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Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

Cia. Livre

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 22.05.2024
2000 Brasil / São Paulo / São Paulo
O evento Estudo Público das Tragédias Cariocas de Nelson Rodrigues, coordenado pela diretora Cibele Forjaz (1966), é o embrião da Cia. Livre, fundada em 2000. Nos três últimos meses de 1999, a obra do autor de Vestido de Noiva é abordada em encontros dos quais participam o escritor Ruy Castro (1948), a atriz Sônia Oiticica (1918-2007), o cineast...

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Histórico
O evento Estudo Público das Tragédias Cariocas de Nelson Rodrigues, coordenado pela diretora Cibele Forjaz (1966), é o embrião da Cia. Livre, fundada em 2000. Nos três últimos meses de 1999, a obra do autor de Vestido de Noiva é abordada em encontros dos quais participam o escritor Ruy Castro (1948), a atriz Sônia Oiticica (1918-2007), o cineasta Arnaldo Jabor (1940) e o crítico Sábato Magaldi (1927-2016). Além de depoimentos, palestras e debates, sete peças ganham leitura cênica sob a batuta de diretores como José Celso Martinez Corrêa (1937), do Teatro Oficina, e Marco Antonio Braz (1966), do Círculo dos Comediantes.1

Fruto dessa experiência de instauração de um “território cultural” – espaço de trânsito, formação e criação para artistas e espectadores –, nasce a Cia. Livre. Cibele Forjaz, a cenógrafa e figurinista Simone Mina, a iluminadora Alessandra Domingues (1976) e os atores/diretores Vadim Nikitin (1972), Gustavo Machado e Edgar Castro, este um dos fundadores da Companhia do Latão, estão entre os integrantes da primeira formação. Organizam-se não em torno de um encenador ou sede, mas a partir do mote “pessoas valem mais do que coisas”. A identidade da Cia. Livre é definida desde o início pelo modo de atuação que une pedagogia e criação em processos abertos ao público, prática mantida ao longo de toda a sua trajetória. 

Esses artistas integram o projeto de residência da Oficina Cultural Oswald de Andrade, em janeiro de 2000. Ali agregam dezenas de estagiários na preparação de duas montagens: Toda Nudez Será Castigada, dirigida por Cibele Forjaz, em julho de 2000, e Os Sete Gatinhos, com direção de Vadim Nikitin, em novembro do mesmo ano.

No processo de criação são mantidas as fronteiras entre funções e se elimina a divisão entre “executores” e “criadores”; todos contribuem para a concepção. Em Toda Nudez, não há tablados separando espectadores e atores: todos dividem o mesmo plano baixo, acomodados em um espaço circular no qual se abrem nichos em diferentes pontos que acomodam alguns poucos elementos cenográficos. No centro dessa espécie de mandala está um gravador pelo qual se ouve a voz de Geni informando seu suicídio, elemento que abre e fecha a narrativa circular. Tal estrutura cenográfica elimina espaços privilegiados assim como mudanças de cenários e tempos mortos, ampliando o dinamismo das cenas e valorizando o ritmo ágil dos diálogos rodriguianos. Esse dispositivo cênico reflete ainda a concepção conceitual dessa montagem que coloca em equilíbrio as forças em embate na peça – repressão e explosão da libido2 – imprimindo potência ao personagem do casto Herculano, interpretado por Hélio Cícero (1955), sem diluir a força vital da prostituta Geni, vivida por Leona Cavalli (1970), que ganha o Prêmio Shell 2000 de atriz. 

A configuração não convencional do espaço cênico também é destaque de Os Sete Gatinhos, que estreia no Teatro Oficina e faz nova temporada ocupando o vão da escada do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Em fevereiro de 2001, estreia Pagarás com Tua Alma, melodrama circense dirigido por Gustavo Machado. A livre circulação interna se concretiza nessa primeira fase: os diretores Machado e Nikitin integram o elenco de Toda Nudez assim como Cibele Forjaz interpreta Arlete em Os Sete Gatinhos e Edgar Castro atua nas três montagens.

Em maio de 2001, a Cia. Livre promove o ciclo de leituras Tennessee Williams 4 x 4, oferece oficinas de interpretação, direção, iluminação e direção de arte e, como conclusão do processo,  estreia em março de 2002 Um Bonde Chamado Desejo, com direção de Cibele Forjaz. Chama atenção o uso significativo da cenografia “vazada” – fios elásticos simulam o contorno das paredes da casa que vai abrigar a personagem Blanche DuBois, interpretada por Leona Cavalli. Tal cenografia, que deixa paredes transparentes para a observação da intimidade familiar, elemento caro à estética realista, é literalmente embaralhada numa cena em que a atriz/personagem puxa e contorce os fios que desenham as paredes, uma formalização das diferentes visões da realidade que se chocam na trama.

