Joaquim Guedes
Texto
Biografia
Joaquim Manoel Guedes Sobrinho (São Paulo SP 1932 - idem 2008). Arquiteto, urbanista. Ingressa no curso de arquitetura e urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) em 1949, e recebe influência decisiva dos professores Icaro de Castro Mello e Vilanova Artigas. Formado, casa-se com Liliana Marsicano, e com ela se associa até 1974. Ambos iniciam seus trabalhos com o padre dominicano francês Louis-Joseph Lebret,1 participando da fundação da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS), contexto no qual conhecem o arquiteto Carlos Millan, com quem dividem o espaço de trabalho. Na esteira dessa experiência, funda o escritório Serviços Técnicos de Assistência aos Municípios (Stam), voltado para o urbanismo, onde desenvolve um projeto para o Plano Piloto de Brasília, 1957. Sua carreira desponta com a vitória no concurso para a construção da igreja do bairro de Vila Madalena, em São Paulo, em 1955, e com o projeto da residência A.C. Cunha Lima, em 1958, com o qual ganha o prêmio internacional na Bienal de São Paulo, em 1965. Ainda em 1958, inicia sua atividade acadêmica ao assumir a cadeira de materiais de construção na FAU/USP, a convite do professor Fernando Escorel. Nos anos 1960, integra inúmeras equipes multidisciplinares ligadas a congressos ou órgãos governamentais, como a Comissão Nacional de Habitação, em 1961, vinculada ao Ministério do Trabalho do governo João Goulart, ou a Comissão do Habitat, da União Internacional dos Arquitetos (UIA), em 1963. Com intensa participação em encontros internacionais, tem seu trabalho destacado em revistas estrangeiras na Europa e no Japão. Em 1968, troca o Departamento de Tecnologia pelo de Projeto na FAU/USP, no qual defende tese de doutorado, em 1972, livre-docência em 1981, e se torna professor titular em 1991. Em 1974, associa-se a Luís Fernando Manini e Paulo Guedes, seu irmão, passando a realizar projetos de grande escala, e a coordenar equipes numerosas. São desse período o projeto e gerenciamento de execução da obra da cidade de Caraíba, 1976, no sertão baiano, e o projeto de Barcarena, 1980, no Pará, ambos núcleos operários para trabalhadores da mineração. Além desses projetos de cidades novas, realiza inúmeros planos diretores ou urbanísticos, como para as cidades paulistas de Guarulhos, 1960, Ubatuba, 1968, Londrina, Campinas e Mogi-Guaçu, 1970, Piracicaba, 1975, Americana, 1986; a paranaense Londrina, 1970; Porto Velho, 1972, em Rondônia; e o Projeto de Transformação Urbana de Bicocca, 1986, em Milão, Itália, para concurso fechado em âmbito internacional, tendo Roberto Sambonet e Lina Bo Bardi como membros de sua equipe. É autor do projeto de recuperação do Teatro da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (TUCA), incendiado em 1984. A partir de 1988 passa a trabalha em regime de dedicação exclusiva na FAU/USP, reduzindo sua participação nos projetos do escritório. Premiado com o "Colar de Ouro" pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em 2003, é autor de mais de 500 projetos.
Comentário Crítico
Expoente destacado de uma geração que surge em São Paulo no fim dos anos 1950 com liderança de Vilanova Artigas, Joaquim Guedes torna-se tanto um importante membro da chamada "escola paulista" quanto um polêmico dissidente. Ambiguidade que se deve à sua versatilidade e insistência em não se prender a esquemas formais ou imperativos ideológicos. Significativamente, tal ambivalência aparece registrada na historiografia oficial da arquitetura brasileira, uma vez que Yves Bruand o caracteriza como o seguidor "mais próximo da fonte original" traçada por Artigas, enquanto Hugo Segawa situa sua produção como "antagônica ou divergente" da "linha paulista", ao lado de Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre.2
Seu primeiro projeto de destaque é a residência A. C. Cunha Lima, 1958, que combina a vertente brutalista de São Paulo com uma influência organicista, que se torna predominante em sua obra. Trata-se da estrutura em forma de tronco de árvore, com quatro pilares centrais que se ramificam em diagonais, como mãos-francesas, apoiando os balanços das lajes. Distinguindo a ossatura dos planos de vedação, o projeto mantém a leveza da arquitetura brasileira negada por Artigas com suas cortinas estruturais em forma de pórtico, cujas massas acentuam o peso das construções. Nota-se, portanto, que a sua concepção de "brutalismo" está diretamente relacionada ao "brutalismo inglês" New Brutalism de Alison e Peter Smithson, que distingue claramente os planos de estrutura, vedação e instalação, ao contrário de Artigas, e cria uma versão própria, heterodoxa e "cabocla" de brutalismo.3 Assim, na residência Dalton Toledo, em 1962, Guedes faz o uso pioneiro dessa linguagem, utilizando vigas de concreto aparente, alvenaria de tijolo e abóbadas de tijolo furado, montadas sobre apoios curvos de madeira. Em evidente aproximação ao ascetismo puritano do conjunto residencial Ham Commom, 1958, em Londres, de James Stirling e James Gowan, e, por extensão, da residência "Maisons Jaoul", 1952, de Le Corbusier, em Neuilly, França, funda uma linguagem que prolifera na arquitetura residencial em São Paulo, adotada por arquitetos como Eduardo de Almeida, por um lado, e Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, por outro, que aprofundam o estudo da abóbada ligado à questão da "casa econômica".
