Nelson Ayres
Texto
Nelson Luís Ayres de Almeida Freitas (São Paulo, São Paulo, 1947). Pianista, arranjador, compositor e regente. Em 1954, inicia seus estudos de acordeon e, aos 12 anos, estuda piano com Paul Urbach. Posteriormente é aluno de Luís Schiavo e Conrad Bernhard e tem aulas de regência com Diogo Pacheco (1925). Na década de 1960, atua como pianista da banda São Paulo Dixieland Band. A partir de 1967, é arranjador em rádio, TV e discos.
Além dos grupos dos quais faz parte, grava como pianista, desde 1964 1, com os estadunidenses Dizzy Gillespie (1917-1993), Benny Carter (1907-2003) e Ron Carter (1937). Também com os brasileiros Airto Moreira (1941), Flora Purim (1942), Dori Caymmi (1943) e Nana Caymmi (1941). É arranjador em dezenas de álbuns de artistas como Paulinho Nogueira (1927-2003), Marlui Miranda (1949), Milton Nascimento (1942), Frenéticas, Chico Buarque (1944), Simone (1949) e Arrigo Barnabé (1951).
Entre 1969 e 1972 torna-se, ao lado de Vitor Assis Brasil (1945-1981), o primeiro estudante brasileiro da Berklee School of Music (Boston, Estados Unidos), onde tem aulas de piano com Margareth Chaloff (1896-1977) e de composição com David Avram. Leciona, na JDS School of Music de 1971a 1972, Boston. De volta ao Brasil, organiza seminários sobre técnicas de orquestração, arranjo e interpretação que originam a Banda de Nelson Ayres (1972-1981). Segue o curso de composição na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) de 1978 a 1980. Em 1979, participa da comissão organizadora do 1o Festival de Jazz de São Paulo, e, no ano posterior, funda o grupo Pau Brasil, com o qual realiza turnês pela Europa e Japão até 1990. Em 1985, realiza o Projeto Prisma com o arranjador César Camargo Mariano (1943), um dos primeiros a utilizar a tecnologia eletrônica e computacional no país. Desse projeto, a faixa “Cidade Encantada” integra a trilha sonora da novela Ti ti ti, da TV Globo.
Na década de 1990, torna-se diretor artístico e regente da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo (1990-1999), para a qual escreve mais de uma centena de arranjos. Retoma o piano com o Nelson Ayres Trio e com o grupo Pau Brasil. Também é regente convidado da Orquestra Jovem Tom Jobim, da Filarmônica de Israel e da Sinfônica de Jerusalém. Escreve música para teatro, como Chiclete com Banana (1968), de Augusto Boal (1931-2009); cinema, como O Xangô de Baker Street (2001) e O Menino da Porteira (2009); dança, como Cidadão Corpo (1996), de Ivaldo Bertazzo (1949), e ópera, como Ópera dos 500 (1992), dirigido por Naum Alves de Souza (1942-2016). Em sua discografia destacam-se Villa-Lobos Superstar (2011), melhor disco instrumental do 24o Prêmio da Música Brasileira, e participação no disco da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp): Francis HIME Concerto Para Violão e Orquestra - Nelson AYRES Concertino Para Percurssão e Orquestra (2010).
De 1996 a 2001, coordena a área de música do Instituto Itaú Cultural e leciona no Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp. A partir de 1998, preside o corpo de jurados do Prêmio Visa de Música Brasileira. Entre 2002 e 2005, apresenta o programa Jazz & Cia da TV Cultura. É membro do Conselho Artístico da Orquestra Jovem Tom Jobim e retoma a Banda de Nelson Ayres em 2015.
Análise
A primeira influência de Nelson Ayres vem do nordeste por meio da figura de Luiz Gonzaga (1912-1989). Quando opta pelo estudo do piano, desvia-se desse impulso inicial. Seu professor, Paul Urbach, pianista húngaro, é defensor do jazz. Com ele, Ayres aprende a linguagem vinda das comunidades negras norte-americanas, e o músico estadunidense Bill Evans (1929-1980) e o pianista brasileiro Luiz Eça (1936-1992) passam a fazer parte de suas principais referências.
