Herivelto Martins
Texto
Biografia
Herivelto de Oliveira Martins (Engenheiro Paulo de Frontin RJ 1912 - Rio de Janeiro RJ 1992). Compositor, violonista, cantor, ator. Assina uma vasta obra que o torna referência da música popular brasileira entre as décadas de 1930 e 1950. Filho de agente ferroviário, inicia-se no meio artístico aos 5 anos, no misto de teatro e clube Sociedade Dramática Dançante Carnavalesca Florescente de Barra do Piraí, fundada pelo pai. Em Barra do Piraí, participa também da Sociedade Musical União dos Artistas, onde toca bombardino, pistom e caixa, entre 1922 e 1930.
Em 1930, muda-se para o Rio de Janeiro para tentar a carreira artística. Trabalha numa barbearia no Morro de São Carlos, berço dos sambistas do Estácio. Logo conhece os compositores da escola de samba, principalmente José Luís da Costa, o Príncipe Pretinho, que o apresenta a J.B. de Carvalho, seu primeiro parceiro, em Da Cor do Meu Violão, um samba gravado pelo Conjunto Tupi, em 1932.
Com Francisco Sena forma a dupla Preto e Branco, cujo primeiro disco sai em 1934, com os sambas Preto e Branco, de sua autoria, e Quatro Horas, com Sena. Da parceria, surgem, ainda, as marchas A Vida É Boa e Vamos Soltar Balão. Em 1935, a dupla grava novos discos e apresenta-se na Rádio Tupi do Rio de Janeiro, mas o sucesso é interrompido com a morte de Sena. Surge a nova dupla Preto e Branco, com Nilo Chagas, em 1937. A eles incorpora-se a cantora Dalva de Oliveira, mais tarde esposa de Herivelto, com quem o compositor tem dois filhos, um deles o cantor Pery Ribeiro. Nasce, então, o Trio de Ouro, um dos mais conhecidos trios vocais brasileiros, que grava pela Odeon, Victor e Columbia.
Durante a década de 1940, auge da trajetória do Trio de Ouro, Herivelto Martins compõe os sambas Praça Onze (com Grande Otelo), Isaura (com Roberto Roberti), A Lapa (com Benedito Lacerda) e também sambas-canções como Caminhemos, Atiraste uma Pedra (com David Nasser) e Ave Maria do Morro. Com Grande Otelo, além de Praça Onze, compõe vários sambas, entre os quais Cidade Velha, gravado por Dircinha Batista, em 1942, A Guerra Acaba Amanhã, por Francisco Alves, em 1945, Fala Claudionor e Adeus Mangueira, lançados pelo Trio de Ouro, em 1946 e 1958, respectivamente.
Em 1949, em plena crise do casamento de Herivelto e Dalva, o trio lança seus três últimos discos e, em 1950, com a rumorosa separação do casal, se desfaz em sua primeira formação. Herivelto recebe a medalha de ouro instituída pela Revista do Rádio como o melhor compositor do ano, em 1954. Reorganiza o Trio de Ouro por duas vezes, com Noemi Cavalcanti e Nilo Chagas, e depois com Lurdinha Bittencourt e Raul Sampaio, dissolvendo-o em 1957. O trio reaparece nos anos 1970, com a cantora Shirley Dom, Raul Sampaio permanece na formação, realiza shows e grava um LP para a Fundação Nacional de Arte (Funarte), em homenagem à obra de Herivelto Martins. Em janeiro de 2010, estreia na Rede Globo a minissérie Dalva e Herivelto: Uma Canção de Amor, baseada na biografia do casal, escrita por seu filho Pery Ribeiro.
Comentário Crítico
Compositor de uma vasta obra, é na cidade do Rio de Janeiro que, a partir de 1930, sua carreira se desenvolve. Nesse momento, o samba assim como outros gêneros, a exemplo das marchinhas, estão consolidados. A difusão do rádio, a gravação eletromagnética, a expansão da indústria fonográfica e o cinema falado são inovações ligadas à profissionalização dos músicos. Na cidade, que reúne renomados artistas relacionados à música popular, Herivelto afirma-se como compositor, ao lado de Noel Rosa, Ary Barroso, João de Barro e Lamartine Babo.
Ao integrar o coro da RCA Victor no início dos anos 1930, fica conhecido pelo hábito de introduzir breques nas gravações. Ali conhece Francisco Sena, parceiro na futura dupla Preto e Branco, cuja qualidade vocal chama atenção da crítica. É uma das primeiras formações a cantar em dueto, se diferenciando do esquema "pergunta e resposta", muito comum na época, a exemplo de gravações de Francisco Alves e Mário Reis. Para a dupla, Herivelto compõe o samba Preto e Branco, um sucesso do ano de 1934, que trata da parceria musical entre um negro, Francisco Sena, e um branco, Herivelto.
No fim dos anos 1930, após a morte de Sena e sua substituição por Nilo Chagas, em uma das apresentações no Teatro Pátria, em São Gonçalo, Rio de Janeiro, Herivelto conhece Dalva de Oliveira, com quem se casa. Com Dalva e Nilo Chagas, forma o conjunto vocal Trio de Ouro, que inova por trazer duas vozes masculinas e uma feminina. Além das emissoras de rádio, o grupo destaca-se como atração do Cassino da Urca, entre 1939 a 1946, numa época em que os cassinos são importantes espaços de trabalho dos artistas. Em 1946, por decreto do presidente do Brasil, Eurico Gaspar Dutra, os cassinos são fechados.