No Fórum de Itapira, interior de São Paulo, 1959, construído por blocos opacos de alvenaria, cobertos por lajes inclinadas de concreto aparente, apoiadas por pilares delgados e independentes, a pureza racionalista é decididamente substituída por um atavismo tectônico de matriz organicista, com clara influência do empirismo escandinavo, notadamente do seu maior expoente: Alvar Aalto, referência máxima para Guedes. Influência que se faz presente tanto na liberdade volumétrica do Fórum quanto na simplicidade construtiva da casa de campo para a fotógrafa Anna Mariani, 1977, em Ibiúna, São Paulo, em que o tijolo é usado como elemento estrutural, de vedação e revestimento, e o telhado de uma única água, inclinado a 15 graus, faz referência à casa de verão de Muuratsalo, 1953. Acima de tudo, as lições do mestre finlandês revelam para Guedes uma abordagem da arquitetura moderna que não parte de amplas teorias sobre a sociedade, de modo a definir normas abstratas de conduta. Mas, ao contrário, têm a experiência concreta e cotidiana do uso do espaço como baliza fundamental, descartando compromissos ideológicos a priori. Apegado, portanto, à dimensão eminentemente construtiva da arquitetura, Guedes torna-se um crítico ferrenho das linhas dominantes na produção brasileira: tanto do que considera ser um "malabarismo técnico" de Artigas e seus seguidores, amparados por uma retórica política, quanto do "exibicionismo formal" de Oscar Niemeyer, de quem se torna um franco antagonista. Admirador da obra de Rino Levi, partilha com Carlos Millan o gosto pelo detalhe construtivo, em oposição à ênfase no partido estrutural empregada pela "escola paulista".
Além de suas residências, Guedes tem projetos importantes no campo do urbanismo. Nesse aspecto, a influência pragmática do movimento economia e humanismo, propagado pelo padre dominicano Louis-Joseph Lebret, é fundamental na definição de sua abordagem e método de trabalho, privilegiando os aspectos socioeconômicos do projeto em detrimento de soluções plásticas voluntaristas. Essa atuação ocorre sobretudo na década de 1970, com a ênfase na ideia de planejamento urbano no país, correlata a sua expansão infra-estrutural nos anos do chamado "milagre econômico". Além de inúmeros planos diretores para cidades existentes, Guedes projeta, para o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), duas cidades para o assentamento de operários da mineração: Caraíba, 1976, no sertão baiano, e Barcarena, 1980, no Pará, e gerencia a construção da primeira. Nesta, define uma estrutura urbana aberta, composta de um sistema de praças intercomunicadas e cercadas por edifícios públicos e institucionais, equipamentos de recreação e comércio. Esses edifícios de até quatro pavimentos definem passeios cobertos no térreo, regiões de sombra que estimulam o fluxo a pé em uma região de clima tão hostil. Guedes, no entanto, evita definir padrões rígidos de desenho na escala urbana, entendendo que a cidade é um organismo em permanente e necessária transformação. Esse princípio também norteia seu projeto de transformação urbana de Bicocca, 1986, em Milão, em que opta por não definir edificações específicas, mas apenas estudos volumétricos e a malha viária do conjunto, aceitando e conferindo à imponderabilidade histórica um papel ativo no projeto.
Notas
1 Fundador do grupo católico Economia e Humanismo, criado na França, em 1941, que propõe o envolvimento da Igreja em questões econômicas com o objetivo de criar soluções efetivas para as desigualdades sociais geradas pelo sistema capitalista industrial. No Brasil, a Unilabor pode ser considerada um exemplo da atuação desse movimento.
2 Cf. BRUAND, Yves, Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 306; e SEGAWA,Hugo, Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1998, p. 152.
3 FERRO,Sérgio "Reflexões sobre o brutalismo caboclo" [1986], in: Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 255-264.
Espetáculos 1
Exposições 1
Fontes de pesquisa 5
- BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Tradução Ana M. Goldberger. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
- CAMARGO, Mônica Junqueira de. Joaquim Guedes. Coordenação editorial Rodrigo Naves; projeto gráfico Fábio Miguez; produção Fabiana Werneck; edição Cristina Fino; apresentação Pedro Henrique Mariani. São Paulo: Cosac & Naify, 2000. 127 p., il. color. (Espaços da Arte Brasileira).
- FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. Organização e apresentação Pedro Fiori Arantes; posfácio Roberto Schwarz; tradução Iraci D. Poleti. São Paulo: Cosac & Naify, 2006. 456 p.
- GUEDES, Joaquim. São Paulo, 25 milhões de habitantes. In: CARBONCINI, Anna (org.). A Virada do século: reflexões sobre a passagem do milênio. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: Unesp: Secretaria de Estado da Cultura, [1987]. 142 p.
- SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil, 1900-1990. 2.ed. São Paulo: Edusp, 1999.
Como citar
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JOAQUIM Guedes.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa247946/joaquim-guedes. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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