Inicia sua carreira no jazz, na São Paulo Dixieland Band, experiência que marca também seu primeiro registro fonográfico em 1963. O domínio da técnica desse gênero leva-o a dedicar-se à música nacional, tocando bossa nova. Nos Estados Unidos, acentua a influência jazzísticas por meio de estudos de arranjo em Berklee e do contato profissional com jazzistas como Ron Carter, Airto Moreira e Flora Purim, com quem toca durante sua estada naquele país. O retorno ao Brasil também é pautado pelo jazz. A carência de centros especializados faz com que artistas como Héctor Costita (1934), Amilson Godoy (1946) e Roberto Sion (1946) o procurem, ávidos por informação. Surge, assim, uma série de seminários e funda-se um laboratório de experimentação: a Banda de Nelson Ayres, que permite testar composições (“Jeová”, “Augusta 18h”, “Samba-rock”), improvisações e arranjos escritos como “Como um Ladrão”, de Carlinhos Vergueiro (1952), 1º lugar no Festival Abertura (1975), da Rede Globo.
Essa mesma linguagem guia a criação do grupo Pau Brasil. No princípio, o repertório apresenta standards de jazz, em seguida, na década de 1980, vê-se uma mudança na linguagem do grupo. À época, a ebulição cultural da música popular paulistana desperta a necessidade de se criar uma identidade própria para música instrumental nacional. Além disso, a entrada do violonista e guitarrista Paulo Bellinati (1950), conhecedor de ritmos tradicionais como o maracatu, o frevo e o bumba-meu-boi, impulsiona as mudanças no grupo. Assim, Ayres torna-se, junto com esse conjunto, um dos agentes da criação de uma linguagem instrumental popular autenticamente nacional.
Contrariamente ao Fusion Jazz 2, a Música Popular Instrumental Brasileira (MPIB) propõe uma gramática musical original, cuja ideia é usar a raiz da música brasileira aliada à linguagem atual da música popular. O grupo também propõe, além da construção coletiva, a busca de uma expressão individual. Ali, como afirma Teco Cardoso (1960), saxofonista e flautista da banda, há liberdade “para que cada um traga suas experiências e bagagens. A proposta é a de dar espaço para que todos possam desenvolver, juntos, uma linguagem, e o mote é antropofágico: trazer, deglutir, digerir, transformar em outra coisa” 3. Desse tipo de experiência, emerge uma noção de individualidade coletiva 4, característica marcante no trabalho de Ayres. É sob essa ótica que distingue o músico bom do ótimo. Segundo ele, o primeiro sabe tocar, e o segundo, ouvir. Os grupos dos quais faz parte são formações em que todos têm voz, ouvem-se, e a música é o resultado de um diálogo constante entre os envolvidos (Banda de Nelson Ayres, Nelson Ayres Trio, Trio 202, a parceria com Mônica Salmaso e Cardoso para o álbum Alma Lírica Brasileira).
Outra particularidade de sua produção é o hibidrismo. A Jazz Sinfônica, por exemplo, é uma formação que traz traços de big band e de orquestra tradicional. Para ela, escreve seus principais arranjos e mistura a escrita da música erudita com a da música popular instrumental. Outros trabalhos, como Villa-Lobos Superstar – com transcrições e arranjos de obras desse compositor – ou o Concerto Antropofágico (Pau Brasil, Salmaso e OSESP, 2008). Dele, peças de sua autoria como “Fluctuando” e “Gloria Laus et Honor” explicitam essa mescla entre formações e tradições. No vídeo “Princípios da improvisação”, Ayres enuncia sua visão do fazer musical. Citando o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971), resume sua a atitude frente à criação: “A composição é uma improvisação seletiva”. O arranjador é, para ele, um recriador, ou um recompositor, que insere nuances e gradações e aproxima os dois polos da tradição popular e erudita, da improvisação e da escrita. Sua inspiração vêm de ambos os mundos, como atestam canções como “Noite” (letra de Ayres) em que se ouve reminiscências de um Brasil de modinhas e lundus 5; “Mantiqueira” (letra de Ayres) e “Cidade Encantada” (letra de Milton Nascimento) – com desdobramentos da MPB. Vem ainda de obras sinfônicas como o Concertino para Percussão – próximo da retórica da música erudita tonal. Um traço, no entanto, une-as: o lirismo, preocupação que transparece quando Ayres evoca suas influências. Ao referir-se à Bill Evans, por exemplo, ressalta o fato do instrumentista trazer ao jazz um caráter introvertido e lírico, uma busca da beleza do toque, do refinamento da harmonia que, segundo o músico, o jazzista busca na música clássica para aproximar esse universo ao do jazz. Essa busca norteia as preocupações no campo da interpretação, sempre muito precisa, limpa e virtuosa, que traz ainda floreios melódicos na linhagem de Herbie Hancock. Seu trabalho como intérprete/ criador mostra uma obsessão com o burilamento das obras para torná-las únicas. Ao comentar “Noite”, canção de pouco mais de 3 minutos, afirma que 8 anos se escoam entre a escrita da música e da letra até o ponto no qual a peça é considerada finalizada 6. Além de inovador de linguagens e estilos, Ayres é um artista dedicado à perenidade dessa tradição musical, por sua atuação como pedagogo. Vários de seus alunos, entre eles Nailor A. “Proveta”, são iminentes arranjadores e intérpretes da MPIB, e muitos fazem parte de bandas renomadas, como a Mantiqueira e o Soundscape Big Band.
