Silas de Oliveira
Texto
Silas de Oliveira Assumpção (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1916 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1972). Cantor e compositor. Nasce em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, filho do professor e pastor José Mario de Assumpção, fundador do colégio no qual Oliveira ministra aulas de português após concluir o curso científico e o magistério.
Na adolescência frequenta rodas de samba e de jongo, comuns nos morros e subúrbios do Rio de Janeiro da década de 1930, sobretudo no morro da Serrinha. Ali conhece Aniceto do Império, Antônio Rufino, mestre Fuleiro e Mano Elói. Em 1938, torna-se amigo de Mano Décio da Viola, jornaleiro e compositor, frequentador da escola de samba Prazer da Serrinha. Passa a fazer parte do grêmio, tocando tamborim e compondo. A primeira parceria da dupla é Perdão Amor (1938), com os seguintes versos: “Não tens perdão, amor/ Não adianta chorar/ Tens que passar o martírio/ Para aprender a amar”, vendida por ambos, por 70 mil réis, para Miguel Baúza, que passa a assiná-la com Mano Décio.
Silas de Oliveira se alista nas Forças Armadas no final da década de 1930 e em 17 de agosto de 1942 é um dos soldados a bordo do Itagiba quando o navio é bombardeado por submarinos alemães. É um dos 83 sobreviventes do evento que ocasionaria, 12 dias depois, a entrada do Brasil na II Guerra Mundial. Em 1945, com o fim da guerra e de volta à Serrinha, é convidado por Mano Décio para apresentarem um samba-enredo sobre a Conferência de São Francisco, que resultaria na criação da ONU. O samba é vetado pelo presidente da escola, Seu Alfredo, no dia de desfile. Isso leva Silas, Mano Décio, mestre Fuleiro, Antenor, Molequinho, Comprido, Zé Luiz, Fumaça, Manula, Mano Elói, Aniceto, João Gradim e Daniel Perna a se retirar da escola e fundar o Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, em 1947. Na noite de 31 de dezembro desse ano a escola faz sua primeira aparição e, com um samba de Silas de Oliveira chamado Boa Noite, Praça Mauá (1947), é a campeã de uma festa patrocinada pelo jornal A Manhã, com a presença de 12 escolas.
Oliveira escreve em 1951, em parceria com Mano Décio, o samba-enredo em homenagem aos presidentes brasileiros Sessenta e Um Anos de República, que se torna campeão do Carnaval. Dois anos mais tarde, compõe o samba-enredo Último Baile da Corte Imperial e, em 1955, a Império Serrano volta a ser campeã com o samba Exaltação a Duque de Caxias, da dupla Silas de Oliveira e Mano Décio. Em 1957 e 1958, é responsável pelos sambas-enredos da escola, com Exaltação a Dom João VI e Exaltação a Bárbara Eleodora e, em 1960, é campeão novamente com Medalhões e Brasões. Em 1964, apresenta Aquarela Brasileira, samba de sucesso, que conta com diversas regravações, as mais conhecidas de Martinho da Vila (1938), em 1971, e Elza Soares (1937), em 1977. Em 1965, ao lado de Dona Ivone Lara (1922) e Bacalhau, compõe Cinco Bailes da História do Rio.
Análise da Trajetória
Silas de Oliveira é um compositor ligado ao samba e ao Carnaval. Fundador da escola de samba Império Serrano, é um dos responsáveis pela formatação do samba-enredo como um gênero, ao lado de Mano Décio da Viola. Criado no morro da Serrinha, frequenta, durante seus a juventude, ao lado de Aniceto do Império, as rodas de samba e de jongo, forjando aí sua opção em dedicar-se à música afro-brasileira e aos folguedos carnavalescos. É dos sambas feitos para a escola de samba da Serrinha que se torna possível diferenciar a música executada pelas escolas de samba durante o Carnaval dos demais gêneros. O samba-enredo torna-se uma música que tem como tema o enredo apresentado pela escola, devendo obrigatoriamente versar sobre ele.
Em 1947, o regulamento do concurso dos desfiles das escolas de samba diz que os enredos devem ser encenados com fatos, temas e motivos nacionais. Isso se deve ao Estado Novo, ditadura imposta por Getúlio Vargas, cujo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) estabelecia as diretrizes e discursos a serem tomados tanto na imprensa como na área cultura. Com isso, muitas escolas passam a desfilar com temas históricos, homenageando personagens ilustres e fatos marcantes do país. Assim, no samba-enredo - que se populariza durante as décadas de 1950 e 1960 -, o tom lírico, emocional ou jocoso, típico do Carnaval, é deixado de lado e as canções passam a entoar um canto narrativo, em alguns casos até épico, como em Sessenta e Um Anos de República (1951), regravada por Beth Carvalho (1946) e João Nogueira (1941-2000), em 1989. É este samba que dá a forma clássica de se compor um samba-enredo, conhecido como “samba-lençol” pelo fato de a letra ser extensa e ter de “cobrir”, ou seja, narrar todo o enredo apresentado pela escola na avenida. Sessenta e Um Anos de República, por exemplo, possui 43 versos.
Os sambas-enredos de Silas de Oliveira, além de longos, possuem melodias solenes, bem construídas, com a presença frequente de jogos rítmicos. Isso faz com que a sílaba tônica muitas vezes não coincida com o acento musical, o que potencializa sonoramente o efeito da sincopa, encaixando perfeitamente as letras que contém linguagem erudita e sofisticada. A criatividade de Silas como compositor se evidencia em suas melodias, mesmo tendo letras com rimas problemáticas e de difícil pronúncia, afastadas da linguagem oral e popular, típicas do samba. Silas utiliza expressões como “glória opulenta”, “eminente estadista”, e “vitória imponente e altaneira”, presentes em Sessenta e Um anos de República. Através da utilização de adjetivos como esses, produz um samba-enredo de exaltação nacional, com um tom muitas vezes laudatório e ufanista.
