Companhia Praxis Dramática
Texto
1976 - Recife PE
Histórico
Fundada pelos atores e produtores José Mário Austregésilo e Paulo Fernando de Góes em 1977, a Companhia Praxis Dramática inaugura no teatro profissional recifense dos anos 1970 um tipo de empreendimento que perdura até o fim da década seguinte: as companhias produtoras, caracterizadas sobretudo pela contratação, a cada montagem, de elenco e de encenadores diferentes.
Em 1975, ao atuarem em Canção de Fogo, de Jairo Lima, com direção de Clênio Wanderley, pelo Teatro Novo Tempo, Paulo Fernando de Góes e José Mário Austregésilo percebem que algo novo ocorre com o público recifense: a plateia repleta indica que um espetáculo pode se sustentar em cartaz para além das três ou quatro representações habituais da produção amadora local. No ano seguinte, com a montagem de A Lição, de Eugène Ionesco, dirigida por Antonio Cadengue, com cenários e figurinos de Beto Diniz, José Mário Austregésilo e Paulo Góes têm a certeza de que há viabilidade econômica para a produção empresarial de teatro no Recife. O espetáculo é programado para fazer quatro apresentações no Nosso Teatro, atual Teatro Valdemar de Oliveira, mas, com casa cheia todos os dias, nova temporada da peça é agendada no Teatro do Senac.
A Companhia Praxis Dramática - CPD, com seu primeiro trabalho, Esta Noite Se Improvisa, de Luigi Pirandello, faz a passagem de um amadorismo vigoroso a um profissionalismo ainda um tanto informe, cuja maior preocupação é realizar um teatro de qualidade, requintado, que tenha continuidade, e se apoie economicamente no público pagante. Ou seja, a CPD inicia-se como amadora e, à medida que os espetáculos vão cobrindo seus custos, passa a dividir os lucros com o elenco, num sistema cooperativado, embora em outros momentos chegue a estipular cachês fixos para os que nela trabalham.
No Diario de Pernambuco, o crítico Valdi Coutinho conclama a plateia pernambucana a assistir Esta Noite Se Improvisa: "Agora chegou a hora da verdade, de o público pernambucano reagir, marcar na sua agenda um compromisso inadiável com a diversão e a cultura teatral, feita genuinamente pelos valores de nossa terra, e apresentando um nível tão espetaculoso como o das melhores produções teatrais do sul do país, isso eu garanto, pois já tive a oportunidade de ver a peça".1
Esta Noite Se Improvisa, com direção de Antonio Cadengue, estreia no Teatro Valdemar de Oliveira, em agosto de 1977, realiza uma segunda temporada em setembro e outubro, no Teatro do Parque, e tem recepção crítica muito favorável. O escritor Paulo César Coutinho, por exemplo, comenta: "Numa produção com 30 atores vivendo 50 personagens, todos muito bem, realiza-se um espetáculo de qualidade tal, que não deve ficar no âmbito do Recife, mas ser mostrado em outras cidades. É preciso que o público faça jus, com sua presença, aos esforços empreendidos, pois só os gastos de produção atingiram 75 mil cruzeiros [...]. Esta Noite Se Improvisa deve ser vista por quem ama o teatro e por quem, não o amando, precisa contagiar-se com sua magia".2
A montagem seguinte do CPD é Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, com direção de Milton Baccarelli, cujo lançamento se dá no Teatro Valdemar de Oliveira, em maio de 1978. O elenco reúne atores novos e veteranos, entre os quais se destaca Germano Haiut, como protagonista. A produção volta a fazer grande investimento e o público comparece em massa para prestigiar o espetáculo, o que faz a Praxis estender a temporada ao Teatro de Santa Isabel. Isso dá a Paulo Fernando de Góes e José Mário Austregésilo a certeza de que estão contribuindo para uma efetiva profissionalização do teatro pernambucano.
Com mais uma direção de Milton Baccarelli, num empreendimento conjunto da Praxis com a Aquarius Produções Artísticas, em janeiro de 1979, estreia É..., de Millôr Fernandes. A experiência com a produção teatral, a observação do perfil de seu público, a atenção com espectadores de baixo poder aquisitivo levam os produtores a estabelecer preços diferenciados em função dos dias de apresentação. Além de um elenco composto de experientes profissionais da cena pernambucana, é contratado Marcílio Campos, o maior estilista de haute couture da cidade, para realizar os figurinos das atrizes.
Por causa do sucesso, atribuído sobretudo à qualidade do elenco, com destaque para o desempenho de Maria de Jesus Baccarelli e Austregésilo, a montagem volta várias vezes para curtas temporadas no decorrer do ano, além de viajar para Maceió e Natal. Enquanto as várias temporadas de É... se sucedem, as duas produtoras, Praxis e Aquarius, ensaiam e estreiam uma nova peça: Calígula, de Albert Camus, com direção de José Pimentel, no Teatro de Santa Isabel, em maio de 1979. A peça suscita polêmica porque o texto de Camus é relido pelo prisma da farsa.
