acompanha de perto a lenta e agônica decadência da família. Matricula-se, em 1903, na Faculdade de Direito do Recife, onde toma contato com as doutrinas do cientista alemão Ernest Haeckel (1834-1919), um dos expoentes do cientificismo positivista, que influencia profundamente sua poesia.

As matrizes filosóficas que dão sustentação à sua visão de mundo extremamente pessimista são muito características de sua época e do meio intelectual em que ele se forma. Convergem para tal cosmovisão o monismo da biologia evolucionista Haeckel; o darwinismo do filósofo britânico Herbert Spencer (1820-1903), autor da expressão “sobrevivência do mais apto”; a filosofia do inconsciente do alemão Eduard von Hartmann (1842-1906); e a filosofia niilista da dor e da vontade cega e insatisfeita do alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), entre outros que o poeta paraibano vem a ler durante seus anos de formação acadêmica.

Graduado em 1907, volta para a Cidade da Parahyba (atual João Pessoa) e passa a dar aulas de português no Liceu Paraibano. Nessa época, publica poemas em jornais locais. Em 1910, casa-se com Esther Fialho (1887-1931), e, após se desentender com o governador, muda-se para o Rio de Janeiro. No ano seguinte, seu primeiro filho morre prematuramente, o que abala ainda mais sua frágil saúde.

Em 1912, financiado pelo irmão Odilon, é publicado seu único livro, Eu, que consagra imediatamente sua poesia. Apesar de reações em tom de censura, que condenam as supostas extravagâncias e exotismos, grande parte da crítica literária nem por isso deixa de lhe reconhecer o mérito de tamanha originalidade. Estranha e nova: essa é, em suma, a tônica da primeira recepção.

O modo como essa poesia destoa em relação ao que é praticado na época leva um crítico como Anatol Rosenfeld (1912-1973) a buscar um paralelo na poesia expressionista alemã. Há em comum entre Anjos e poetas alemães como Gottfried Benn (1886-1956), Georg Heym (1887-1912) e Georg Trakl (1887-1914) o emprego do jargão clínico-científico (especialmente da biologia e da fisiologia) para traduzir, materialmente, uma visão de mundo pessimista em termos de doença e decomposição. Trata-se, como diz Rosenfeld, de uma “poesia de necrotério na qual se disseca e desmonta ‘a glória da criação’”1 e que se impõe ao olhar burguês como a dissolução da existência humana enquanto uma experiência harmoniosa e bela.

Com relação aos aspectos estilísticos da obra e à concepção de conjunto, a pesquisadora Lúcia Helena chama atenção para a organicidade do livro, como se os 58 poemas de Eu consistissem num só poema, incansavelmente repensado pelo poeta e perpassado por um traçado épico que lhe confere a forma de uma cosmogonia – ou “cosmo-agonia”, como prefere a pesquisadora. Nesse conjunto poético, o crítico literário José Paulo Paes (1926-1998) ressalta a centralidade de um poema como “Os doentes”, o mais longo de todos, que funciona como um poema-súmula, concentrando todos os temas presentes nos demais.

Quanto à linguagem, é ainda Anatol Rosenfeld quem observa que o estranhamento causado pela introdução do termo técnico-científico no domínio da poesia é como “um elemento anorgânico que interrompe o contínuo orgânico da língua, arrebatando-lhe o turvo conformismo. O termo especializado é, precisamente em consequência da sua artificialidade esotérica, um elemento alienígena que revela, através de sua alienação radical e sem concessões, a alienação encoberta da língua histórica”2 que já não é capaz de exprimir, por sua usualidade ou vulgaridade, o significado de cada coisa. “Augusto dos Anjos fala muitas vezes da angústia da palavra e, certa vez, da esperança de poder ‘inventar... outro instrumento’ para reproduzir o seu sentimento (Versos de Amor).”3

Mais recentemente, o professor Francisco Foot Hardman vem falar de uma estética antitropicalista que irmana a poesia de Augusto dos Anjos, por exemplo, à prosa contemporânea de Euclides da Cunha (1866-1909), aproximação já uma vez estabelecida por Gilberto Freyre (1900-1987). Observa, assim, que o ideário tropical e pitoresco não compõe a representação da natureza presente em Eu e outras poesias, considerada sobretudo em seu aspecto degenerativo. As paisagens, a exuberância animal ou vegetal estão sempre carregadas de sinais de decrepitude e fim. Num livro cujo título enfatiza essa primeira pessoa do singular que constitui a própria matéria do gênero lírico, nota o professor Sérgio Alcides (1967), paradoxalmente, “o tema da poesia de Augusto dos Anjos é precisamente o fracasso do ‘Eu’ e a desagregação da subjetividade como valor fundamental da chamada ‘civilização’ ocidental”4.