Nota
1. Seu primeiro álbum Jazz na Universidade (1964) é com seu grupo São Paulo Dixieland Band.
2. Corrente musical lançada na década de 1970 que se apropria de outras, como o rock, o funk, a bossa nova, o samba etc. e mistura-os com elementos do jazz. É o que se ouve em álbuns como Big Band Bossa Nova (1962), do produtor estadunidense Quincy Jones (1933), que toma temas brasileiros em roupagem de samba-jazz.
3. PALUMBO, Patrícia, et al. Pau Brasil – Entrevista. Instrumental SESC Brasil. Vídeo. São Paulo: Sesc, 2009. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ursOkq_T-pE. Acesso em: 18 set. 2016.
4. Idem, ibidem.
5. Estilo musical do Brasil Colonial, em voga entre os séculos XVIII e XIX.
6. Isso não significa que ele não possa criar obras muito rapidamente, como se dá com Cidade Encantada, apenas denota a preocupação com o refinamento que pode levar Ayres a retrabalhar suas obras incansavelmente.
Obras 16
Espetáculos 4
Fontes de pesquisa 14
- AYRES, Nelson, et al. Pau Brasil [online]. Ensaio. Vídeo com entrevista para o programa Ensaio. São Paulo: Rádio e Televisão Cultura, 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jyyeTf9f3n0. Acesso em: 18 set. 2016.
- AYRES, Nelson. Aldeia. Texto de encarte de CD. Banda MANTIQUEIRA. São Paulo: Pau Brasil PB 003, 1996.
- AYRES, Nelson. Princípios de improvisação. MPO Vídeo. Vídeo-aula. São Paulo, s/d.
- CATANZARO, Tatiana; AYRES, Nelson. Entrevista telefônica com Nelson Ayres. São Paulo, setembro de 2016.
- CIRINO, Giovanni. Narrativas musicais: performance e experiência na música popular instrumental brasileira. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
- CLUBE DE JAZZ. Nelson Ayres. Biografia. Disponível em: http://www.clubedejazz.com.br/jazzb/jazzista_exibir.php?jazzista_id=304. Acesso em: 18 set. 2016.
- CLUBE DE JAZZ. Nelson Ayres: um grande realizador. Entrevista. Disponível em: http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noticia.php?noticia_id=478. Acesso em: 18 set. 2016.
- DICIONÁRIO Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira. Coautor Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin. Rio de Janeiro: Editora Paracatu, 2006.
- INSTITUTO Cravo Albin. Nelson Aires. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/nelson-ayres. Acesso em: 18 set. 2016.
- MÚSICOS do Brasil: uma enciclopédia instrumental. Nelson Ayres. Disponível em: musicosdobrasil.com.br/nelson-ayres. Acesso em: 26 ago. 2016.
- PALUMBO, Patrícia, et al. Nelson Ayres Trio – Entrevista. Instrumental SESC Brasil. Vídeo. São Paulo: Sesc, 2011. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BRoG3cqb_SY. Acesso em: 18 set. 2016.
- PALUMBO, Patrícia, et al. Pau Brasil – Entrevista. Instrumental SESC Brasil. Vídeo. São Paulo: Sesc, 2009. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ursOkq_T-pE. Acesso em: 18 set. 2016.
- Programa do Espetáculo - Ciranda dos Homems ... Carnaval dos Animais - 1998. Não Catalogado
- QUEIROZ, Flávio José Gomes de. Caminhos da música instrumental em salvador. Tese (Doutorado em Etnomusicologia) – Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
Como citar
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NELSON Ayres.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa17866/nelson-ayres. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7