Péricles Cavalcanti
Texto
Péricles da Rocha Cavalcanti (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1947). Compositor, cantor, instrumentista, arranjador. Humor sutil, referências a mitologia grega, literatura, poesia e à própria música são alguns dos elementos de sua obra, que transita por diversas mídias e vertentes.
Desde a infância desenvolve uma escuta plural. Com o pai, interessa-se por música erudita e pelo baião de Luiz Gonzaga (1912-1989), e, com a mãe, por intérpretes da era de ouro do rádio, como Orlando Silva (1915-1978) e Dalva de Oliveira (1917-1972). A estas referências, junta a bossa nova, com a qual toma contato na adolescência.
Conhece Caetano Veloso (1942), Gal Costa (1945) e Gilberto Gil (1942) antes de ingressar no curso de filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Da amizade com estes artistas ligados ao Tropicalismo resultam seu interesse pelo fazer musical e suas primeiras parcerias profissionais. Deixa a carreira acadêmica para aderir ao temário da contracultura e parte para o autoexílio em Londres, em 1969, onde acompanha a cena do rock britânico. A convite de Gilberto Gil, participa da trilha do filme Copacabana, Mon Amour (1970) do diretor de cinema Rogério Sganzerla (1946-2004). Retorna ao Brasil em 1971, quando começa a compor com mais regularidade, e é gravado por Gal Costa – “Quem Nasceu” (1974) e “Clariô” (1977) – e Caetano Veloso – “Elegia” (1979). Em “Elegia”, o compositor valoriza a melodia das próprias palavras, criando um bolero com base em um poema do inglês John Donne (1572-1631) traduzido por Augusto de Campos (1931).
A versatilidade de estilos e a veia cômica estão presentes em sua trilha para o espetáculo A Farra da Terra (1983) do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, na qual figuram gêneros como o reggae, em “Farol da Jamaica”, e as metalinguísticas “Heavy Metal” e “Blues da Passagem”.
Embora tenha produzido ininterruptamente nas décadas anteriores, seu primeiro disco interpretando sua obra, Canções, é lançado em 1991, quando Péricles já é um músico maduro. O samba de abertura, “Dos Prazeres, das Canções”, revela algumas de suas referências: Herivelto Martins (1912-1992), Dorival Caymmi (1914-2008), Noel Rosa (1910-1937) e Heitor dos Prazeres (1898-1966). A estes soma-se a influência de João Gilberto (1931-2019), na batida do violão e no timbre de voz, além de Tom Jobim (1927-1994), em quem se inspira para fazer o arranjo com piano e assobio na faixa “Sem Drama”. “Tudo Sobre Eva” incorpora o folk do cantor americano Bob Dylan (1941). Em seu segundo álbum, Sobre as Ondas (1995), a sonoridade remete ao compositor João Donato (1934), pelo registro de voz e pela economia na instrumentação, cujos arranjos prescindem de densas massas sonoras.
Em 2004, lança Blues*55, reunindo dois projetos complementares. Na primeira parte, prevalece a base acústica, na qual o compositor recria a sonoridade anterior ao advento do estéreo, ao passo que a segunda aproxima-se mais da música experimental erudita, por meio de um tratamento eletrônico. Retoma a canção do compositor americano Cole Porter (1891-1964) em “Será o Amor”, e homenageia o pianista estadunidense Thelonious Monk (1917-1982) em “Um abraço no Thelonious”, ao mesmo tempo em que faz uma síntese do cruzamento entre o jazz e a bossa nova – já que a canção é inspirada em “Um Abraço no Bonfá” (1960), de João Gilberto. Apresenta, ainda, composições de sua autoria conhecidas na voz de outros intérpretes e com outros arranjos, como a faixa-título “Blues”, lançada por Caetano Veloso nos anos 1970, e as canções “Medo de Amar nº 3” e “Dançando”, gravadas por Adriana Calcanhotto (1965).
O conceito de 55 é aperfeiçoado no trabalho seguinte, O Rei da Cultura (2007). A faixa-título é autoderrisória: o verso “Eu sou o rei da Cultura” é rebatido pela intertexto “AM”. Ao trazer à tona esse elemento oculto, o compositor refere-se à única emissora de rádio que toca suas músicas, ressignificando a afirmação de que ele é o “rei da cultura” e reposicionando-se diante da música popular brasileira (MPB). Uma das faixas mais experimentais do CD é “Perguntaram a Stravinsky”, na qual o artista recorre a procedimentos da música concreta, como colagens e manipulação de fragmentos sonoros. Na faixa “Porto Alegre (Nos braços do Calipso)”, faz um jogo de palavras, referindo-se simultaneamente à Calipso – na mitologia grega, uma ninfa do mar – e ao ritmo caribenho que serve de base para essa canção.
Em Frevox (2013), o compositor aprofunda o diálogo com músicos brasileiros da nova geração, como seu filho Leo Cavalcanti (1984), Karina Buhr (1974) e Tulipa Ruiz (1978). As cantoras também participam do CD Mulheres de Péricles (2013), realizado pelo DJ Zé Pedro (1970), com curadoria da produtora Nina Cavalcanti, filha do compositor. Sem a intervenção de Péricles, o trabalho compila músicas de várias fases da carreira do artista, com assinaturas de 17 intérpretes, conectadas pela própria polifonia e multiplicidade do repertório. Em Clássicos Daora (2019), o compositor faz uma releitura de temas clássicos que remetem à origem da canção como forma de expressão, como em “Moinhos e Moças”, feita com base em um poema de autor grego anônimo do século I a.C. O disco traz pela primeira vez a participação de Gal Costa, em “Karaokê Total”, e Gilberto Gil, em “O Velho Lenhador e a Morte”, em seus trabalhos autorais.
Gravada por intérpretes de três gerações da MPB, a obra de Péricles Cavalcanti é eclética e aberta a experimentações, sintetizando de maneira intuitiva elementos dispersos na canção popular.
Obras 1
Espetáculos 2
Fontes de pesquisa 14
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- ESPETÁCULOS Teatrais. [Pesquisa realizada por Edélcio Mostaço]. Itaú Cultural, São Paulo, [20--]. 1 planilha de fichas técnicas de espetáculos. Não Catalogado
- FERREIRA, Mauro. Péricles Cavalcanti celebra tenacidade na velhice, com Gilberto Gil, em blues de disco autoral. G1, 2 ago. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2019/08/02/pericles-cavalcanti-celebra-tenacidade-na-velhice-com-gilberto-gil-em-blues-de-disco-autoral.ghtml. Acesso em: 4 abr. 2020.
- GARCIA, Lauro Lisboa. A estreia de um poeta das canções. O Estado de S. Paulo, 18 ago. 1991, p. 158. Caderno 2.
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- GARCIA, Lauro Lisboa. Um “Rei da Cultura” ao contrário. O Estado de S. Paulo, 18 mai. 2007, p. 55. Caderno 2.
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- RENNÓ, Carlos. Sobre as ondas. Release do disco homônimo (Radical) de Péricles Cavalcanti, de 1995. In: ______. O voo das palavras cantadas. São Paulo: Dash, 2014.
- VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Cia. das Letras, 2017.
Como citar
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PÉRICLES Cavalcanti.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa429574/pericles-cavalcanti. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7