Para além do vocabulário excêntrico e do fatalismo, que lhe conferem um lugar único no panorama literário brasileiro, o alcance crítico da negatividade presente na poesia de Augusto dos Anjos está em marcar sua posição antagônica ao otimismo da belle époque, afeiçoado à ideia de que a literatura é “o sorriso da sociedade”.

Notas

1. ROSENFELD, Anatol. Texto/Contexto 1. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996. p. 264-265.

2. Ibid. p. 269.

3. Ibid. p. 269.

4. ALCIDES, Sérgio. Augusto dos Anjos e o Mito do Eu. In: FINAZZI-AGRÒ, Ettore; VECCHI, Roberto; AMOROSO, Maria Betânia (Orgs.). Travessias do Pós-Trágico: Os Dilemas de uma Leitura do Brasil, São Paulo: Unimarco Editora, 2006. p. 121-130 apud COSTA, Miguel Graciano. As figurações animalescas no "Eu" de Augusto dos Anjos. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019.

Obras 2

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Coleção Brasiliana Itaú / Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Eu

Espetáculos 1

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Fontes de pesquisa 20

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  • ALCIDES, Sérgio. Augusto dos Anjos e o mito do "Eu". In: ETTORE Finazzi-Agró, Roberto Vecchi e Ma. Betânia Amoroso (orgs.). Travessias do pós-trágico: os dilemas de uma leitura do Brasil. São Paulo: Unimarco Ed.,2006.
  • ALMEIDA, Horácio de. As razões da angústia em Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro; Ouvidor, 1962.
  • ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Organização e introdução Antonio Arnoni Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. R792.0981 A636t 1994
  • BARROS, Eudes. A poesia de Augusto dos Anjos: uma análise de psicologia e estilo. Rio de Janeiro: Ouvidor, 1974.
  • COUTINHO, Afrânio. BRAYNER, Sônia (orgs.). Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília, INL, 1973.
  • GULLAR, Ferreira. Augusto dos Anjos ou vida e morte nordestina. In: ANJOS, Augusto dos. Toda a poesia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
  • HARDMAN, Francisco Foot. Augusto dos Anjos e o antitropicalismo. In: FINAZZI-AGRÓ, Ettore, VECCHI, Roberto e AMOROSO, Maria Betânia (orgs.). Travessias do pós-trágico: os dilemas de uma leitura do Brasil. São Paulo: Unimarco Ed.,2006.
  • HELENA, Lúcia. A cosmo-agonia de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977.
  • MAGALHÃES JR., Raimundo. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.
  • MELO, A.L. Nobre de. Augusto dos Anjos e as origens de sua arte poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942.
  • PAES, José Paulo. As quatro vidas de Augusto dos Anjos. São Paulo: Pégaso, 1957.
  • PAES, José Paulo. Augusto dos Anjos e o Art Nouveau - Do particular ao universal. In: ______. Gregos e Baianos. São Paulo, Brasiliense, 1985. p.81-98.
  • PAES, José Paulo. Augusto dos Anjos ou o evolucionismo às avessas. In: ANJOS, Augusto dos. Os melhores poemas de... São Paulo: Global, 1997.
  • PAES, José Paulo. Gregos e baianos. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • PROENÇA, M. Cavalcanti. Augusto dos Anjos e outros ensaios. Rio de Janeiro/Brasília: Grifo/INL/MEC, 1973.
  • REIS, Zenir Campos. Augusto dos Anjos. São Paulo: Abril Educação, 1982.
  • REIS, Zenir Campos. Augusto dos Anjos: poesia e prosa. Edição Crítica. São Paulo: Ática, 1977.
  • ROSENFELD, Anatol. A costela de prata de Augusto dos Anjos. In: _____. Texto/contexto. São Paulo: Perspectiva, 1969.
  • VIDAL, Ademar. O outro eu de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1977.

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