Alaíde Costa

Alaíde Costa, 2023
Texto
Alaíde Costa Silveira Mondin Gomide (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1935). Cantora e compositora. Divide sua carreira entre Rio e São Paulo, quase sempre interpretando composições da bossa nova. Com voz suave, segura e de grande domínio técnico, consagra canções e constrói um repertório de respeito.
Alaíde Costa pode ser considerada uma estilista da música popular brasileira, definidora de uma maneira de cantar. Sua principal influência – mais pelo jeito de interpretar do que pelo estilo vocal propriamente dito – é a cantora Dalva de Oliveira (1917-1972). E seu grande parceiro é Johnny Alf (1929-2010), com quem demonstra afinidade tanto musical quanto no racismo que afirma ter sofrido no mercado fonográfico.
Em seu repertório, prevalecem canções românticas, de ritmo lento e cadenciado. Não se intimida com as dificuldades impostas por harmonias e melodias intrincadas, a exemplo de “Noturna” [Guinga (1950) e Paulo César Pinheiro (1949)]. Mas imprime seu estilo também em sambas mais ritmados, como “Sonho de um Carnaval” [Chico Buarque (1944)] e “Catavento” [Milton Nascimento (1942)].
Alaíde Costa começa a cantar num concurso de calouros de um circo, incentivada pelo irmão mais novo. Em seguida, apresenta-se como cantora mirim nas rádios Clube do Brasil e Tupi, em programas comandados por Renato Murce (1900-1987) e Paulo Gracindo (1911-1995). Aos 16 anos, inscreve-se no programa de calouros de Ary Barroso (1903-1964) e interpreta “Noturno em Tempo de Samba” [Custódio Mesquita (1910-1945) e Evaldo Ruy (1913-1954)]. Recebe a nota máxima.
Quatro anos depois, assina o primeiro contrato artístico como crooner. Na sequência, grava seu disco de estreia, um 78 rpm, e se profissionaliza no rádio e nos estúdios, ao registrar o bolero “Tarde Demais” [Raul Sampaio (1928-2022) e Hélio Costa] pela Odeon.
Durante a produção do terceiro 78 rpm, por intermédio de João Gilberto (1931-2019), aproxima-se da turma da bossa nova. Em 1959, ao lado de Sylvia Telles (1934-1966), Billy Blanco (1924-2011), Ronaldo Bôscoli (1928-1994), Carlos Lyra (1939) e Roberto Menescal (1937), participa do 1º Festival de Samba Session no Rio de Janeiro.
O perfil intimista harmoniza-se com o primeiro momento da bossa nova. No entanto, essa personalidade musical não se revela de imediato em sua discografia. Seu LP de estreia, Gosto de Você, não conta com João Gilberto ao violão, por opção da gravadora. Por isso, os arranjos têm outra tônica e as quatro bossas do álbum, incluindo “Lobo Bobo” (Lyra e Bôscoli), perdem a relação voz e violão, característica do gênero.
A sintonia entre voz e instrumentistas aparece no disco seguinte, Canta Suavemente (1960). Apesar de alguns arranjos se aproximarem do ritmo de gafieira, nota-se a intenção de adaptar as canções ao estilo da intérprete. Com esse trabalho, Alaíde coloca no mercado músicas inéditas do repertório bossanovista, entre elas “Jura de Pombo”, primeira composição de Menescal, com letra de Bôscoli.
A sonoridade da cantora começa a prevalecer no terceiro disco, Jóia Moderna (1961), quando começa a interferir nas produções e trabalha com instrumentistas com os quais se identifica, caso de Baden Powell (1937-2000) e João Donato (1934-2023).
Em 1962, muda para São Paulo, onde se apresenta no show O Fino da Bossa, em 1964, interpretando “Onde Está Você”, de Oscar Castro Neves (1940-2013) e Luverci Fiorini. No ano seguinte, divide o palco do Theatro Municipal de São Paulo com o violonista Antonio Carlos Barbosa-Lima (1944-2022), em espetáculo de canções renascentistas dirigido pelo maestro Diogo Pacheco (1925-2022).
A mudança para São Paulo marca sua música. A maior parte do repertório se filia à corrente paulista da bossa nova, com composições de imigrados como o carioca Theo de Barros (1943) (“Natureza” e “Igrejinha”) e o baiano Walter Santos (1931-2008) (“Cadê o Amor”).A maior cumplicidade se dá com Johnny Alf, pianista e compositor, também negro, carioca e radicado na capital paulista. A amizade deles está sintetizada no CD tributo Alaíde Canta Johnny em Tom de Canção (2011). Embora considerados os principais responsáveis pela divulgação da bossa nova na cidade, sentem-se marginalizados quando o movimento ganha projeção mundial.
