Luiz Marinho
Texto
Biografia
Luiz Marinho Falcão Filho (Timbaúba PE 1926 - Recife PE 2002). Autor. Seu teatro é calcado na memória, seja pelo viés etnográfico e sociológico no resgate dos costumes e da linguagem do matuto, seja pelo viés mais íntimo das lembranças de sua infância e adolescência na cidade de Timbaúba, recolhendo histórias, situações e personagens de seu convívio cotidiano e familiar e recriando-os em sua fatura dramática.
Transfere-se para o Recife, aos 18 anos, em 1944, com o objetivo de dar continuidade à sua formação. Conclui sua primeira peça, Um Sábado em 30, provavelmente, em 1960. A trama se concentra nas vicissitudes de uma família de senhores de engenho de Timbaúba, durante a Revolução de 1930. Utilizando-se da comicidade, Marinho apresenta criticamente os hábitos da família patriarcal e os conflitos entre patrões e empregados, revelando uma sociedade estagnada, presa a tradições opressoras e a uma rígida estratificação social. A peça estreia em 1963, no Teatro de Santa Isabel, apresentada pelo Teatro de Amadores de Pernambuco - TAP, com direção de Valdemar de Oliveira.
Na excursão de Um Sábado em 30 a São Paulo, em janeiro de 1964, o crítico Décio de Almeida Prado assim define o texto: "Eis aí a verdadeira perspectiva da peça: a vida patriarcal brasileira vista não da sala de visita, mas da cozinha, isto é, desvestida de sua suposta solenidade, mostrada em seus termos reais, como o entrelaçamento sexual entre a casa-grande e a senzala - ou o que restava de uma e de outra - mais forte do que nunca".1
Em 1961, A Derradeira Ceia, encenada por Luiz Mendonça, com o Teatro Experimental de Cultura - TEC, ganha o Prêmio Escola de Belas Artes. O TEC, posteriormente denominado, a partir de 1962, de Teatro de Cultura Popular - TCP, do Movimento de Cultura Popular - MCP, estreia A Derradeira Ceia no Teatro do Povo, e, em seguida, abre o 1º Festival de Teatro do Recife, no Teatro de Santa Isabel. A peça é uma tentativa de Luiz Marinho de humanizar a figura de Lampião e do Coiteiro. Nela, o papel social dos personagens ganha uma importância expressiva, mostrando, por exemplo, que o fato de Lampião ser um bandido provém das circunstâncias em que vive. Por essa montagem, Marinho recebe o Prêmio Vania Souto Carvalho de melhor autor pernambucano de 1961, concedido pela Associação dos Cronistas Teatrais de Pernambuco - ACTP; o prêmio de melhor peça brasileira no 1º Festival de Teatro de Estudante do Nordeste, em Caruaru, Pernambuco, em 1962, e inicia com Mendonça uma longa parceria teatral que marca profundamente a trajetória do TCP, assim como a carreira de Marinho e Mendonça.
A Incelença estreia no Teatro de Santa Isabel, em 1962, com direção de Mendonça, pelo TCP, e se torna uma das peças mais populares de Marinho, montada por diversos grupos teatrais amadores e profissionais no Brasil. A peça reúne pelo menos dois aspectos reconhecíveis na obra marinha: o caráter etnográfico em que resgata "a incelença" ou "sentinela", "velório no qual ao lado dos sons de rezas cantadas, os participantes bebem, comem e, contemplando os momentos de solidão, dialogam com adivinhações, anedotas, resultando muitas vezes no falar comum da vida alheia",2 e o pitoresco das situações e do caráter dos personagens, além de conter uma contundente denúncia social. O crítico Medeiros Cavalcanti comenta: "A Incelença é uma excelência de peça. Talvez deva até exagerar: é uma obra-prima - na raridade das obras one act play no Brasil. Em outro país menos subdesenvolvido intelectualmente, bastaria esse ato para colocar o Autor numa antologia. E dar-lhe dinheiro".3
Estórias do Mato, que reúne as peças A Incelença e A Afilhada de Nossa Senhora da Conceição (texto até então inédito), é apresentada em 1963, pelo TCP. A direção é de Mendonça e José Wilker trabalha como assistente de direção. A Afilhada de Nossa Senhora da Conceição é a peça preferida de Marinho por ter sido originada de algumas estórias de Troncoso contadas por sua ama Davina (a quem o autor dedica a obra). Além disso, o dramaturgo se baseia em folhetos de cordel e outros "causos" ouvidos e anotados em sua juventude.
Em A Afilhada, uma jovem noiva é prometida ao diabo por sua mãe, que não aceita o pretendente escolhido pela filha. No dia do casamento, o diabo em pessoa vem buscar a moça, que é salva graças à intervenção de Nossa Senhora da Conceição, de quem é afilhada. Marinho retoma o mesmo enredo em 1985, em forma de musical, em A Valsa do Diabo. Não são obras distintas, mas diferentes registros sobre um mesmo tema.
A quinta peça de Marinho, Viva o Cordão Encarnado, uma comédia em dois atos, que discorre sobre a vida de um grupo de artistas populares, profissionais de um pastoril de ponta de rua, é levada à cena pelo Teatro Universitário de Pernambuco - TUP, em 1968.
No primeiro ato, esses artistas são apresentados no dia a dia, fora do ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se envolvem em diversos quiproquós durante as comemorações do aniversário do velho do pastoril. No segundo ato, encontram-se esses mesmos personagens em noite de festa, durante uma função de pastoril em que a própria estrutura do folguedo reverbera na urdidura da peça: ao final, ganha novo sentido com o nascimento do filho da mestra do pastoril que espelha o nascimento do menino Jesus, tal como na versão sacramental do folguedo, mas de maneira paródica. Tudo isso perpassado por uma intriga de paixão e ciúme envolvendo o velho do pastoril, sua esposa e um cabo de polícia.
