Luiz Maurício Carvalheira
Texto
Luiz Maurício Britto Carvalheira (Recife, Pernambuco, 1945 - idem 2002). Ator, professor e teórico. Integrante do Teatro Popular do Nordeste (TPN) e um dos fundadores do Mamulengo Só-Riso, pesquisador e divulgador do legado artístico-pedagógico de Hermilo Borba Filho (1971-1976), tem o circo e o teatro de bonecos como áreas prioritárias de interesse.
Estreia como ator em 1966, na peça As Feiticeiras de Salem, de Arthur Miller, com a direção de Milton Baccarelli (1930-1994), montagem do Teatro Universitário de Pernambuco (TUP). Na ocasião, cursando o 2º ano de filosofia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tem Ariano Suassuna (1927-2014) como professor de estética. No mesmo ano, entra para o TPN, no qual se destaca atuando em diversas montagens e lecionando pequenos cursos.
Segundo o próprio Luiz Maurício, o TPN representa, para ele, "uma verdadeira escola de teatro".1 Com esse grupo, além de atuar em peças de autores consagrados, como Sófocles, Dias Gomes (1922-1999), Max Frisch (1911-1991) e Ariano Suassuna, tem a oportunidade de conviver com Hermilo Borba Filho, influência decisiva na formação de seus valores artísticos e culturais. Como Hermilo Borba, passa a combinar o rigor na investigação teórica do teatro, sobretudo no campo da história do espetáculo e da literatura dramática, com interesse pelas formas populares de expressão dramática, especialmente o mamulengo e o drama circense.
Dois anos depois de ingressar no TPN, Luiz Maurício integra, pela primeira vez, o elenco da Paixão de Cristo, de Nova Jerusalém, interpretando o papel do apóstolo Pedro. No ano seguinte, em 1969, vive Caifás, personagem que volta a representar na Semana Santa de 1973 e nas temporadas de 1997 a 2000. Também em 1969, envolve-se com a arte do mamulengo ao participar do Teatroneco, grupo fundado pela madre Armia Escobar, freira gaúcha que, após 25 anos morando nos Estados Unidos, passa a trabalhar no Recife como diretora do Centro Educativo de Comunicação Social do Nordeste (Cecosne). Madre Escobar convida Hermilo Borba Filho para dirigir a montagem inaugural do grupo, que tem no elenco, além de Luiz Maurício, mais dois atores do TPN: Lúcia Neuenschwander e Fernando Augusto (1947-2022). Com madre Escobar, Luiz Maurício desenvolve grande amizade e sólida parceria profissional, que rende diversos frutos, ao longo de toda a sua vida, especialmente em ações pedagógicas associadas à arte circense, como o Circo Oi Oi e o Projeto Arricicirco.2
No início da década de 1970, quando o TPN encerra suas atividades, Luiz Maurício enfrenta um momento de crise pessoal, após ser demitido, de forma sumária e injustificada, da UFPE, onde leciona filosofia. Em 1975, funda, em parceria com Fernando Augusto e Nilson Moura, o longevo grupo de teatro de bonecos Mamulengo Só-Riso. Nos anos em que permanece mais diretamente ligado a esse conjunto, até 1979, sua aptidão pedagógica se fortalece e se aprimora. Além de atuar como assistente de direção e manipulador de bonecos, é responsável por elaborar e conduzir oficinas e cursos oferecidos pelo grupo. Na segunda metade da década de 1970, firma-se como um dos professores de teatro mais solicitados na cena pernambucana.
Em paralelo ao trabalho com o Mamulengo Só-Riso, desenvolve outras experiências artístico-pedagógicas, com destaque a atividade em dois grupos: o Teatro Hermilo Borba Filho (THBF) e o Teatro Universitário Boca Aberta (Tuba). No primeiro, dirigido pelo ator e encenador Marcus Siqueira, também egresso do TPN, Luiz Maurício tem atuação marcante, como ator e sobretudo como professor, entre os anos de 1977 e 1979. Lá, no momento em que não há no Recife nenhum programa aprofundado de formação de atores, ele estrutura um curso regular de teatro, que revela importantes nomes do palco recifense contemporâneo como, por exemplo, João Denys (1957). No Tuba, por sua vez, no biênio 1978-1979, ele dá aulas de interpretação e reedita com sucesso um curso, ministrado dez anos antes no TPN, sobre a teoria teatral de Bertolt Brecht (1898-1956) e sua relevância para o teatro latino-americano.3
No fim de 1979, muda-se para São Paulo, para fazer mestrado em teatro, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Com Timochenco Wehbi (1943-1986) como orientador, Carvalheira defende, em 1984, a dissertação Por um teatro do povo e da terra: Hermilo Borba Filho e o Teatro do Estudante de Pernambuco, trabalho que é publicado, no Recife, dois anos depois, pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), prefaciado pelo escritor Maximiniano Campos.
