Humberto Mauro
Texto
Humberto Mauro (Volta Grande, Minas Gerais, 1897 – Idem, 1983). Diretor de cinema. Considerado um dos pioneiros do cinema nacional, constrói filmografia extensa entre as décadas de 1920 e 1970, marcada, tanto na ficção quanto nos documentários, pelo caráter realista das obras e pela tematização do Brasil, de sua gente e de sua sonoridade.
Aos 13 anos, muda-se de Volta Grande para Cataguases, onde estreia como ator de teatro amador. Torna-se pioneiro em rádio amador na região e frequenta o Cine Theatro Recreio, onde assiste a filmes clássicos, como os do ator e diretor britânico Charles Chaplin (1889-1977) e do estadunidense D.W. Griffith (1875-1948). Conhece o imigrante italiano Pedro Comello, com quem inicia um dos mais importantes períodos de produção de filmes do cinema mudo no Brasil, o Ciclo de Cataguases.
Inicia a carreira cinematográfica como ator e produtor, antes de assumir a direção de filmes de ficção, como Thesouro perdido (1927), premiado como filme brasileiro daquele ano pela revista Cinearte, e Braza dormida (1928).
O periódico Cinearte destaca a narrativa ágil e a qualidade das imagens captadas pelo diretor, além do interesse pelos costumes e pela paisagem. Thesouro pPerdido apresenta o conflito convencional entre mocinho e bandido, mas revela a capacidade de o diretor transpor obstáculos técnicos com recursos escassos e improvisar com atores amadores. Braza dormida avança no apuro técnico e na complexidade narrativa ao incorporar o modelo do cinema estadunidense. Ao narrar o romance entre o funcionário de uma usina de cana-de-açúcar e a filha do patrão, a câmera de Humberto Mauro capta a paisagem na qual os personagens estão imersos. Sheila Schvarzman1 percebe o uso simbólico do espaço na narrativa, como a natureza “paradisíaca, não produtiva”, enquanto as cenas da usina são associadas ao trabalho e à modernidade.
A convite do produtor Adhemar Gonzaga (1901-1978), o diretor se muda para o Rio de Janeiro e dirige a primeira produção dos estúdios Cinédia, o drama romântico Lábios sem beijos (1930). No mesmo ano, inicia a produção de seu primeiro filme sonoro, o longa Ganga bruta (1933), considerado sua obra-prima. Trata-se de outro roteiro que explora o universo de uma usina canavieira no interior, mas com amadurecimento estilístico. É exemplar o caráter sintético da trama nos momentos iniciais. Casamento, assassinato, julgamento, absolvição e deslocamento para o interior ocupam não mais do que seis minutos. Depois disso, o espectador é projetado no drama do protagonista2.
Glauber Rocha (1939-1981) define esses momentos iniciais do filme como expressionistas, em contraste com a continuidade realista, em que a posição da câmera reflete a humanidade dos personagens. O diretor considera Humberto Mauro como precursor do Cinema Novo, pela realização de filmes realistas, autorais e genuinamente brasileiros3.
Após a experiência nos estúdios do Rio de Janeiro, Humberto Mauro passa a fazer filmes educativos para o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince). São títulos documentais com teor nacionalista e científico, de acordo com as diretrizes culturais do primeiro governo de Getúlio Vargas (1883-1954). O título de mais destaque na época, entretanto, é o longa de ficção O descobrimento do Brasil (1937), superprodução que retrata a chegada dos colonizadores portugueses, com trilha sonora de Heitor Villa Lobos (1887-1959) e encenação baseada em documentos escritos e iconográficos, como o caderno de Pero Vaz de Caminha (1451-1500) e a tela A primeira missa, de Victor Meirelles (1832-1903).
Ao transformar em imagem a carta de Caminha, a câmera se apresenta do ponto de vista do escrivão. Há poucos diálogos e muitos planos em que os personagens históricos estão de costas. Chama a atenção a perspectiva idealizada do chamado descobrimento, pela figura heroica dos portugueses e pela postura pacífica e cordial dos indígenas.
Nas décadas seguintes, o cinema de Humberto Mauro se volta para o lirismo, a natureza e a cultura campestre, acompanhados pela música brasileira. Na série Brasilianas (1945), documentários que ilustram canções populares, os versos conduzem as imagens, como em A velha a fiar (1964). Nesse curta com roteiro construído a partir da canção popular homônima, permanece o tema do campo. Segundo Schvarzman, o filme procura refletir o próprio cinema e, sobretudo, a montagem. Na estrutura repetitiva da música e no aumento consecutivo do ritmo para pontuar as imagens e os cortes, o diretor parece apresentar os dispositivos com os quais realiza seus filmes.
Em 1969, recebe o prêmio Coruja de Ouro pela contribuição ao cinema brasileiro. Cinco anos depois, lança sua última obra: Carros de bois (1974), filmado na cidade mineira de Volta Grande, terra natal do diretor.
Falece em 1983 e recebe homenagem no Festival de Cannes. Em 2018, seu sobrinho-neto André Di Mauro (1964) lança Humberto Mauro, um tributo documental ao diretor.
A carreira de 50 anos de Humberto Mauro apresenta fases distintas, mas todas são marcadas pelo caráter realista, seja em documentários, seja em filmes de ficção. A câmera do pioneiro diretor do Cinema Novo sempre se dirigiu para a realidade, dos primeiros filmes de ficção do Ciclo de Cataguases4 ao último documentário filmado em Volta Grande.
Notas
1. SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. 2000. 472 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. p. 37.
2. Idem, p. 40.
3. ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. 2.ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 47.
4. O Ciclo de Cataguases, inaugurado por Humberto Mauro e Pedro Comello, é um período de intensa produção cinematográfica brasileira iniciada na década de 1920 na cidade mineira de Cataguases.
Obras 3
Exposições 5
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26/10/2001 - 14/1/2000
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18/10/2002 - 6/1/2001
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30/11/2003 - 2/3/2002
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6/2016 - 10/2016
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2/9/2017 - 22/1/2016
Como citar
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HUMBERTO Mauro.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa13694/humberto-mauro. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7