Nessa primeira fase o grupo investe em autores consagrados e interpretação realista. A partir da ocupação do histórico Teatro de Arena, em 2004, sua linguagem se abre para o jogo épico. No Arena, a companhia instaura um sistema de ingresso original – pague quanto puder – e realiza quatro projetos. O primeiro, Arena Mostra Novos Dramaturgos, promove 30 leituras dramáticas, oito shows musicais e faz circular pelo espaço dezenas de autores, entre eles Gero Camilo (1970), Mário Bortolotto (1962) e Rogério Toscano, no primeiro trimestre de 2004. Em seguida estreiam 12 espetáculos no Arena Porto Aberto, oito inéditos, entre eles A Cicatriz e a Flor, de Newton Moreno (1968). O terceiro projeto, de maior envergadura, Arena Conta Arena 50 Anos, coordenado por Isabel Teixeira, convoca artistas e intelectuais para extenso levantamento de memória do Arena, entre eles o dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), os diretores José Renato (1926-2011) e Augusto Boal (1931-2009), os atores Paulo José (1937) e Milton Gonçalves (1934), os ensaístas Maria Thereza Vargas (1929), Fernando Peixoto (1937-2012) e Maria Silvia Betti. No quarto projeto, o evento se desdobra em exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, na gravação de um CD-ROM e no site Arena Conta Arena 50 Anos. 

Estreia, em setembro de 2004, Arena Conta Danton, releitura da peça A Morte de Danton, do alemão Georg Büchner (1813-1837), com direção de Cibele Forjaz e dramaturgia de Fernando Bonassi (1962), que atualiza os questionamentos do jovem autor sobre o ideal revolucionário herdado da geração precedente. Inspirada no sistema coringa – revezamento de atores estabelecido por Augusto Boal no Arena –, a Cia. Livre cria um jogo cênico que instaura o acaso na estrutura da montagem por meio de uma roleta que, ao ser girada, possibilita troca de papéis. Cria-se assim um dispositivo lúdico e conceitual, que ressalta maniqueísmos ao estabelecer o revezamento, ao sabor da sorte, entre dois grupos de atores/personagens: revolucionários e contrarrevolucionários, os que matam e os que morrem. Essa demarcação conceitual ganha forma no cromatismo binário que toma desde os figurinos, passando por elementos de cena como a roleta, até o linóleo que cobre o palco, divididos em pretos ou brancos. 

Com apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, em 2006, a Cia. Livre conquista sede própria e inicia estudo público sobre os Mitos de Morte e Renascimento na Cultura Brasileira. Em março de 2007 estreia VemVai – O Caminho dos Mortos, apropriação antropofágica de ritos fúnebres de povos ameríndios3 que tem dramaturgia de Newton Moreno e conquista dois Prêmios Shell – direção (Cibele Forjaz) e atriz (Lúcia Romano). Nessa montagem reaparece o procedimento de abertura à participação do público. Se em Danton o espectador escolhia quem mandar para a guilhotina, em VemVai realiza rito de despedida de um ente querido. Essa abertura ao épico na forma de um “jogo” que envolve o público passa a ser um dos aspectos definidores da identidade desse coletivo.

VemVai rende a publicação do Caderno Livre Noz, importante registro de processo de criação, e propicia a integração ao grupo do antropólogo Pedro Cesarino, da fonoaudióloga Lucia Gayotto e da atriz Lúcia Romano, todos com ampla formação acadêmica, o que adensa a prática de pesquisa documental. Em 2009 estreia, na Casa Livre, Raptada pelo Raio – Poema Cênico de Amor e Morte, mais um desdobramento do estudo de mitologias ameríndias. Com dramaturgia de Pedro Cesarino e direção de Cibele Forjaz, recria sensorialmente – deitado em rede, o espectador é estimulado por cheiros, toques e sonoridades – uma trajetória mítica ao mundo dos mortos.

Em 2010 a Cia. Livre ocupa o Teatro da Universidade de São Paulo (Tusp) com uma programação na qual revisita sua história por meio de remontagens de espetáculos e debates sobre os processos de criação dos quais participam pesquisadores, como Cecilia Almeida Salles. Em sua sede, inicia-se nova etapa de estudos públicos sobre a imbricação cultural entre África e Brasil.

Notas
1 Cia. Livre Dez Anos – informações contidas em cópia de projeto elaborado pelo grupo, com vasta documentação anexada, para o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, por meio do qual a Cia. Livre solicita apoio para a Mostra de Repertório, um balanço/celebração do aniversário de dez anos de fundação  a ser realizado em 2010.
2 LIMA, Mariangela Alves de. Toda Nudez ganha ordem e delicadeza. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 ago. 2000.
3 O grupo estuda noções de cosmologia, cosmografia e escatologia de diferentes povos indígenas da América da Sul, entre eles os marubos, jivaros, calapalos, com a orientação do antropólogo professor-doutor Pedro de Niemeyer Cesarino, pesquisador do Museu Nacional/UFRJ. Informação contida no programa do espetáculo.

Espetáculos 6

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Fontes de pesquisa 2

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  • Cia. Livre Dez Anos - cópia de projeto.
  • LIMA, Mariangela Alves de. Toda Nudez ganha ordem e delicadeza. O Estado de S. Paulo, 25 ago. 2000.

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