Gilberto Freyre
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Além do apenas moderno, 1973
Gilberto Freyre
Texto
Gilberto de Mello Freyre (Recife, Pernambuco, 1900 – Idem, 1987). Sociólogo, ensaísta, desenhista, poeta e romancista. Integrante da geração de ensaístas que, após a Revolução de 1930, propõe-se a interpretar o Brasil a partir de análises sociológicas fundamentadas em pesquisas empíricas. Sua obra inaugura a antropologia histórica no país, tendo como temas centrais a formação da família patriarcal durante a colonização e o surgimento de uma nova ordem brasileira a partir da República.
Membro de uma família da oligarquia pernambucana, forma-se bacharel em ciências e letras no Colégio Americano Gilreath, em 1917. No ano seguinte, parte para os Estados Unidos a fim de prosseguir seus estudos acadêmicos. Frequenta a Universidade de Baylor, no Texas, até 1921 e ingressa na pós-graduação da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Columbia, em Nova York. Obtém o grau de mestre em 1922 com a dissertação Social Life in Brazil in the Middle of the 19th Century [Vida social no Brasil nos meados do século XIX], publicada em português, em 1964.
Depois de um período vivendo na Europa, retorna ao Brasil em 1923 e passa a colaborar com o Diário de Pernambuco. Trabalha com o governador de Pernambuco Estácio Coimbra e o acompanha em seu exílio, após a Revolução de 1930. Nesse período, conhece parte do continente africano e vive em Lisboa.
Retorna do exílio motivado a realizar uma interpretação sociológica do Brasil. Em 1933, lança sua obra mais conhecida: Casa-Grande & senzala. O ensaio analisa como fatores estruturais da sociedade se manifestam no cotidiano, ou seja, como a coerção patriarcal e religiosa se exerce no âmbito das relações pessoais. De modo inédito, aspectos da vida privada são incorporados à análise, e a casa-grande se desenha como espaço onde ocorrem cruzamentos e encontros culturais. Freyre recorre a gostos alimentares, características arquitetônicas e fatos da vida sexual para demonstrar como a configuração econômica e social é vivenciada no dia a dia da família dos senhores e dos escravos.
A descrição plástica desses elementos convoca as impressões subjetivas do autor, que frequentemente manifesta seu afeto por processos vivenciados no ambiente patriarcal nordestino, caracterizando o que se convencionou chamar de "escrita sensorial" de Gilberto Freyre. Tamanha vivacidade descritiva também pode ser explicada pelo fato de o autor utilizar em suas pesquisas não apenas documentos oficiais, mas também outros tipos de fonte, como relatos de viagem e obras literárias, referências consideradas secundárias, mas que revelam muito sobre uma época.
Outra inovação de Casa-Grande & senzala é o reconhecimento da contribuição decisiva do negro para a formação da sociedade brasileira, não mais a partir de aspectos como clima e raça, explorados até então pela sociologia determinista, mas de fatores econômicos e sociais. Freyre, ao mesmo tempo que vai na contramão da linha de pensamento que defende a suposta supremacia branca, também não emprega os dispositivos analíticos do marxismo, esquivando-se, assim, dessas duas correntes teóricas vigentes à época. Influenciado pelo antropólogo germano-americano Franz Boas (1858-1942), com quem estudou na Universidade Columbia, fundamenta seu trabalho na antropologia social, inaugurando a antropologia histórica no Brasil.
O uso do binômio do título, recurso constante em outras obras do autor, assume neste trabalho uma interpretação particular, em parte responsável pelas críticas que acusam o conservadorismo de Freyre. Ao apontar certo "equilíbrio de antagonismos", o ensaísta identifica uma sociedade em que não há espaço para transformações revolucionárias, uma sociedade cujos laços afetivos diluem as rupturas do tecido social. Sua leitura faz o elogio de uma civilização que pode triunfar quando baseada na interação de culturas.
Dando prosseguimento à pesquisa sobre a formação social brasileira, Freyre lança, em 1936, Sobrados e mucambos, obra na qual investiga como a sociedade patriarcal agrária responde à influência europeizante trazida ao Brasil com a transferência da corte de dom João VI em 1808. O autor mostra que, nesse período, a senzala se separa da casa-grande, dando lugar, no ambiente urbano, aos sobrados, ocupados pelos mais ricos, em contraste com os mocambos, habitados pelos mais pobres, posteriormente nomeados como favelas. Para isso, analisa sociologicamente romances de autores brasileiros da época, como José de Alencar (1829-1877).
Esse caráter utilitário das fontes literárias pauta as incursões de Freyre pela literatura. Sem jamais se ocupar profissionalmente da tarefa de crítico literário, discute obras e autores em sua produção sociológica para compreender o contexto a que pertencem. Contudo, tem o cuidado de distinguir o artista que se serve da arte popular como fonte, superando-a, e o que se limita ao mero "folclorismo". Isso fica claro na obra que encerra a trilogia dedicada à interpretação do Brasil: Ordem e progresso, publicada em 1959, na qual o autor trata da transição do Império para a República.
O reconhecimento da contribuição do autor para a sociologia extrapola as fronteiras brasileiras e se difunde pelo mundo. Entre as honrarias recebidas, estão o título de doutor honoris causa da Universidade de Columbia, em 1954; o título de Cavaleiro Comandante do Império Britânico, concedido em 1971 pela rainha Elizabeth II (1926-2022); e a insígnia de Comendador de Artes e Letras, atribuído pelo governo francês em 1977.
O caráter inovador de sua obra e seu olhar singular sobre o Brasil fazem de Gilberto Freyre um autor essencial para compreender a formação social do país. Apesar da distância no tempo e especialmente pelos diálogos frutíferos que possibilitam, os ensaios de Freyre continuam relevantes para pensar as questões que permeiam o Brasil contemporâneo, o que faz dele um dos grandes pensadores brasileiros.
Obras 65
Espetáculos 3
Exposições 9
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1975 - 1975
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26/10/2001 - 14/1/2000
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30/11/2003 - 2/3/2002
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27/11/2008 - 18/5/2007
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22/3/2016 - 8/5/2016
Fontes de pesquisa 40
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GILBERTO Freyre.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
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