Mano Brown
Texto
Pedro Paulo Soares (São Paulo, São Paulo, 1970). Cantor, compositor. Líder do grupo Racionais MC’s, é um dos artistas mais importantes do rap brasileiro. Suas letras registram a linguagem do jovem morador da periferia.
Em suas canções, retrata situações cotidianas e se coloca, muitas vezes, no papel dos personagens marginalizados que nelas se fazem presentes. “Homem na estrada” retrata a dificuldade de um ex-presidiário para retomar uma vida social digna. “Diário de um detento” narra, em primeira pessoa, os acontecimentos do massacre do Carandiru, que resultou na morte de 111 presos, em 1992, sob a ótica do detento Jocenir Prado, coautor da música. “Artigo 157” é o relato do dia a dia de um assaltante.
Mano Brown, como é conhecido, cresce na zona sul de São Paulo, na região periférica dos bairros Capão Redondo e Parque Santo Antônio. Filho de mãe negra e pai branco, é criado pela mãe, Ana Pereira Soares. Aos 16 anos, ganha o apelido Brown nas rodas de samba, em que toca repique de mão e faz batidas inspiradas no funk estadunidense, o que inspira comparações com o músico James Brown (1933-2006). Aos 17, escreve a primeira letra, “Terror da vizinhança”, que não é gravada. Logo, forma sua primeira dupla, BB Boys, com Ice Blue (1969). Inspirado pelas críticas sociais de Thaíde (1967) e outros compositores que frequentam a estação São Bento do metrô, ponto de encontro de jovens que se reúnem para dançar e fazer rap nos anos 1980 e 1990, Brown inicia a transição para um discurso mais engajado. Conhece Edi Rock (1969) e KL Jay (1969) no fim dos anos 1980 e, junto com Ice Blue, os quatro formam o Racionais MC’s
Seu estilo de compor, inicialmente, apresenta uma mensagem direta, com poucos versos, como no rap “Pânico na Zona Sul”, e influências do discurso do líder negro norte-americano Malcolm X (1925-1965), citado em “Voz ativa”: “Precisamos de um líder de crédito popular / Como Malcolm X em outros tempos foi na América / Que seja negro até os ossos, um dos nossos / E reconstrua nosso orgulho que foi feito em destroços”.
A partir do álbum Raio X Brasil (1993), escreve letras mais longas e propõe que o ouvinte tire suas conclusões sobre seus significados. No disco Sobrevivendo no inferno (1997), em músicas como “Tô ouvindo alguém me chamar”, narra experiências em primeira pessoa com letras ainda mais longas. No álbum seguinte, Nada como um dia após o outro dia (2002), traz reflexões novas sobre o sucesso artístico e a aparência física. A escrita detalhada, a presença de um narrador e a sequência cronológica fazem com que algumas composições sejam comparadas com as narrativas jornalística e cinematográfica. A fluência com que canta é reconhecida graças ao ritmo e harmonia, com divisões próprias e timbre de voz potente.
Seu discurso e postura mudam com o tempo. Nos primeiros anos de carreira, defende a escolha do Racionais MC’s de fazer shows apenas para o público pobre e não conceder entrevistas. A partir de 1999, abre exceções para revistas, jornais e programas de televisão. Na época, o grupo passa a se apresentar em redutos de classe média e alta. A gravação de “Umbabarauma”, promovida por uma marca de material esportivo, é justificada pelo cachê pago, além da oportunidade de gravar em parceria com seu ídolo Jorge Ben Jor (1942), autor da música.
Ben Jor é uma influência marcante na vida e obra de Mano Brown. Os nomes de seus filhos são em homenagem ao ídolo: Kaire Jorge e Domênica (Ben Jor tem uma música chamada “Domenica domingava num domingo, linda toda de branco”). Além disso, versos de Ben Jor são sampleados (extraídos e reeditados) no refrão de “Fim de semana no parque”. A música “Jorge da Capadócia” é regravada pelos Racionais em Sobrevivendo no inferno e Ben Jor participa da gravação do primeiro DVD do grupo, 1000 trutas, 1000 tretas (2007). Outras referências da sua obra são Benito di Paula (1941), Agepê (1942-1995), Roberto Ribeiro (1940-1996), Luiz Ayrão (1942) e Fundo de Quintal.
Em 2012, compõe “Mil faces de um homem leal” para um documentário, dirigido por Silvio Tendler (1950), sobre o guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969). Como produtor, participa dos discos Provérbios 13 (2000), do grupo 509-E, e Supernova Samba Funk (2011), da Banda Black Rio.
Mano Brown faz ecoar os dramas de quem vive a realidade da periferia de São Paulo. Violência, miséria e truculência policial estão entre os temas mais frequentes nas suas letras, discursos, entrevistas e outras manifestações públicas que costuma fazer de modo incisivo e sincero, sem meias palavras. Com sua trajetória como líder dos Racionais MC's, torna-se um dos principais rappers brasileiros, um artista que exerce forte influência em seu público.
Fontes de pesquisa 9
- CARAMANTE, André. Eminência Parda. Rolling Stone Brasil. São Paulo, n. 39, dez. 2009.
- CARAMANTE, André. Os Quatro pretos mais perigosos do Brasil. Rolling Stone Brasil, São paulo, n. 86, nov. 2013.
- GARCIA, Walter. Diário de um Detento: uma interpretação. In: NESTROVSKI, Arthur (Org.). Lendo Música - 10 Ensaios Sobre 10 Canções. São Paulo: Publifolha, 2007.
- GARCIA, Walter. Ouvindo Racionais MC’s. Teresa, revista de literatura brasileira, n.4/ 5, 2003.
- GARCIA, Walter. Sobre uma Cena de “Fim de Semana no Parque”, dos Racionais MC’s. Estudos Avançados, São Paulo, v. 25, jan./ abr. 2011.
- KALILI, Sérgio. Mano Brown é um Fenômeno. Caros Amigos, São Paulo, jan. 1998.
- KALILI, Sérgio. Uma Conversa com Mano Brown. Caros Amigos, São Paulo, 1998.
- MARIA, Júlio. Não Acredito em Líderes. Só Acredito em Pessoas. Jornal da Tarde, São Paulo, 6 nov. 2006.
- PROGRAMA ENSAIO. Racionais MC’s. TV Cultura. São Paulo, jan. 2003.
Como citar
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MANO Brown.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa530982/mano-brown. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7