Durante o tempo em que estuda em São Paulo, dá aulas de teatro na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e no Teatro-Escola Macunaíma. Além disso, participa de simpósios, faz palestras e conduz oficinas em festivais e encontros teatrais, quase sempre enfocando questões ligadas às formas populares de teatro.
No mesmo ano em que conclui o mestrado, é contratado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) como professor de teatro do Departamento de Artes. Até o fim da década de 1980, ele divide a rotina profissional entre o Recife e Maceió; além de ministrar, com frequência, minicursos em outras cidades do Nordeste, como Aracaju, Caruaru, João Pessoa e Natal.
Em 1986, é nomeado coordenador de artes cênicas, cinema e fotografia, da Fundação de Cultura Cidade do Recife, entidade presidida, então, pelo filósofo e poeta Jomard Muniz de Britto (1937). Nesse cargo, prioriza ações voltadas para os artistas circenses da região: funda o Gran-Circo Recife (tenda itinerante, armada em bairros da periferia recifense, servindo de espaço para ações pedagógicas e discussões de políticas culturais) e organiza o 1º Encontro Regional de Artistas Circenses, com o patrocínio do Instituto Nacional de Artes Cênicas (Inacen). No ano seguinte, assume o cargo de chefe de gabinete da presidência, na Fundação de Cultura, nesse momento, comandada pela atriz Leda Alves, viúva de Hermilo Borba Filho.
No início dos anos 1990, muda-se para o Rio de Janeiro, e trabalha como diretor artístico e coordenador pedagógico no Grande Circo Popular do Brasil, empreendimento do ator Marcos Frota (1956). Ao longo dessa década, viaja para Pernambuco, regularmente, para participar da Paixão de Cristo, em Fazenda Nova, e também lecionar módulos do Curso Básico à Formação do Ator, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Recife. Em 1999, estreia como romancista e lança Rito - O Mistério de Juliano, pela editora carioca Letras e Expressões.
Nos últimos anos de sua vida, em parceria com Marcos Frota, elabora o projeto da Universidade Livre do Circo (Unicirco), com o propósito de oferecer a alunos carentes uma educação capaz de integrar a arte circense a diversos outros saberes humanísticos. Morre, em maio de 2002, vítima de ataque cardíaco, sem ver esse projeto realizado. Seu corpo é velado na sede do Mamulengo Só-Riso, em Olinda.
Notas
1. CARVALHEIRA, Luiz Maurício. Depoimento. In: FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana - Vol. 2. Recife: L. Ferraz, 2006. p. 71.
2. ESCOBAR, Arminda. Depoimento. In: TRINDADE, Gilberto (Org.). Luiz Maurício Carvalheira e o circo. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2008. p. 21.
3. CARVALHEIRA, Luiz Maurício. Depoimento. In: FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana - Vol.3. Recife: L. Ferraz, 2007. p. 36.
Espetáculos 10
Fontes de pesquisa 10
- BACCARELLI, Milton J. Trocando a Máscara... - 20 anos de Teatro em Pernambuco. Recife: Fundarpe, 1994.
- CARVALHEIRA, Luiz Maurício. Por um teatro do povo e da terra: Hermilo Borba Filho e o Teatro do Estudante de Pernambuco. Prefácio de Maximiniano Campos. Recife: Fundarpe, 1986. 212 p.
- FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana - Vol. 4. Recife: L. Ferraz, 2009. 59p.
- FERRAZ, Leidson; DOURADO, Rodrigo; JÙNIOR, Wellington (orgs). Memórias da cena pernambucana - Vol. 1. Recife: Edição dos autores, 2005. 198p.
- PROGRAMAÇÃO da Fundação de Cultura Cidade do Recife - Dezembro /86 e Janeiro/87. Nºs 07 e 08. Programa da AÇÃO CULTURAL LIBERTADORA. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife.
- REIS, Carlos. Meio século de Paixão. Recife: Comunigraf. 2001. 282P.
- TRINDADE, Gilberto (org.). Luiz Maurício Carvalheira e o circo. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife. 2008. 70p.
- ______ (Org.). Memórias da cena pernambucana - Vol. 2. Recife: L. Ferraz, 2006. 198p.
- ______ (Org.). Memórias da cena pernambucana - Vol. 3. Recife: L. Ferraz, 2007. 199p.
- ______. Rito - O Mistério de Juliano. Prefácio de Miguel Falabella. Rio de Janeiro: Editora Letras e Expressões, 1999. 110p.
Como citar
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LUIZ Maurício Carvalheira.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa517517/luiz-mauricio-carvalheira. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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