Tropicália
Texto
Definição
O termo Tropicália nasce como nome da obra de Hélio Oiticica (1937 - 1980) exposta na mostra Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), em abril de 1967. A obra pode ser descrita como um ambiente labiríntico composto de dois Penetráveis, PN2 (1966) - Pureza É um Mito, e PN3 (1966-1967) - Imagético, associados a plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas de Parangolé e um aparelho de televisão. Como descreve o artista: "o ambiente criado era obviamente tropical, como num fundo de chácara e, o mais importante, havia a sensação de que se estaria de novo pisando na terra. Esta sensação sentira eu anteriormente ao caminhar pelos morros, pela favela, e mesmo o percurso de entrar, sair, dobrar pelas 'quebradas' de tropicália, lembra muito as caminhadas pelo morro". As imagens tropicais - donde o título - são evidentes: areia, araras, plantas. A obviedade, intencionalmente inscrita no trabalho, se associa à idéia de participação pelo processo de penetrá-lo. Um ambiente que "ruidosamente apresenta imagens", segundo o seu criador, que invade os sentidos (visão, tato, audição, olfato), convidando ao jogo e à brincadeira. O uso de signos e imagens convencionalmente associados ao Brasil não tem como objetivo figurar uma dada realidade nacional - tarefa que mobilizou parte de nossa tradição artística -, mas, nos termos do artista, objetivar uma imagem brasileira pela "devoração" dos símbolos da cultura brasileira. A idéia da "devoração", nada casual, remete diretamente à retomada da antropofagia e ao modernismo em sua vertente oswaldiana, da qual se beneficia a obra de Hélio Oiticica.
O projeto e a concepção de Tropicália devem ser compreendidos no interior da produção do artista nos anos 1960, quando suas obras se voltam preferencialmente para as pesquisas sensoriais. Os Bólides e Parangolés, realizados em 1963-1964, são emblemáticos dessa orientação dos trabalhos e preparam a passagem para a "antiarte ambiental" que tem lugar no fim da década de 1960, com Tropicália, Apocalipopótese (1968) e Éden (1969). Nos Bólides - "transobjetos" - as estruturas, caixas, vidros, plásticos etc. contêm materiais coloridos, que podem ser olhados de dentro e de fora. Nos Parangolés, as cores libertam-se dos recipientes e passam a envolver o corpo, como capas e/ou abrigos: "com Parangolé, descobri estruturas 'comportamento-corpo': tudo para mim passou a girar em torno do corpo que dança". O corpo aí não é pensado como mero suporte, mas como parte integral da obra. Com os Parangolés, Hélio Oiticica dá o passo decisivo que leva a arte à vida e ao ambiente. É nesse momento que descobre o samba, a Mangueira (escola da qual se torna passista) e a arquitetura particular das favelas a que Tropicália faz referência. A "antiarte ambiental" inaugurada aí aparece sistematizada teoricamente no texto escrito pelo artista, Nova Objetividade Brasileira, que dialoga tanto com os postulados das vanguardas brasileiras, quanto com referências variadas da arte internacional, como a arte povera, a arte conceitual, as propostas dadaístas e construtivistas.
O programa ambiental de Oiticica leva ao limite a idéia de participação do espectador - já posta desde seus Núcleos e Penetráveis, de 1960 e 1963 -, assim como o projeto de aproximar a arte das coisas do mundo, borrando as fronteiras entre arte/antiarte. "Pretendo estender o princípio de apropriação", diz ele, "às coisas do mundo com que me deparo nas ruas, nos terrenos baldios, nos campos, no mundo ambiente, enfim - coisas que não seriam transportáveis, mas para as quais eu chamaria o público à participação - seria isso um golpe fatal ao conceito de museu, galeria de arte etc. e ao próprio conceito de 'exposição' - ou nós o modificamos ou continuamos na mesma. Museu é o mundo, é a experiência cotidiana". A crítica ao sistema de arte, e às concepções de arte nele inscritas, traz consigo uma postura ético-política, explicitada nos textos do artista e emblematicamente representada pelo Bólide - caixa 18 (1966) - Homenagem a Cara de Cavalo, bandido procurado pela polícia e amigo de Oiticica. A adesão do artista a todo tipo de manifestação de crítica e inconformismo social se revela com todas as letras por ocasião da primeira apresentação pública dos Parangolés na mostra Opinião 65, no MAM/RJ. Devido à proibição da entrada no museu de seus amigos da Mangueira, o artista realiza uma manifestação pública em frente do prédio, com todos vestidos com Parangolés.
A Tropicália - seu projeto e realização - encontra eco em outras manifestações artísticas do período: no cinema, com Glauber Rocha (1939-1981), no teatro do Grupo Oficina, na nova música popular criada pelo grupo reunido em torno de Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942). Não por acaso a obra vai batizar o álbum musical dos baianos de 1968, nomeando em seguida um movimento cultural mais amplo, o tropicalismo. Guardadas as diferenças existentes entre as diversas artes e a variada produção abrigada sob o rótulo, as produções tropicalistas compartilham o experimentalismo característico das vanguardas com o tom de crítica social. Em todas elas, a mesma tentativa de superar as dicotomias arte/vida, arte/antiarte.
Fontes de pesquisa 3
- DUARTE, Paulo Sérgio. Hélio Oiticica: a Tropicália além da forma. In: DUARTE, Paulo Sérgio; NAVES, Santuza Cambraia (orgs.). Do samba-canção à Tropicália. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Faperj, 2003.
- FAVARETTO, Celso. A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. 234 p. (Texto & arte, 6).
- FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. 3.ed. São Paulo: Ateliê, 2000.
Como citar
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TROPICÁLIA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo3741/tropicalia. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7