Em seguida, vem Equus, de Peter Shaffer, com direção de Rubem Rocha Filho, produzido apenas pela Praxis Dramática. Com estreia em junho de 1980, no Teatro Valdemar de Oliveira, é considerada, de imediato, uma das melhores montagens recifenses dos últimos tempos. Valdi Coutinho afirma que toda a classe teatral pernambucana reconhece o nível de excelência da peça e conclui: "O teatro pernambucano viveu um grande momento não somente pelo brilhantismo do acontecimento, mas especialmente pelo nível do espetáculo que era entregue ao nosso público para esta temporada que se prognostica de irreversível sucesso. [...] De parabéns a Praxis Dramática, de parabéns todos aqueles que reconheceram os valores e as qualidades do espetáculo e aplaudiram sem meios termos, porque foram merecedores de Equus, um espetáculo que esta coluna recomenda ao grande público pernambucano".3
A Praxis produz A Resistência, de Maria Adelaide Amaral, com direção de Milton Baccarelli, em 1980. Essa montagem perde os cenários e figurinos em incêndio no Teatro Valdemar de Oliveira, e fecha sua temporada no Teatro do Dérbi. Em 1981, encena O Inspetor Vem Aí, adaptação de O Inspetor Geral, de Nikolai Gogol, direção de Rubem Rocha Filho. Realização de grande porte, que envolve inúmeros profissionais e vale à Praxis elogios por seu espírito empreendedor.
Na linha dos grandes espetáculos, em 1983, também é encenado Tal & Qual, Nada Igual, texto de Jomard Muniz de Britto, direção de Guilherme Coelho, que estreia no Teatro Valdemar de Oliveira. A montagem se estrutura como uma revista crítica que discute a recorrência dos males que atravessam o Brasil há séculos: de Pedro Álvares Cabral a João Baptista Figueiredo, nada muda. Nessa iniciativa, a Praxis associa-se a produtores como Aquarius Produções Artísticas (Bóris Trindade e Paulo de Castro), Alberto Vinícius Melo, Maria Áurea Santa Cruz e Jaime Mello. O grupo faz um dos maiores investimentos privados do teatro pernambucano, contratando diretor, coreógrafo, maquiadores, aderecistas, contrarregras, figurinistas, costureiras, músicos, sonoplastas, cenógrafos, maquinistas e atores.
Ainda em 1983, a Praxis concretiza mais um sucesso com O Baile do Menino Deus, de Ronaldo Correia de Brito e Francisco de Assis de Sousa Lima, com música de André Madureira e direção de Ronaldo Correia de Brito. Estruturada como um musical para o público infanto-juvenil, a peça celebra em cantos e danças o ciclo natalino, em coprodução de Alberto Vinicius e Maria Áurea Santa Cruz. Em 1985, forma-se uma nova parceria da Praxis com Ronaldo Correia de Brito para a produção de O Pavão Misterioso, tradução onírica do universo da cultura popular nordestina. É a adaptação de um dos mais famosos cordéis nordestinos, no qual transparece a influência das Mil e Uma Noites, em pleno sertão brasileiro.
Em outubro de 1985, estreia no Teatro de Santa Isabel um espetáculo que trata de encontros e desencontros de um casal, desempenhado por José Mário Austregésilo e Magdale Alves, Boca Molhada de Paixão Calada, de Leilah Assumpção, com direção de Antonio Cadengue e cenários e figurinos de Beto Diniz. O crítico Enéas Alvarez elogia a direção equilibrada e o esmero da cenografia, concluindo seus comentários sobre a Praxis: "Da produção pode-se dizer que deu de tudo de si para atingir seu intento, investindo de fato e eficientemente nessa montagem que surpreende e cativa".4
Para comemorar os dez anos de atividade da Praxis, Luiz Mendonça é convidado, em 1986, para montar Viva o Cordão Encarnado, de Luiz Marinho, que estreia no Teatro Barreto Júnior e encerra a temporada no Teatro de Santa Isabel. Nessa montagem, o programa da peça traz um pequeno balanço da trajetória da CPD: "A Praxis Dramática foi capaz de entrar em todas as estruturas e sair delas, passando, inclusive, pela experiência de coprodução. Lançou diretores, atores, técnicos, trabalhou pessoas e textos. Criou e produziu espetáculos que foram aplaudidos e que permanecem até hoje na memória de quem acompanha a nossa trajetória".5
Notas
1. COUTINHO, Valdi. A coragem de produzir teatro. Diario de Pernambuco, Recife, 21 ago. 1977. Segundo Caderno, p. 12. [Acervo José Mário Austregésilo]
2. COUTINHO, Paulo César. Esta noite se faz teatro. Jornal da Cidade, Recife, p. 13, 2 a 9 set. 1977.
3. COUTINHO, Valdi. "Equus" - o feliz momento de uma grande estreia. Diario de Pernambuco, Recife, 26 jun. 1980. Viver, [s.p.] [Acervo José Mário Austregésilo]
4. ALVAREZ, Enéas. Boca molhada de paixão calada. Jornal do Commercio, Recife, [s.p.], 26 nov. 1985.
5. 10 ANOS DE PRAXIS. In: Companhia Praxis Dramática. VIVA O CORDÃO ENCARNADO. Direção Luiz Mendonça. Programa do espetáculo apresentado no Teatro Barreto Júnior, Recife, em agosto de 1986.