As brigas conjugais entre Herivelto e Dalva atingem a mesma repercussão do sucesso do Trio de Ouro, e os jornais e revistas, ligados à crônica do meio artístico, noticiam os ataques mútuos do casal. Mas é na música que as desavenças repercutem e o casal troca acusações por meio de sambas-canções. A canção Tudo Acabado, de J. Piedade e Oswaldo Martins, sucesso da carreira solo de Dalva, é entendida por Herivelto como uma resposta a sua Cabelos Brancos, e, posteriormente, para difamar a ex-companheira grava Caminho Certo, em parceria com David Nasser. Essas disputas dividem o público e os jornais divulgam declarações provocativas tanto de Herivelto quanto de Dalva. Outras canções que marcam essa briga são Errei Sim, de Ataulfo Alves, gravada por Dalva, e Teu Exemplo, resposta de Herivelto.
No fim da década de 1940, após diversos discos e aparições em filmes nacionais, a exemplo do filme Samba em Berlim, 1943, de Luiz de Barros, acaba o casamento e a primeira formação do Trio de Ouro. Herivelto Martins segue sua carreira e no decorrer dos anos organiza outras formações para o grupo. Apontado como um dos criadores do estilo musical dos anos 1940 e 1950, o samba-canção, com músicas inspiradas nos desencontros amorosos, em sua obra canta a dor da separação, captando os dissabores da paixão, a exemplo das composições Atiraste uma Pedra (com David Nasser), de 1953, Segredo (com Marino Pinto), de 1947. Sua obra também se inspira no cotidiano, exalta os morros cariocas, particularmente o da Mangueira, em composições como Lá em Mangueira (com Heitor dos Prazeres), de 1943. Conhece o território do samba, numa época em que ele é sinônimo de malandragem: "Eu sou do tempo que o malandro não descia / mas a polícia no morro também não subia". É assistente de Orson Welles, quando o ator e diretor de Hollywood desembarca no Rio para filmar It's All True. E cabe a Herivelto circular com Welles pelos redutos do samba dos morros cariocas.
Ave Maria no Morro (1942) é um samba-canção, espécie de oração, que traduz sua vivência nos morros. A composição torna-se um de seus maiores sucessos e uma das mais gravadas da música popular brasileira. Nos anos 1960, mesmo considerada uma heresia pelo cardeal Sebastião Leme, passa a ser cantada nas missas. Entre os intérpretes dessa canção estão Sarita Montiel, Wilson Simonal, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Gal Costa, Baby Consuelo, Milton Banana e Eduardo Araújo.
Para o Carnaval, Herivelto Martins faz, especialmente para a folia de Momo, sambas como Praça Onze (com Grande Otelo), de 1942; Laurindo, de 1943; Odete (com Dunga), de 1944; e Izaura (com Roberto Roberti), de 1945; além das marchinhas como Da Cor do Meu Violão (com J.B. Carvalho), de 1934; Santo Antônio, São Pedro e São João, de 1935; Branca de Neve (com Benedito Lacerda), de 1939; Andorinha (com Haroldo Barbosa), de 1945. Praça Onze, com letra de Grande Otelo, é uma canção feita para protestar contra a demolição da praça, reduto do samba carioca e local de desfile das escolas de samba para a abertura da Avenida Presidente Vargas, gravada pelo Trio de Ouro, num estilo que reproduz o clima de uma escola de samba com destacado uso do tamborim, apito e surdo.1
Identificado como símbolo da Era do Rádio (1930-1950), quando esse veículo reina absoluto entre a população e os cantores e cantoras seduzem multidões de fãs, a carreira extensa e a produção de Herivelto sobrevivem aos mais diversos contextos - o nacionalismo de Getúlio Vargas, os anos de pesada censura, o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, a ditadura militar e a abertura política a partir da década de 1980. No governo Kubitschek, é membro da Comissão de Música do Departamento Artístico do Ministério do Trabalho.
Nos últimos 20 anos de vida, sua produção musical diminui e ele realiza alguns poucos shows. É homenageado pela Escola de Samba Unidos da Ponte, em 1986, com o enredo Tá na Hora do Samba, que Fala Mais Alto, que Fala Primeiro. Em 1987, recebe o Prêmio Shell, pelo conjunto da obra.
Nota
1 SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. São Paulo, Editora 34, 1999. Vol. 1. p. 210.
Espetáculos 1
Exposições 1
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9/10/2009 - 22/11/2009
Fontes de pesquisa 13
- A Descoberta do Luxo, do Som e do Lixo. Palco e Platéia, São Paulo, ano III, no. 14, p. 6, março de 1972. Não catalogado
- ALBIN, Ricardo Cravo. MPB - A História de um século. Rio de Janeiro, Funarte, 1998.
- ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB: a história de nossa música popular de sua origem até hoje. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2003.
- BLASQUES, Márcia. Coleção MPB compositores nº 39 - Herivelto Martins. São Paulo, Globo, 1997.
- CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da música Popular. Rio de Janeiro, Edição do Autor, 1965.
- COLEÇÃO História do Samba. São Paulo, Globo, 1998, Vol. 9.
- ESPETÁCULOS Teatrais. [Pesquisa realizada por Edélcio Mostaço]. Itaú Cultural, São Paulo, [20--]. 1 planilha de fichas técnicas de espetáculos. Não Catalogado
- MARCONDES, Marcos Antônio. (Ed.). Enciclopédia da Música Popular Brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo: Art Editora,1977. 2 v.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998. R780.981 M321e 2.ed.
- MÚSICA Popular Brasileira - Herivelto Martins. São Paulo, Abril Cultural, 1971.
- RIBEIRO, Perry e DUARTE, Ana. Minhas Duas Estrelas - Uma Vida Com Meus Pais. Rio de Janeiro, Globo, 2009.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
- VIEIRA, Jonas e NORBERTO, Natalício. Herivelto Martins: Uma Escola de Samba. São Paulo, Editora Ensaio.1992.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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HERIVELTO Martins.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12099/herivelto-martins. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7