Luiz Peixoto
Texto
Luiz Carlos Peixoto de Castro (Niterói, Rio de Janeiro, 1889 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1973). Caricaturista, revistógrafo1, compositor, diretor teatral, cenógrafo, figurinista, pintor, escultor, poeta. Filho do empresário Luiz Peixoto de Castro e da pianista e cantora Lucinda Miguez de Castro. Na adolescência, publica na Revista da Semana suas primeiras charges. No ano seguinte, tem seus desenhos divulgados na revista O Malho. Colabora em periódicos cariocas, como O Papagaio, A Avenida, Fon-Fon e Revista da Semana. As caricaturas em parceria com Raul Pederneiras (1874-1953) são assinadas com o pseudônimo Raiz (Raul e Luiz). Funda jornais humorísticos, como Hora H (1911), Última Hora (1912) e Sete Horas (1914) e a revista Zum-Zum (1918). É desenhista e redator no Jornal do Brasil (1906-1919) e, como escultor, participa no Salão dos Humorísticos de 1911.
Estreia como autor teatral em 1911, na revista Seiscentos e Seis, escrita em parceria com Carlos Bittencourt. A dupla obtém sucesso com a burleta Forrobodó, musicada por Chiquinha Gonzaga (1847-1935), um clássico do teatro musicado. Em 1917, participa da fundação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat), que dirige por vários mandatos.
Viaja à Europa em 1920, como cenógrafo do Théâtre de l’Oeuvre de Paris. De volta ao Rio, sua comédia Esquecer, em parceria com Tobias Moscoso e Hebert de Mendonça, recebe o Prêmio de Teatro da Academia de Letras. Entre 1922 e 1925, trabalha como diretor artístico, figurinista e cenógrafo da Companhia do Teatro São José, atualizando o teatro de revista brasileiro com técnicas e ideias trazidas da França. Em 1927, participa do Teatro de Brinquedo, movimento idealizado pelo poeta e jornalista Álvaro Moreira (1888-1964) que procura levar o teatro de vanguarda à plateia carioca. Dirige várias companhias teatrais do Rio de Janeiro, como a Tangará (1926), no Cine-Teatro Glória; a Antônio Neves (1930), no Teatro Recreio e a Comédias Musicadas do Teatro Trianon (1931). Em 1934, sob o pseudônimo GIP, publica suas caricaturas no jornal A Nação. No ano seguinte, escreve poemas humorísticos no periódico O Malho. Ainda na década de 1930, dirige o Cassino da Urca e atua como diretor na Rádio Clube do Brasil (1932) e na Rádio Kosmos (1935).
Nas décadas de 1940 e 1950, trabalha na Companhia de Revistas Walter Pinto e escreve monólogos de sucesso na interpretação de Procópio Ferreira (1898-1979), Margarida Lopes de Almeida e Bertha Singerman (1901 - 1998). Nos anos 1950 e 1960, dirige a Escola de Teatro Martins Pena.
Em 1963, o Estado da Guanabara homenageia-o por serviços prestados ao teatro brasileiro. No ano seguinte, publica poesias num livro elogiado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e pelo pintor Di Cavalcanti (1987-1976). Volta a pintar em 1967, em virtude de um acidente que lhe reduz a mobilidade. As telas produzidas durante o repouso forçado são expostas em vernissage organizada pela escola Martins Pena, em 1968. Quando falece, deixa inacabado um livro de memórias intitulado Se Não me Falha a Memória. Em seu enterro, o ator Labanca (1913-1988) afirma que “Peixoto era uma antologia carioca de 50 anos de teatro, jornalismo, humorismo, música e artes plásticas”2.
Análise
Luiz Peixoto transita por diferentes áreas da produção cultural brasileira da primeira metade do século XX: teatro popular, poesia, música e artes plásticas. Desenha capas de livros, cria decorações carnavalescas e atua como designer de móveis, vidros e até de um carro. Essa versatilidade aparece nos empreendimentos de que participa ao longo da vida. Paralelamente à carreira artística, é proprietário de uma fábrica de vidros, representante dos perfumes Babani e dos bombons Mme Sévigné, sócio de um estabelecimento de arte e antiguidades e funcionário público.
