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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Clementina de Jesus

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 20.02.2024
07.02.1902 Brasil / Rio de Janeiro / Valença
19.07.1987 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Digitalizado a partir do original

Clementina de Jesus
Madalena Schwartz, Clementina de Jesus
Matriz-negativo
Acervo do Instituto Moreira Salles

Clementina de Jesus da Silva (Valença, Rio de Janeiro, 1902 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987). Cantora. Reverenciada pelo mundo do samba como a rainha Quelé (corruptela de seu nome), Clementina se destaca no cenário musical brasileiro por sua voz potente e singular, mas também por trazer à cena a ancestralidade negra, resgatando elementos ...

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Clementina de Jesus da Silva (Valença, Rio de Janeiro, 1902 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987). Cantora. Reverenciada pelo mundo do samba como a rainha Quelé (corruptela de seu nome), Clementina se destaca no cenário musical brasileiro por sua voz potente e singular, mas também por trazer à cena a ancestralidade negra, resgatando elementos da tradição oral e popular, provenientes de uma herança afro-brasileira.

Clementina de Jesus tem forte papel político na reflexão sobre o lugar do negro no Brasil. Desempenha esse papel naturalmente, como uma mulher negra que se constitui a partir de uma sólida herança afro-brasileira, consciente da força que esta herança enseja. As canções ouvidas na infância em Valença e as manifestações musicais do subúrbio carioca são recriadas pela compositora, expressando a diversidade de sua formação musical espontânea e o seu sincretismo religioso. Católica fervorosa, Clementina se autodeclara “misseira” e não adepta do candomblé, convivendo com cânticos cristãos e com os de matriz africana, ambos importantes nos campos espiritual e cultural da artista.

Neta de escravizados de uma fazenda de café do Vale do Paraíba, por parte de mãe, e de negros alforriados, por parte de pai, convive com canções em língua banta desde criança e aprende com a mãe ladainhas, benditos, partidos-alto, cantigas de trabalho, jongo, corimás, pontos de macumba e caxambu. Aos oito anos, acompanha o pai nas cantorias de viola e participa do coral do Orfanato Santo Antônio, onde estuda em regime de semi-internato. Aos 18, passa a trabalhar como empregada doméstica, profissão que exerce por mais de 20 anos. É só aos 61 anos que Clementina desponta como cantora.

Inicia a carreira em meio a um confronto estético e ideológico na música brasileira. De um lado, uma música popular moderna, à procura de respostas para os temas desgastados da bossa-nova. De outro, a jovem-guarda, marcada pela influência estrangeira e certo descompromisso com conteúdos de fundo social ou político. Nesse contexto, compositores e intérpretes da zona sul, como Carlos Lyra (1939) e Nara Leão (1942-1989), aproximam-se dos músicos do morro e do subúrbio carioca, como Zé Kéti (1921-1999), Nelson Cavaquinho (1911-1986) e Paulinho da Viola (1942), ligados às escolas de samba e frequentadores do Zicartola – restaurante aberto por Dona Zica (1913-2003) e seu marido, o sambista Cartola (1908-1980). É lá que o jovem produtor musical Hermínio Bello de Carvalho (1935) reencontra Clementina, depois de presenciar, na Taberna da Glória, aquela voz grave e rascante.

Em 1963, Hermínio articula a estreia da cantora nos palcos, no show O menestrel, em que ela divide o recital com o violonista Turíbio Santos (1943). Sua aparição causa grande impacto pela voz, que se destaca em relação às cantoras da época, e pelo repertório da tradição oral da cultura afro-brasileira. Em 1965, participa do espetáculo Rosa de Ouro, no Teatro Jovem, no Rio de Janeiro, dirigido por Hermínio e Kléber Santos e com participação de outros sambistas. O sucesso do show gera dois álbuns homônimos, lançados em 1965 e 1967, e dá ainda maior visibilidade à mais nova dama do samba.

Grava o primeiro disco solo em 1966, intitulado Clementina de Jesus, que conta com a participação de vários músicos e é composto por dez faixas que evidenciam o repertório diversificado da cantora. Clementina vai do jongo “Cangoma me chamou” ao partido-alto na faixa “Barracão é seu”, em dueto com João da Gente, um dos baluartes da escola de samba Portela. Nesta música, exibe um de seus dons: são 16 improvisações nos quase sete minutos de canção. Tamanha é sua habilidade nessa arte que o sambista Carlos Cachaça (1902-1999) afirma que Clementina não é “cantora, mas cantadeira de jongo, de partido-alto, de batucada”. No mesmo ano, representa o Brasil no 1º Festival Mundial de Artes Negras, em Dacar, no Senegal, e se apresenta no Festival de Cannes, na França.

Depois de alguns álbuns em parceria com outros músicos e do disco solo Clementina, cadê você? (1970), lança, em 1973, Marinheiro só, cuja faixa-título é uma versão de Caetano Veloso (1942) para uma canção folclórica. Nesse disco, abarcando elementos de diferentes culturas, “Cinco cantos religiosos” reúne, em uma única faixa musical, o jongo “Oração de Mãe Menininha”, os pontos de umbanda “Fui pedir às almas santas”, “Atraca atraca” e “Incelença”, e o ponto “Abaluaiê”. Enquanto a primeira cantiga evoca a principal ialorixá brasileira, Menininha do Gantois (1894-1986), remetendo ao candomblé, os outros pontos são característicos da umbanda.

Em 1982, participa, com Geraldo Filme (1928-1995) e Tia Doca (1932-2009), de O canto dos escravos, álbum com 14 cânticos recolhidos em Minas Gerais pelo filólogo Aires da Mata Machado Filho (1909-1985). Denominados pela historiografia como vissungos, uma espécie de cantiga de trabalho herdada dos negros benguelas, os cânticos eram entoados por escravos no século XVIII na Chapada Diamantina. Analisando esse álbum, Amailton Magno Azevedo (1971), doutor em história, destaca a sua força estética no cruzamento entre o antigo e o contemporâneo, conectando os negros trazidos da África aos negros do novo mundo (sub)urbano1.

Rainha Quelé, ao compartilhar sua nobre herança por meio da voz, resgata uma parte da cultura nacional muitas vezes preterida, dando a ela a importância que tem de fato na constituição do que se entende

hoje como Brasil. O registro dessa tradição oral contribui para a preservação de nossas origens, evidenciando o importante papel que Clementina de Jesus tem para a música popular e a formação social brasileira.

Notas

1. AZEVEDO, Amailton Magno. O canto dos escravos: heranças centro-africanas na música contemporânea do Brasil. Opsis, v. 16, n. 1, 2016. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/Opsis/article/view/36694/21515. Acesso em: 15 maio 2022.

Obras 27

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Fontes de pesquisa 8

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  • BEVILÁCQUA, Adriana et al. Clementina, Cadê Você. Rio de Janeiro: LBA; Funarte, 1988.
  • CLEMENTINA de Jesus. Catálogo da caixa de CDs Clementina de Jesus. Rio de Janeiro: Petrobras, 2001. (Coleção Clementina de Jesus 100 anos.
  • FRIAS, L.; CARVALHO, H. B.; LOPES, N.; ANDRADE, P. C.; COELHO, H. (Org.). Rainha Quelé – Clementina de Jesus. Valença: Editora Valença, 2001.
  • LOPES, Nei. Partido-alto: samba de bamba. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998. R780.981 M321e 2.ed.
  • MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. São Paulo: Editora 34, 2003.
  • MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
  • SOUZA, Tárik de. Tem Mais Samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Editora 34, 2003. (Coleção Todos os Cantos).

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