Sob a direção de Clênio Wanderley, a encenação recebe os prêmios Vania Souto Carvalho e Samuel Campêlo; e também participa do 5º Festival Nacional de Teatro de Estudantes, no Rio de Janeiro, no qual Marinho conquista o prêmio de melhor autor e Wanderley, o de melhor diretor.
Ainda nesse ano, a Universidade Federal de Pernambuco publica Um Sábado em 30, A Incelença e A Afilhada de Nossa Senhora da Conceição em um único volume.
Viva o Cordão Encarnado conquista, em 1970, o Prêmio Artur Azevedo, concedido pela Academia Brasileira de Letras - ABL, e ganha nova versão cênica em 1974, no Rio de Janeiro, mais uma vez sob a batuta de Luiz Mendonça, com o Grupo Chegança. Por essa montagem, Mendonça e Marinho recebem respectivamente o Prêmio Molière de melhor diretor e autor. Com esse prêmio, Luiz Marinho realiza sua primeira e única viagem à Europa, onde profere palestra na Universidade de Toulouse e visita as cidades de Paris e Roma.
Nos anos 1980, Marinho escreve três textos infantis: A Família Ratoplan, A Aventura do Capitão Flúor, no Reinado do Dente Cariado e Foi um Dia. Ainda nessa década, o Teatro de Amadores de Pernambuco - TAP encena mais um original de Marinho: A Promessa. Com direção da atriz Geninha Sá da Rosa Borges e pesquisa musical do próprio autor, o espetáculo estreia em outubro de 1983. Conta as peripécias de Sebastiana, narradas pela própria protagonista, que, por ciúme do marido, se envolve em uma série de confusões. A estrutura dramática do texto se baseia na narrativa dentro da narrativa, utilizando-se de flashback e extraindo sua comicidade de mal-entendidos causados pelos diferentes usos da linguagem por parte do homem da cidade e do homem da zona rural. Em 1987, Marinho escreve O Último Trem para os Igarapés, publicado nesse ano na revista Palco Nordestino.
O TAP encena A Estrada em 1995. A peça é divida em três atos, escritos cada um em um gênero (drama, comédia e tragédia), com uma história diferente, tendo em comum a fé dos romeiros como tema. Os personagens dessas histórias se encontram na estrada, a caminho de Juazeiro do Norte, aonde vão a fim de pagar promessas. Esse texto é escrito entre 1992 e 1994, publicado no ano de sua montagem pela Academia Pernambucana de Letras, junto com Corpo Corpóreo, de 1992. Provavelmente em 1997, Marinho escreve As Três Graças, sua última peça.
Para Anco Márcio Tenório Vieira, todas as peças de Marinho, por mais diversificadas que sejam em temas, ambientes, gêneros e estilos, possuem algo em comum: "Elas constituem o que podemos chamar de memórias marinhas. Memórias ficcionalizadas, entenda-se bem, pois seu teatro encerra um conjunto de lembranças - domésticas, sociais, políticas, afetivas, culturais e religiosas - que ao tempo em que foram diluídas em 14 textos, são também costuradas e entrelaçadas por um delicado fio: o do olhar de um Luiz Marinho adulto sobre a criança e o jovem que um dia fora; um Marinho solipsista que busca dar sentido à sua existencialidade e, por sua vez, a todo o universo que o cerca e que o viu nascer, crescer, tornar-se adulto, envelhecer e caminhar para a morte".4
Notas
1. PRADO, Décio de Almeida. Um sábado em 30. In: _______. Teatro em progresso: crítica teatral (1955-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 273.
2. MARINHO, Luiz. Um sábado em 30; A incelença; A afilhada de N. S. da Conceição. Recife: Universidade Federal de Pernambuco: Imprensa Universitária, 1968. p. 135.
3. CAVALCANTI, Medeiros. A Incelença. Jornal do Commercio, Recife, p. 6, 29 jun. 1963.
4. VIEIRA, Anco Márcio Tenório. Luiz Marinho: o sábado que não entardece. Prefácio Antonio Cadengue. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2004. p. 18.
Espetáculos 62
Fontes de pesquisa 8
- BACCARELLI, Milton J. Trocando a Máscara... - 20 anos de Teatro em Pernambuco. Recife: Fundarpe, 1994.
- CAVALCANTI, Medeiros. A Incelença. Jornal do Commercio, Recife, 29 jun. 1963. p. 6.
- MARINHO, Luiz. Um sábado em 30; A incelença; A afilhada de N. S. da Conceição. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; Imprensa Universitária, 1968.
- MARINHO, Luiz. Viva o cordão encarnado. Recife: Instituto do Açúcar e do Álcool; Museu do Açúcar, 1968. [Composto e impresso nas oficinas gráficas da Imprensa Universitária da UFPE em abril de 1969].
- PRADO, Décio de Almeida. Um sábado, em 30. In: ______. Teatro em progresso: crítica teatral (1955-1964). São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. (Coleção Estudos; 185),.
- REIS, Carlos; REIS, Luís Augusto. Luiz Mendonça: teatro é festa para o povo. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife. 165 p.
- SILVA, Igor de Almeida. Réquiem à infância: um estudo sobre Um sábado em 30 e Viva o cordão encarnado, de Luiz Marinho. Dissertação (Mestrado em Letras/Teoria da Literatura). Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística, Centros de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
- VIEIRA, Anco Márcio Tenório. Luiz Marinho: o sábado que não entardece. Prefácio Antonio Cadengue. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2004.
Como citar
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LUIZ Marinho.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa398161/luiz-marinho. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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