Apesar de ser menos conhecido fora do circuito das escolas de samba, inicia, em 1955, sua carreira como compositor de sambas. É o ano em que produz o samba Meu Drama [com Joaquim Ilarindo,1955)], mas que só se tornaria mais conhecido em 1978, na voz de Roberto Ribeiro (1940), como tema da novela da Rede Globo Pai Herói. A música, também conhecida como “Senhora Tentação”, é gravada por Elizeth Cardoso (1920-1970), em 1967, Zuzuca (1936), em 1972, Zé Catimba (1942), em 1976, Cartola (1908-1980), em 1976, Dudu Nobre, em 2002, Fabiana Cozza (1976), em 2004 e Neguinho da Beija Flor (1949), em 2005. Também compõe Rádio-Patrulha (1956), em parceria com Luizinho, J. Dias e Marcelino, gravada por Heleninha Costa (1924-2005) e por Jorge Veiga (1910) no mesmo ano e regravada por Joyce (1948), em 1975. Na década de 1960, durante a redescoberta e a utilização dos sambistas de morro em teatros e espetáculos musicais, como no show Opinião, de Nara Leão (1942-1989), Silas escreve Legado de Getúlio Vargas (1968) para a peça Doutor Getúlio, sua Vida e sua Glória, de Dias Gomes (1922-1999) e Ferreira Gullar (1930). Após o fim da encenação do espetáculo, a canção fica esquecida e só é registrada em 1977, por seu parceiro Walter Rosa, para a coleção de discos Nova História da Música Popular Brasileira, em volume dedicado a Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola (1909-1984), e também no disco O Grande Presidente (1989), de Beth Carvalho e João Nogueira.
Silas de Oliveira é o compositor com mais títulos no Carnaval do Rio de Janeiro: seus sambas-enredo são vencedores por 14 vezes. O auge de sua produção como compositor na escola da Serrinha foi entre 1964 e 1969. Neste período, a Império Serrano desfila somente com sambas da autoria de Silas, feitos em parceria ou solitariamente. Em 1964, desfila com um dos sambas-enredo mais conhecidos da história do Carnaval carioca: Aquarela Brasileira, dos versos: “(...) vejam esta maravilha de cenário/ é um episódio relicário/ que o artista num sonho genial/ escolheu para este Carnaval”. Trata-se de um samba de exaltação às regiões e estados brasileiros, que homenageia e dialoga com Aquarela do Brasil (1939), de Ary Barroso (1903-1964). Silas de Oliveira escreve sambas dos mais variados assuntos e temas e, no ano seguinte, com Cinco Bailes da História do Rio, mistura história com imaginação, em um desfile que recria a história dos bailes históricos de Carnaval ocorridos na cidade.
Em 1969, é o último ano em que a Império Serrano desfila com um samba de Silas de Oliveira, a saber, Heróis da Liberdade, que exalta a luta dos negros escravos para alcançar a sua liberdade. Este samba é prontamente identificado com outra luta, contra a ditadura militar, pois é neste ano que ocorre o primeiro desfile sob a imposição do Ato Institucional Número 5 (AI-5). O ato volta a instituir a censura prévia aos sambas-enredo, fazendo com que o referido samba tenha de substituir a palavra “revolução” por “evolução”, segundo ordem da censura. Nesse contexto, Silas de Oliveira, ao lado de seu parceiro mais constante, Mano Décio da Viola, faz algumas referências aos hinos da Independência e da Proclamação da República, a fim de reforçar a ideia de liberdade: “(...) já raiou a liberdade/ a liberdade já raiou/ essa brisa que a juventude afaga/ esta chama que o ódio não apaga/ pelo universo é a evolução/ em sua legítima razão”.
Além dos sambas-enredo, Silas de Oliveira é compositor de outros estilos. Faz parceria com Aluísio Silva (1910) e José Garcia em Me Leva, em 1960. A Carta, feita com Marcelino Ramos, é gravada pelos sambistas Moreira da Silva (1902-2000), em 1956, e Bezerra da Silva (1927-2005), em 1998. Com Antonio Santos compõe A Lei do Morro, gravada por Cristina Buarque (1950) e o Grupo Terreiro Grande, em 2007. Amor Aventureiro, em parceria com Mano Décio da Viola, tem gravação de Dona Ivone Lara, em 1974, Elza Soares, em 1977, e Roberto Ribeiro, em 1979. Também da parceria com Mano Décio, tem a canção Desprezado gravada por Dona Ivone Lara, em 1978, e Jorginho do Império, em 2012, e a composição Apoteose do Samba lançada por Jamelão, em 1957, e regravada por João Nogueira, em 1978, Paulinho da Viola (1942), em 1978, e Djavan (1949), em 2010.
Espetáculos 2
Fontes de pesquisa 5
- AQUINO, Luiz Sérgio Dias. O Samba-enredo visita a História do Brasil: o samba-enredo e os movimentos sociais. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2009.
- DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
- MUSSA, Alberto: SIMAS, Luiz Antonio. Sambas de enredo: história e arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
- SILAS DE OLIVEIRA; MANO DÉCIO DA VIOLA. In: Nova história da música popular brasileira. São Paulo: Abril Cultural, 1977.
- SILVA, Marília T. Barbosa: OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Silas de Oliveira, do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro: Funarte, 1981.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
SILAS de Oliveira.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa514558/silas-de-oliveira. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7