Casa-Grande & Senzala
![Casa Grande & Senzala, 1933 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/002670090013.jpg)
Casa-Grande & Senzala, 1933
Gilberto Freyre
Texto
Publicado em 1933, Casa-Grande & Senzala é o primeiro livro do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987). O livro torna-se um marco na análise da formação da sociedade brasileira por inaugurar a chamada antropologia histórica no Brasil fundamentada em pesquisas empíricas.
Escrito em Lisboa enquanto esteve exilado1 em Portugal, após uma viagem pelo continente africano, o livro tem como tema central, segundo seu subtítulo, a "formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal”. Freyre analisa como nos formamos enquanto nação tendo como horizonte as relações familiares e escravocratas formadoras do Brasil Colônia e como elas se apresentam como herança cerca de 50 anos após a proclamação da República (1889).
Inovador em sua metodologia, Freyre figura junto com Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), com seu Raízes do Brasil (1933), e Caio Prado Júnior (1907-1990), autor de Formação do Brasil Contemporâneo (1942), como um dos responsáveis por uma nova historiografia brasileira, ancorada em uma análise sociológica e, muitas vezes, antropológica, para entender como nos organizamos como sociedade através de nossas heranças coloniais.
Grande parte da inovação do livro, ao que diz respeito a seu conteúdo, está no fato de que Freyre considera, diferentemente do que é proposto até então, que a população negra tem importante contribuição para a formação cultural da sociedade brasileira, não sendo esta apenas fruto das heranças culturais, políticas e sociais dos colonizadores portugueses.
Casa Grande & Senzala expande também sua área de influência, sendo de grande inspiração para a geração modernista de 1930, inclusive para romancistas da época. Essa presença se dá pela opção de Freyre em abandonar uma linguagem extremamente erudita, aproximando sua redação de uma linguagem mais acessível, rompendo com as imposições acadêmicas. A aproximação dessa geração com questões mais populares justifica esta mudança de linguagem.
Durante seu trabalho, recorre a aspectos culturais, religiosos e culinários típicos do territórios e fruto da miscigenação dos que considera os povos formadores do Brasil: brancos de origem europeia, índigenas originários do território e negros vindos de diferentes regiões da África através do tráfico que alimenta o regime escravocrata. A esfera sexual também é analisada pelo autor para demonstrar como os aspectos da vida privada são vivenciados por senhores e escravizados. Neste sentido, a Casa Grande é o local do encontro entre as culturas que formam a sociedade brasileira e a senzala, uma continuação deste ambiente. Tais teses foram denominadas, mais tarde, por outros pesquisadores, como fundadoras da ideia de “democracia racial”, refutada por grande parte da historiografia. O sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) está entre os intelectuais que defendem que Casa Grande & Senzala contribui para a legitimação da falsa ideia de democracia racial para um país que não quer admitir o racismo presente em sua estrutura.
É importante salientar que Casa Grande & Senzala inova, além da metodologia, em tratar a população negra como parte fundamental na formação da sociedade brasileira, rompendo com ideais baseados no racismo científico, e a ideia de democracia racial - mesmo que não explícita pelo autor, pode ter encontrado respaldo em sua ideia de miscigenação. A criação de uma atmosfera amistosa e pacífica nas relações entre senhores e negras escravizadas, que dá origem ao povo brasileiro fruto desse encontro, minimiza a violência e a imposição do homem branco sobre outros povos, aqui, especificamente, através da dominação sexual e do corpo.
Outra contribuição a se pensar em sua época de produção, o início do governo nacionalista de Getúlio Vargas (1882-1954), o livro escancara as relações sociais brasileiras e permite a crítica, inclusive, a sua própria redação pelas gerações futuras. Interessante também notar a intersecção com Raízes do Brasil, de Holanda, livro lançado três anos depois de Casa Grande & Senzala, a pensarmos que ambos tratam da organização política nacional como uma extensão da casa - do ambiente doméstico, e das emoções e relacionamentos, confirmando-se um aspecto importante da democracia brasileira, que se confunde entre o público e o privado e, por extensão, com uma relação de poder patriarcal que extrapola a ordenação da família e chega a necessidade de atender interesses particulares no âmbito da gestão pública.
Parte constituinte da moderna historiografia brasileira, Casa Grande & Senzala faz um inventário da vida cotidiana do Brasil colonial e traz à tona, através de suas leituras, como as relações dentro da casa dos grandes senhores moldam a organização social e política do país. Passível de novas leituras, não deixa de lado seu caráter de clássico da historiografia brasileira e seu papel em sua modernização.
Nota
1. O exílio de Gilberto Freyre se dá para acompanhar o governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, que se exila na Europa por ocasião da Revolução de 1930 e para o qual trabalha como secretário particular.
Fontes de pesquisa 6
- CARDOSO, Fernando Henrique. Um livro Perene. In: FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48ª ed. rev. - São Paulo: Global, 2003.
- Cristóvão, F. A. (2011). A linguagem de Casa-Grande & Senzala. Ciência & Trópico, 12(1). Recuperado de https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/348. Disponível em: https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/348/236. Acesso em: 22 abr. 2022.
- MELO, Alfredo César. Saudosismo e crítica social em Casa Grande & Senzala: a articulação de uma política da memória e de uma utopia. Revista de Estudos Avançados, 23 (69), 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/MhpwD9rsFP4VmWhynbCBtpp/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 22 abr. 2022.
- PASSOS, José Luiz Ithamar. O modernismo na Casa-Grande: a infância da sociologia. Estudos de Sociologia. Revista do Programa de Pós-graduação em sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, vol. 1 (1), pp.73-86, 1995. Disponível em: file:///C:/Users/177697976/Downloads/235497-108776-1-SM.pdf. Acesso em: 22 abr. 2022.
- Ribeiro, J. (2011). Casa-Grande & Senzala. Ciência & Trópico, 8(1). Recuperado de https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/226. Disponível em: https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/226/123. Acesso em: 22 abr. 2022.
- SILVA, Mateus Lôbo de Aquino Moura e. Casa Grande & Senzala e o mito da democracia racial. 39º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-39-encontro/gt/gt28/9704-casa-grande-e-senzala-e-o-mito-da-democracia-racial/file. Acesso em: 22 abr. 2022.
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CASA-GRANDE & Senzala.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra35531/casa-grande-senzala. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7