Carlos Carvalho
Texto
Biografia
Carlos Alberto Carvalho Correia (Recife PE 1954). Diretor e ator. Um dos criadores mais prolíficos da cena teatral pernambucana, sobretudo a partir da década de 1990, quando as marcas de seu olhar autoral se firmam em meio à diversidade de suas investigações estéticas. Na militância em prol do teatro local, tem o nome associado à fundação de importantes entidades, como a Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe) e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado de Pernambuco (Sated/PE).
Aos 11 anos, inicia-se nos palcos, com a orientação da atriz e professora de teatro Ruth Bandeira, integrante do Teatro Popular do Nordeste (TPN). Entre 1966 e 1967, com o grupo teatral do Colégio Castro Alves, Carlos Carvalho participa dos espetáculos O Juiz de Paz na Roça, de Martins Pena, e Em Boca Fechada Não Entra Mosquito ou Torturas de um Coração, de Ariano Suassuna, ambos dirigidos por Ruth Bandeira. Apresentando-se em diversas escolas da cidade do Recife, decide, em parceria com os atores Paulo de Castro e Pedro Henrique, imprimir caráter profissional a essa experiência teatral. Os três fundam, então, em 1966, o Teatro Experimental do Recife, cujo objetivo não é outro senão oferecer espetáculos às escolas da região. Seguindo sugestão do ator e diretor Rubens Teixeira, também participante do TPN, mudam o nome do recém-criado grupo para Teatro da Criança do Recife e se especializam em montagens direcionadas ao público infantil. Além do próprio Rubens Teixeira, outros artistas, como Marco Camarotti e João Ferreira, são chamados para dirigir espetáculos do grupo, que se mantém em atividade por quase duas décadas. Entre os encenadores convidados a presença mais constante é de José Francisco Filho.
Em meados da década de 1970, o trabalho de Carvalho começa a chamar a atenção de outros grupos e diretores. Em 1977, o ator integra o elenco de Sobrados e Mocambos, de Hermilo Borba Filho, encenada por Guilherme Coelho, com o Grupo de Teatro Vivencial. Meses depois, em outra produção do mesmo conjunto, é dirigido por Antonio Cadengue em Viúva, porém Honesta, de Nelson Rodrigues. Nos dois anos seguintes, com a direção de Milton Baccarelli, atua em dois grandes sucessos de público no teatro recifense: Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, e É..., de Millôr Fernandes, produzidos pela Companhia Praxis Dramática (CPD).
Praticamente na mesma época, passa a integrar os elencos da Paixão de Cristo, de Nova Jerusalém, e do Mamulengo Só-Riso. De 1977 a 1996, permanece ligado à Paixão de Cristo, desempenhando vários papéis. No Mamulengo Só-Riso, convive, entre 1976 e 1988, com mestres do teatro de bonecos como Nilson Moura, Fernando Augusto e Luiz Maurício Carvalheira. Sobre essa experiência, anos mais tarde, Carlos Carvalho comenta: "[...] com o Só-Riso aprendi como fazer um espetáculo popular, nordestino, brasileiro e universal, comprometido com as dores e as alegrias do homem, como dizia Hermilo".1
Na primeira metade da década de 1980, Carlos Carvalho começa a dirigir espetáculos e sua estreia ocorre em 1983, com a peça O Equilibrista, escrita por Paulo Marcondes e Dirceu Lima. A partir de então, a atividade como ator vai gradativamente cedendo espaço ao trabalho de encenador. Em 1984, recebe o Prêmio Samuel Campêlo de melhor diretor, pela montagem de Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque e Zeca Ligiero. No ano seguinte, dirige mais um texto voltado para o público infantil, Hipopocaré, o Rei da Galhofa, de Antônio Guinho.
Angariando o reconhecimento e o apoio de diversos setores da classe teatral pernambucana, Carlos Carvalho não demora a se tornar um dos diretores mais solicitados por artistas e produtores locais. Mas é decerto em 1994 que sua personalidade de encenador se apresenta de modo mais nítido e maduro. Nesse ano, além de participar do Projeto CumpliCIDADES, intercâmbio teatral entre o Nordeste do Brasil e Portugal, com a montagem de Arlequim, peça de Ronaldo Correia de Brito e Francisco Assis Lima, Carlos Carvalho cria Duelo, um dos seus espetáculos mais autorais.
Ao adaptar o conto O Duelo, de Guimarães Rosa, Carlos Carvalho elabora uma escritura cênica, a um só tempo, forte e delicada. No palco, cenários e adereços em miniatura são manipulados pelos atores, recriando, com efeito de grande teatralidade, os lugares e as situações evocados pela narrativa de Guimarães Rosa. Na fala e no gestual dos intérpretes, uma aproximação contemporânea do anti-ilusionismo poético que caracteriza a atuação dos brincantes nordestinos. E se apresenta outro traço recorrente da produção desse encenador: construir espetáculos com base em textos não concebidos, primordialmente, para o palco. Em 2001, tais características reaparecem aprimoradas em Zumba, a Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba-sem-Dente, um dos seus trabalhos mais elogiados.
