Euclides da Cunha
![Os Sertões, 1902 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/000180003019.jpg)
Os Sertões, 1902
Euclides da Cunha
Texto
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (Cantagalo, Rio de Janeiro, 1866 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1909). Escritor, professor, sociólogo, jornalista, engenheiro e militar. Destaca-se pela criação da obra-prima Os sertões.
Em 1879 dá início à vida literária ao escrever os primeiros poemas e publicar o primeiro artigo em um jornal do colégio. A crítica Walnice Nogueira Galvão (1937) aponta nessa produção inicial uma certa vontade de conhecer o país em profundidade e a presença do sertão em imagens poéticas, produzidas ainda com cacoetes românticos ou decadentistas.
Em 1886, matricula-se no curso de engenharia da Escola Militar e colabora para a Revista da Família Acadêmica. Dois anos depois, publica artigos anti-imperialistas no periódico A Província de São Paulo, posteriormente renomeado como O Estado de S. Paulo.
Em 1892 estagia no trecho paulista da Estrada de Ferro Central do Brasil e passa a trabalhar como professor na Escola Militar do Rio de Janeiro. Insatisfeito com o governo do marechal Floriano Peixoto (1839-1895), escreve ácidos ataques ao regime, que acabam sendo rejeitadas pelo jornal O Estado de S. Paulo. Como resultado de inúmeras críticas ao governo, em particular sobre o respeito aos presos políticos da Revolta da Armada1, é transferido para Campanha, cidade do interior mineiro, e, após um período de licença por problemas de saúde, desvincula-se do Exército.
Retorna ao jornalismo e recebe o convite do editor do jornal para cobrir a quarta expedição contra Canudos2. Realiza a cobertura in loco de toda a batalha, ao mesmo tempo em que faz anotações para aquela que será a sua grande obra: Os Sertões. Publicado em 1902, o livro é dividido em três partes: “A terra”, em que o autor se vale da erudição em história, geografia e geologia para apresentar o local em que a ação transcorre; “O homem”, em que utiliza seus conhecimentos etnológicos e as ideias científicas da época para explicar a gênese do sertanejo; e finalmente “A luta”, na qual narra a batalha entre os soldados do governo e os insurgentes de Canudos, sob a liderança de Antônio Conselheiro (1830-1897). O motivo da insurreição não se resume à dimensão política: a fome e a miséria contribuem para a eclosão do conflito em uma região preterida por um litoral economicamente mais rentável, somadas ao misticismo e ao fanatismo religioso de um líder que via a República como “coisa do diabo”.
O conteúdo da obra, entretanto, não se resume a anotações do autor: percebe-se a pretensão do escritor não só a documentar os fatos, mas também a refletir sobre eles a partir de concepções científicas calcadas no positivismo da época. Segundo Antonio Candido (1918-2017), essa seria a principal fraqueza da obra, “a ciência mal-digerida”, baseada em preconceituosos preceitos naturalistas, pelos quais os condicionamentos geográficos, climáticos e genéticos servem para explicar a inferioridade racial do sertanejo e a superioridade das “raças do litoral”.
No entanto, a obra pode ser considerada inovadora e precursora do romance regionalista de tese da década de 1930. Cunha contamina sua perspectiva científica e documental com olhar crítico e extrapola a percepção determinista e simplória. Os insurrectos também são vítimas de condicionamentos sociais excludentes, e os defensores da República, embora sejam representantes da vitória da modernidade sobre o atraso, agem com bestialidade, dizimando a população de Canudos, no evento que se torna um dos mais escandalosos genocídios da história brasileira.
Do ponto de vista literário, o movimento paradoxal entre o cientificismo determinista e a perspectiva crítica está expresso no texto por meio da aproximação de elementos contrários. Assim, a relação entre a inferioridade racial e a bravura e a força do homem sertanejo demonstradas na batalha faz com que ele receba o epíteto de Hércules-Quasímodo. Do mesmo modo, como demonstra o ensaísta Augusto Meyer (1902-1970), é possível encontrar outras construções paradoxais, como “sol escuro”, “tumulto sem ruídos”, “profecia retrospectiva”. É justamente a construção literária o outro vetor de força de Os sertões: na época de seu lançamento, o crítico Araripe Júnior (1848-1911) ressalta a força estilística do texto, assim como a construção de imagens e a condução da ação. O sucesso do livro faz com que seja aclamado membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1903.
Em 1904 é designado pelo Barão do Rio Branco (1845-1912), viaja para a Amazônia como chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, cujo relatório é publicado em 1906. Nesse mesmo ano, reúne artigos dedicados aos problemas nacionais no livro Contrastes e confrontos. No ano seguinte, os problemas de fronteiras sul-americanos servem de matéria para o volume Peru versus Bolívia.
Com obras fundamentais para a literatura brasileira, Euclides da Cunha alia a preocupação de produzir documentação a uma crítica que denuncia e, ao mesmo tempo, propõe soluções.
Notas
1. Levante deflagrado em 1893 pela Marinha do Brasil por causa de interesses políticos divergentes do então presidente. A rebelião é derrotada em 1894, o que fortalece Floriano Peixoto no poder.
2. Cidade do interior baiano que abriga um foco de resistência à primeira República e tem como líder Antônio Conselheiro. Prega o fim da desigualdade social e a volta do regime monárquico. A comunidade é arrasada em 1897 por tropas federais.
Obras 2
Espetáculos 6
Exposições 3
-
28/8/2009 - 12/10/2009
-
29/5/2012 - 22/7/2012
-
27/5/2015 - 10/5/2014
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 13
- ARARIPE JR., Tristão de Alencar. Os sertões. Jornal do Comércio, mar. 1903; republicado em FACIOLI, Valentim; NASCIMENTO, José Leonardo do (org.). Juízos críticos. Os sertões e os olhares de sua época. São Paulo: Nankin Editorial: Editora da Unesp, 2003.
- BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 32. ed. rev. e aum. São Paulo: Cultrix, 1994.
- CANDIDO, Antonio. Literatura e cultura de 1900 a 1945. In: ______. Literatura e Sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000.
- GALVÃO, Walnice Nogueira. Anseios de amplidão. In: VV. AA. Cadernos de literatura brasileira, n. 13-14, dez. 2002.
- GINZBURG, Jaime. Euclides da Cunha, Amazônia e a barbárie. Estudos Avançados, n. 69, São Paulo, mai. 2010.
- HARDMAN, Francisco Foot. A vingança de Hileia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo: Editora da Unesp, 2009.
- MEYER, Augusto. Preto e branco. Rio de Janeiro: INL, 1956.
- MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. 5.ed. São Paulo: Cultrix, 2001. v.5.
- OS SERTÕES - A Luta I. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [2005]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina Uzyna Uzona.
- OS SERTÕES - A Luta II. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [2006]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina Uzyna Uzona.
- OS SERTÕES - A Terra. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [2002]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina Uzyna Uzona.
- OS SERTÕES - O Homem I. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [2003]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina Uzyna Uzona.
- OS SERTÕES - O Homem II. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [2003]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina Uzyna Uzona.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
EUCLIDES da Cunha.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa1779/euclides-da-cunha. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7