Para Alaíde, a razão é o racismo, “não só por parte de produtores e empresários, que achavam que uma negra só devia cantar sambas e rebolar, como dos próprios artistas, que nunca mais me procuraram”1.
No CD Rasguei Minha Fantasia (2001), dedicado ao repertório carnavalesco, as composições são despidas do tom festivo e alegre para revelar as angústias e tristezas descritas nas letras. “Ouçam-na cantar ‘Ta-hí (Pra você gostar de mim)’, de Joubert de Carvalho (1900-1977) e duvido que não desabem quando ela expõe todos os fracassos amorosos que aquela canção revela. É de uma tristeza comovente, de uma melancolia que nos faz sentir o sentido total da palavra abandono"2, comenta o compositor Hermínio Bello de Carvalho (1935).
O amor é o tema central em sua obra, inclusive nas composições em que Alaíde assina letra e música, como “Saída”:
Daí eu saí de mansinho
Levando amor dentro em mim
Amor amado sozinho
É coisa de incomodar
Eu sou essa mulher tão triste
Que canta pra desabafar.
Sofrendo de otoesclerose, afasta-se da música para se tratar. Após cirurgias nos dois ouvidos, retoma a carreira no início dos anos 1970, quando grava, em dueto com Milton Nascimento (1942), o samba “Me Deixa em Paz” [Monsueto Menezes (1924-1973) e Airton Amorim (1921)], incluído no disco Clube da Esquina (1972). Ao longo das décadas seguintes, lança mais de uma dezena de álbuns, com destaque para trabalhos em parcerias.
Em 2003, ao lado de Johnny Alf, apresenta-se no Queen Elizabeth Hall, em Londres, durante o London Jazz Festival. Realiza um espetáculo dedicado ao seu repertório autoral no Sesc Santana, em São Paulo, em 2013. Dialogando com músicos mais jovens, Alaíde lança o álbum O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim em 2022. O disco, produzido por Marcus Preto (1973), Pupillo Oliveira (1975) e Emicida (1985), ganha o Prêmio da Música Brasileira de lançamento do ano na categoria MPB.
Em quase 70 anos de carreira, Alaíde Costa consolida seu estilo de cantar em canções marcadas pela melancolia. Atenta às técnicas de voz e aos cuidados na emissão e à articulação das palavras, a intérprete passeia por gêneros e se reinventa em parcerias e atualiza seu estilo sem perder sua personalidade.
Notas
1. CARDOSO, Tom. "Fui vítima de racismo na bossa nova", diz Alaíde. Valor Econômico, São Paulo, 20 fev. 2003.
2. CARVALHO, Hermínio Bello de. Alaíde Costa, a navalha na voz. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,14 jun. 2004.
Obras 64
Espetáculos 1
Mídias (1)
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Direção, edição e fotografia: Marcus Leoni
Produção: Carol Silva
Montagem: Renata Willig
Assistência: Rafael Macedo
Fontes de pesquisa 11
- BORELLI, Helvio. Noites paulistanas: histórias e revelações musicais das décadas de 50 e 60. São Paulo: Arte & Ciências, 2005.
- CARDOSO, Tom. "Fui vítima de racismo na bossa nova", diz Alaíde. Valor Econômico, São Paulo, 20 fev. 2003.
- CARVALHO, Hermínio Bello de. Alaíde Costa, a navalha na voz. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,14 jun. 2004.
- CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
- INSTITUTO Memória Musical Brasileira. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.memoriamusical.com.br.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- MÁXIMO, João. Benção a uma das vozes favoritas da bossa nova. O Globo, Rio de Janeiro, 27 mar 2005.
- PAVAN, Alexandre. Timoneiro: perfil biográfico de Hermínio Bello de Carvalho. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006.
- SANTHIAGO, Ricardo. Solistas dissonantes: história (oral) de cantoras negras. São Paulo: Letra e Voz, 2009.
- SOARES, Dirceu. Johnny, Alaíde e a brisa que atingiu a bossa. Folha de S.Paulo, São Paulo, 1 ago. 1978.
- SOUZA, Tárik de. Tem Mais Samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Editora 34, 2003. (Coleção Todos os Cantos).
Como citar
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ALAÍDE Costa.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa457142/alaide-costa. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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