Raizes do Brasil
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Raizes do Brasil, 1936
Sérgio Buarque de Holanda
Texto
Raízes do Brasil, publicado em 1936, é o primeiro livro do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e figura entre as obras fundadoras da moderna historiografia brasileira, sendo um importante documento de análise da constituição da sociedade brasileira a partir de suas raízes coloniais.
O livro é o primeiro da série de ensaios Documentos Brasileiros, publicado pela Editora José Olympio sob a curadoria do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987). Lançado às vésperas do golpe de Estado que institui o Estado Novo (1937-1949), período que compreende ao governo de Getúlio Vargas (1882-1954), o ensaio de Holanda mantém seu caráter moderno de análise mesmo diante de um governo autoritário e censurador. A modernidade da análise parte da ideia central do livro de que processos sociais, políticos e econômicos devem ser vistos como fenômenos de cultura, pensados a partir de modos coletivos de comportar-se, pensar e se relacionar.
Resgatando, como sugere o próprio título, as raízes de nossa constituição enquanto sociedade a partir da herança das relações coloniais no comportamento e organização dos brasileiros, o autor perpassa por sete capítulos como nos constituímos não apenas como nação, mas antes de tudo como uma extensão da Europa nas Américas. Essa ideia é trabalhada no capítulo de abertura “Fronteiras da Europa”, que traz em seu parágrafo de introdução a emblemática frase “somos ainda hoje uns desterrados de nossa terra”1 para ilustrar que toda a organização burocrática e institucional presente no Brasil não mais é do que reproduções e deslocamentos do modo de fazer ibérico, vindo com os colonizadores, tratados no segundo capítulo “Trabalho & aventura” como aventureiros que vieram às américas com o único intuito exploratório e, por isso, a dificuldade de se estabelecer o regime do coletivo e da “civilidade” em nossas terras colonizadas.
Deste debate da civilidade, surge um dos principais temas do livro e matéria de polêmicas interpretativas que influenciaram, inclusive, mudanças significativas no texto original de 19362. A ideia do “homem cordial”, analisada com profundidade no capítulo de mesmo nome, estabelecida pelo autor que busca entender a essência da sociedade no caráter essencialmente cordial do brasileiro. Diferentemente do que é interpretado por outros escritores, como Cassiano Ricardo (1895-1974), ou absorvido pelo governo varguista, a cordialidade não tem relação com bondade, mas com um traço de personalidade exageradamente emocional do brasileiro, tanta para relacionar-se coletivamente, quanto na violência com a qual rompe esses laços. Parte desse comportamento influencia, por exemplo, na incapacidade de separar o espaço público do privado e o patrimonialismo como um regime instituído de relações e interesses políticos. Assim, a democracia no Brasil seria, nada mais, do que “um mal entendido”3, no qual os interesses particulares e familiares oligárquicos sempre foram acomodados e atendidos. Neste sentido, a cordialidade do homem também relaciona-se com um espírito individualista, impedindo o estabelecimento do bem-estar político e social coletivo.
O debate sobre a ideia da cordialidade fez com que o conteúdo do livro neste capítulo fosse alterado significativamente da primeira edição para a segunda, publicada em 1946, já que o mal-entendido sobre o que pode significar cordialidade aproxima a análise de Holanda da ideia de uma convivência pacífica e igualitária entre todos os brasileiros, o que não é confirmado pelas relações de violência, exploração e escravização que constituíram a economia colonial e a desigualdade social vista nos primeiros anos da nova república nos quais escreve o autor e que perpassam a história do país Além disso, tratando-se de um ensaio histórico amplamente amparado em seu presente, os dez anos que separam as duas primeiras edições também são decisivos para a constituição de seu texto “final” já que o autor acompanha de perto os processos culturais e as mudanças econômicas do período e como podem encontrar balizas em sua análise do recente passado colonial.
Em termos de método, confirma-se o espírito moderno do trabalho de Sérgio Buarque de Holanda. Partindo de um ensaio de interpretação histórica de fundo sociológico, o autor não trata a história nacional com saudosismo ou exaltação como se era esperado no regime nacionalista de Getúlio Vargas, mas assume um papel de análise constituinte de nossa trajetória pela perspectiva de nossas contradições e processos que se relacionam com a chegada dos ibéricos no território que viria a ser o Brasil e a transposição de seus modos de vida e política da Europa para a América. O Brasil é um fenômeno da cultura e do comportamento da herança colonial portuguesa.
Interessante também pontuar que Holanda extrapola as fronteiras brasileiras e expande sua análise para aspectos presentes em outros países da América Latina, como o caudilhismo4 e a presente situação política da região, características da cultura europeia mimetizada e mal acomodada pela colonização espanhola.
Inovador no método e no conteúdo, Raízes do Brasil se consolida como um documento da história enquanto percurso temporal e social e também enquanto disciplina e instrumento de análise. Considerando a cultura, o comportamento e atribuindo um peso inédito ao processo colonial na constituição do Brasil enquanto nação, Sérgio Buarque de Holanda deixa como legado um dos trabalhos fundadores da moderna historiografia brasileira.
Notas
1. Trecho retirado do texto em vigor a partir da segunda edição do livro.
2. O prefácio da segunda edição, lançado em 1947 anuncia através do próprio autor mudanças significativas no conteúdo. Em nota na terceira, Sérgio Buarque de Holanda confirma a manutenção do texto de 1947.
3. CANDIDO, Antonio. O significado de “Raízes do Brasil”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 9.
4. Forma de manifestação do poder típica da américa latina, mas que se apresenta de forma heterogênea. No geral, é descrita, tradicionalmente, como a concentração do poder na mãos de lideranças locais não vinculadas à política, especialmente em regiões rurais, que usam de sua influência e violência como forma de preencher um vazio institucional. Outras vertentes historiográficas passam a analisar estes elementos e colocá-los em debate, mas sem que a presença da influência local como manifestação e concentração do poder seja deixada de lado.
Fontes de pesquisa 7
- AVELINO FILHO, George. Cordialidade e civilidade em Raízes do Brasil. XII Encontro Anual da ANPOCS, Águas de São Pedro, SP, outubro de 1988. Disponível em: https://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/avelino_-_cordialidade_e_civilidade_em_raizes_do_brasil_.pdf. Acesso em: 19 abr. 2022.
- BIBLIOTECA Digital de Literatura de Países Lusófonos - BLPL. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/. Acesso em: 12 abr. 2022.
- CANDIDO, Antonio. O significado de “Raízes do Brasil”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
- GODOY, Arnaldo. “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, e o eterno problema do homem cordial. Consultor Jurídico. 5 jul. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-05/embargos-culturais-raizes-brasil-eterno-problema-homem-cordial. Acesso em: 19 abr. 2022.
- HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras.
- NICOLAZZI, Fernando. Raízes do Brasil e o ensaio histórico brasileiro: da história filosófica à síntese sociológica, 1836-1936. Revista Brasileira de História. São Paulo. v. 39, nº 73, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/HYkZWZRqVKHsCKP73xZmNTp/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 19 abr. 2022.
- TELES, Luciano Everton Costa. Caudilhismo e clientelismo na américa latina: uma discussão conceitual. Faces de Clio - Revista discente do programa de pós-graduação em história - UFJF. Vol. 1, nº 2, jul/dez. 2015. Disponível em: https://www.ufjf.br/facesdeclio/files/2014/09/2.6.Artigo-Luciano.pdf. Acesso em: 27 abr. 2022.
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RAIZES do Brasil.
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