Integra uma geração de caricaturistas cariocas, da qual participam Raul Pederneiras (1874 - 1953), J. Carlos (1884-1950), K. Lixto (1887-1957) e Storni (1881-1966). Com mensagens diretas, em que texto e imagem se complementam ou se contradizem, as charges criticam os costumes cariocas e a vida política brasileira. Nem sempre são bem recebidas pelo público, como é o caso da caricatura publicada no Jornal do Brasil em 1912. Depois de assumir a pasta do Ministério do Exterior no lugar do Barão do Rio Branco (1845-1912), recém-falecido, o franzino Lauro Müller (1863-1926) é retratado vestindo a farda do antecessor, sob a legenda: “O defunto era maior”.
A verve cômica de Peixoto ganha o grande público com o teatro, em peças de longa permanência em cartaz. É responsável pela direção, figurino e cenografia de várias montagens. Paradigmática, a burleta Forrobodó é a primeira a ser protagonizada por membros da população negra dos bairros pobres do Rio de Janeiro. A peça coloca nos palcos o sotaque e as gírias cariocas, numa época em que a pronúncia lusitana é predominante.
Sua obra teatral pode ser dividida em duas fases. Na primeira, entre 1911 e 1919, escreve burletas, a maioria em parceria com Carlos Bittencourt, como a já citada Forrobodó (1912), Dança de Velho (1916), Morro da Favela (1916), Três Pancadas (1917) e Flor do Catumbi (1918). A partir de 1920, volta-se para a revista, influenciado pelo modelo francês. Considerado um dos responsáveis pela modernização do gênero no Brasil, introduz em suas peças girls seminuas, figurinos feéricos e cenários suntuosos. Com Marques Porto (1870-1910), forma uma das duplas de revistógrafos mais famosas dos anos 1920. As revistas fazem sátiras, abusando dos chistes e do duplo sentido. É o caso de Prestes a Chegar (1926), que faz referência ao presidenciável Julio Prestes (1882-1946), então deputado federal e responsável pela política econômica do governo. Também alude a outro Prestes, o Luis Carlos (1898-1990), cuja marcha iniciada em 1924 estava “prestes a chegar” à capital. Uma das canções mais aplaudidas da peça, “Paulista de Macaé”, musicada por Pedro de Sá Pereira (1892-?), satiriza a figura do presidente Washington Luís (1869-1957). Outro recurso é a paródia. Banco do Brasil (1929) satiriza a entrada em circulação do cruzeiro e inicia-se com um arremedo de Castro Alves (1847-1871) ao poema de Gonçalves Dias (1823-1864):
Minha terra é um paraíso
Que Deus fez pra se gozá,
O que nos falta é juízo,
O resto tudo dá lá.
A peça é responsável pelo lançamento de dois sambas de sucesso: “Meu senhor do Bonfim”, em parceria com Marques Porto e música de Pedro de Sá Pereira, e “Juramento”, com música de Ary Barroso (1903-1964) e Marques Porto. No ano seguinte, a revista Vai Dar o que Falar marca a estreia de Carmen Miranda (1909-1955), anunciando “efeitos de luz como só se vê nas revistas de Paris, Nova Iorque e Londres”3. Entre outras peças da “feliz parceria”, destacam-se Secos e Molhados (1924), Comidas, Meu Santo! (1925), Cangote Cheiroso (1927), Miss Brasil (1928), Pátria Amada (1929), Guerra ao Mosquito (1929), Pau-Brasil (1930) e Dá Nela! (1930).
Durante o Governo Vargas, as revistas de Peixoto retratam o presidente como político esperto que passa a perna em seus adversários, numa espécie de “sátira a favor”. Dessa época, datam suas parcerias com Geysa Bôscoli (1907-1978), Freire Junior (1881-1956), Ary Barroso, entre outros.