Espetáculos 14
Fontes de pesquisa 25
- A LIÇÃO é encenada no Teatro do Senac. Diario de Pernambuco, Recife, 3 jul. 1976. Segundo Caderno, p. 10.
- ALVAREZ, Enéas. Boca Molhada de Paixão Calada - Crítica. Jornal do Commercio, Recife, 26 nov. 1985. Caderno C, [s.p].
- ALVAREZ, Enéas. O Inspetor Vem Aí/Crítica. Jornal do Commercio, Recife, 10 dez. 1981. Caderno C, [s.p.].
- ALVAREZ, Enéas. Tal e Qual, Nada Igual / Crítica. Jornal do Commercio, Recife, [s.p.], 10 dez. 1981.
- ARANTES, Sócrates. É bate recorde de público e apresentação. Diario de Pernambuco, Recife, p. A-36, 18 fev. 1979.
- BACCARELLI, Milton J. Trocando a Máscara... - 20 anos de Teatro em Pernambuco. Recife: Fundarpe, 1994.
- BAILE do Menino Deus, cartaz do Valdemar. Diario de Pernambuco, Recife, [s.p.], 13 nov. 1983. [Acervo José Mário Austregésilo].
- BARRETO, Aldo Paes. Pimentel quer deixar de ser Cristo e diz que chega de apanhar calado. Diario de Pernambuco, Recife, [s.p.], 18 jun. 1979.
- COMPANHIA PRAXIS DRAMÁTICA; AQUARIUS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS. Viva o Cordão Encarnado. Direção Luiz Mendonça. Teatro Barreto júnior, Recife, programa, ago.1986.
- COMPANHIA Praxis encena Galileu. Diario de Pernambuco, Recife, p. A-6, 19 abr. 1978.
- COUTINHO, Valdi. A coragem de produzir teatro. Diario de Pernambuco, Recife, 21 ago. 1977. Segundo Caderno, p. 12. [Acervo José Mário Austregésilo].
- COUTINHO, Valdi. Brincadeira de Natal. Diario de Pernambuco, Recife, 9 nov. 1983. Viver, [s.p.] [Acervo José Mário Austregésilo].
- COUTINHO, Valdi. Equus - o feliz momento de uma grande estreia. Diario de Pernambuco, Recife, 26 jun. 1980. Viver, [s.p.] [Acervo José Mário Austregésilo].
- COUTINHO, Valdi. Grandes nomes compõem elenco de Galileu Galilei. Diario de Pernambuco, Recife, 30 abr. 1978. Viver do Domingo, p. 1.
- COUTINHO, Valdi. Praxis continua firme em suas metas com Galileu. Diario de Pernambuco, Recife, 1 maio. 1978. Viver, p. B-6.
- COUTINHO, Valdi. TNT abre I Mostra. Diario de Pernambuco, Recife, 17 ago. 1976. Segundo Caderno, p. 12.
- COUTINHO, Valdi. Uma direção onde nada se improvisa. Diario de Pernambuco, Recife, 30 set. 1977. Segundo Caderno, p. 12.
- CUENTRO, Juliana. Galileu Galilei uma luz nos palcos do Recife. Jornal do Commercio, Recife, [s.p.], 2 abr. 1978. Caderno C, p. 1.
- CUENTRO, Juliana. No Recife existe público teatral - Galileu visto por mais de 7 mil pessoas. Jornal do Commercio, Recife, 28 maio 1978. Caderno C, p. 1.
- HALLIDAY, Tereza Lúcia. A lição onde o absurdo faz sentido. Diario de Pernambuco, Recife, 27 jun. 1976. Segundo Caderno, p. 1.
- PONTES, Mariza. Jovens revelam a alma do artista no teatro de Pirandello. Diario de Pernambuco, Recife, 20 jul. 1977. Viver, p. B-1.
- RECOMEÇA temporada de É.... Diário da Noite, Recife, [s.p.], 1 mar. 1978. [Acervo José Mário Austregésilo].
- RIVAS, Lêda. Equus nos subterrâneos da alma, a tragédia da loucura, do amor e da morte. Diario de Pernambuco, Recife, 2 jun. 1980. Viver, p. C-1.
- RIVAS, Lêda. É... de Millôr Fernandes, ou De repente, a vida que sempre foi uma comédia de costumes, começa a virar drama. Diario de Pernambuco, Recife, 18 jan. 1979. Viver, p. C-1.
- SENNA, Mary Lúcia. Viva o Cordão Encarnado - No palco, a festa dos jubileus de dois grandes do Teatro Pernambucano. Diario de Pernambuco, Recife, 7 ago. 1986. Viver, p. B-1.
Como citar
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COMPANHIA Praxis Dramática.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo519657/companhia-praxis-dramatica. Acesso em: 04 de maio de 2025.
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