No programa do espetáculo, o diretor e professor Antonio Cadengue observa que "a montagem não é uma criação isolada, mas obedece a um projeto gestado por Carvalho desde Duelo e se compraz na criação de uma cena que exige de todos (dos que a fazem e a apreciam) uma atenção especial para alguns elementos estéticos, a exemplo da 'desvinculação do ator/personagem' (poucos atores interpretam inúmeros papéis); 'a perspectiva narrativa' (um grupo de atores conta uma história, interpretando-a coletivamente, embora sob a batuta de um diretor); 'um ecletismo de gênero e de estilo' (recursos variados do realismo, do expressionismo, da farsa etc.); o 'uso da música' (situando, pontuando e comentando as situações e personagens)".2
Com Zumba, Carlos Carvalho dá início a uma trilogia de espetáculos baseados em contos escritos por Hermilo Borba Filho. Nesse primeiro trabalho, ele adapta o conto O Traidor. Em 2006, estreia Mucurana, o Peixe, baseado no conto O Peixe. E, no ano seguinte, termina a série com a montagem de O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados, elaborado com base em O Palhaço.
Os dois últimos espetáculos da trilogia são apresentados no Centro de Pesquisa Teatral do Recife, espaço criado por Carlos Carvalho no fim de 2006, quando comemora 40 anos de carreira. No 1º andar de um velho sobrado, situado no bairro do Recife Antigo, é aberto um teatro de arena com capacidade para acomodar em torno de 100 espectadores. No 2º piso, uma sala ampla é reservada para oficinas e cursos. Esse empreendimento, administrado pelo próprio Carlos Carvalho, recebe também espetáculos de outros grupos e promove diversas atividades formativas. Todavia, sem conseguir um patrocinador que lhe garanta alguma estabilidade financeira, o centro é fechado no início de 2009, no momento em que Carlos Carvalho se prepara para montar A Donzela Joana, escrita por Hermilo Borba Filho, em 1964, e tida pelo próprio autor como uma espécie de súmula de seu pensamento artístico.
O mergulho, profundo e original, de Carlos Carvalho no universo criativo de Hermilo Borba Filho não o limita, entretanto, a uma única linha de interesse estético. Pelo contrário, na década de 1990 e na primeira de 2000, assina diversos espetáculos, encenando textos de autores tão distintos entre si como, por exemplo, Ariano Suassuna e Fernando Arrabal, Miguel Falabella e Henrik Ibsen.
Nesse viés mais eclético de sua produção de encenador, dois momentos merecem destaque. Primeiramente, a parceria com a atriz e produtora Paula de Renor, fundadora da Remo Produções Artísticas, com quem realiza trabalhos como Abelardo e Heloísa, em 1999, com texto adaptado do livro homônimo do psicanalista Zeferino Rocha, e Fernando e Isaura, em 2003, transpondo para o palco o romance A História de Amor de Fernando e Isaura, de Ariano Suassuna. Outro momento importante em sua trajetória é o convite do tradicional Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) para dirigir A Ratoeira, de Agatha Christie, em 2007.
Notas
1. CARVALHO, Carlos. O Mamulengo Só-Riso, o boneco e a humildade. In: FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana. v. 4. Recife: L. Ferraz, 2009. p. 83.
2. CADENGUE, Antonio. Zumba, o herói humilde. In: ZUMBA, a gloriosa vida e o triste fim de Zumba-sem-Dente. Direção Carlos Carvalho. Recife: Teatro Hermilo Borba Filho, programa, 2001.
Espetáculos 10
Fontes de pesquisa 6
- CADENGUE, Antonio. Zumba, o Herói Humilde. In: ZUMBA, a Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba-sem-Dente. Direção Carlos Carvalho. Recife: Teatro Hermilo Borba Filho, programa, 2001.
- FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana - vol. 2. Recife: L. Ferraz, 2006.
- FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana - vol. 4. Recife: L. Ferraz, 2009.
- LIMA, Janaína. Festival Recife do Teatro Nacional: reflexões sobre o papel da crítica impressa na consolidação da mostra. Monografia (Especialização em Jornalismo e Crítica Cultura) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2006.
- MOURA, Ivana. E o palhaço o que é? Pernambuco - Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado. nº 10, junho de 2007. Recife: Cepe, 2007.
- REIS, Luís Augusto. O lugar do encenador. Continente Multicultural, Recife, nº. 71. p. 78 - 80, nov. 2006.
Como citar
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CARLOS Carvalho.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa484460/carlos-carvalho. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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