Como letrista, Peixoto destaca-se pelas canções que compõe para o teatro. Uma das mais conhecidas é “Linda Flor”, com música de Henrique Vogeler (1888-1944), lançada na revista Miss Brasil e considerada o primeiro samba-canção de sucesso. Tem letra de Cândido Costa: “Linda flor, tu não sabes, talvez, quanto é puro o amor que me inspiras. Não crês, nem sobre mim teu olhar, veio um dia pousar”. Rebuscada, com verbos em segunda pessoa e versos que não se encaixam nas frases melódicas, é gravada, sem sucesso, por Vicente Celestino (1894-1968). Em seguida, Francisco Alves (1898-1952) regrava-a com letra Freire Junior. O sucesso só vem com a letra de Luiz Peixoto, em parceria com Marques Porto, escrita a pedido de Aracy Cortes (1904-1985), que a lança em 1929: “Ai Ioiô, eu nasci pra sofrer. Fui oiá pra você, meus óinho fechô”. Mesmo com o caráter sentimental e declaratório da versão anterior, Peixoto subverte a canção com seus versos espontâneos, que recuperam o linguajar das camadas populares. A habilidade para criar letras compatíveis com o espírito das melodias revela-se também em “Maria”, samba de Ary Barroso (“Maria, o teu nome principia/Na palma da minha mão”). Originalmente intitulada “Bahia”, e com outra letra, a canção é recriada por Peixoto para a revista Me Deixa Ioiô (1932), com Freire Junior. O sucesso vem na gravação de Silvio Caldas (1908-1998), em 1932.
Peixoto compõe ainda para disco e rádio. Entre seus parceiros, destaca-se Heckel Tavares (1896-1969), com quem compõe canções bucólicas a exemplo de “Suçuarana”, “Azulão” e “Casa de Caboclo”, baseada em motivos de Chiquinha Gonzaga. A última canção torna-se um clássico e propaga o ditado “Numa casa de caboclo um é pouco, Dois é bom, três é demais". Também tem parcerias com Almirante (1908-1980), José Maria de Abreu (1911-1966), Custódio Mesquita (1910-1945) e Radamés Gnattali (1906-1988) .
Notas
1. Autor de teatro de revista, gênero popular a partir do final do século XIX. O teatro de revista caracteriza-se pela difusão e crítica de modos e costumes, por meio de falas irônicas e de duplo sentido, canções “apimentadas” e hinos picarescos. A música é marcante por abranger vários gêneros cômicos e tornar eficiente a transmissão da mensagem.
2. JORNAL do Brasil. L. Peixoto foi enterrado no S. J. Batista. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 nov. 1973. p. 20.
3. EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas da MPB. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 2007. v. 1. p. 61.
Espetáculos 45
Exposições 1
-
8/1919 - 9/1919
Fontes de pesquisa 9
- 150 anos de pintura no Brasil: 1820-1970. Rio de Janeiro: Colorama, 1989. R703.0981 P818d
- ABREU, Brício de. Esses populares tão desconhecidos. Rio de Janeiro: E. Raposo Carneiro, 1963.
- EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas da MPB. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 2 v.
- ENIO, Lysyas; VIEIRA, Luis Fernando. Luiz Peixoto pelo buraco da fechadura. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2002.
- Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. Organização Marcos Antônio Marcondes. São Paulo: Art Editora, 1977.
- JORNAL do Brasil. L. Peixoto foi enterrado no S. J. Batista. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 nov. 1973. p. 20.
- MARIZ, Vasco. O talento multifacetado de Luís (sic) Peixoto. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 04 fev.1989. Caderno Cultura, p. 6-7.
- PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Viva o Rebolado: vida e morte do teatro de revista brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
- SILVA, Daniel Marques da. “Precisa arte e engenho até...” : um estudo sobre a composição do personagem-tipo através das burletas de Luiz Peixoto. Rio de Janeiro, Dissertação (Mestrado em Teatro) – Centro de Letras e Artes da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio), Rio de Janeiro,1998.
Como citar
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LUIZ Peixoto.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12568/luiz-peixoto. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7