Riachão
Texto
Clementino Rodrigues (Salvador, Bahia, 1921 - idem, 2020). Compositor, cantor e ator. É um dos responsáveis pela consagração do samba na rádio soteropolitana a partir dos anos 1940. Um dos mais respeitados sambistas do país, tem suas composições interpretadas por vários expoentes da indústria fonográfica. Entre suas faixas mais conhecidas estão “Cada Macaco no Seu Galho” e “Vá Morar com o Diabo”. Apesar do enorme catálogo de músicas que escreve, grava apenas sete discos próprios.
Vindo de uma família numerosa do bairro Garcia, no centro de Salvador, logo cedo entra em contato com os ritmos da percussão, em especial os atabaques do candomblé frequentado por sua mãe e os pandeiros das rodas de capoeira que animam as gingas de seu pai. Aprende com a mãe e os seis irmãos músicas cantadas pelos avós escravizados. Muito jovem, começa a trabalhar em alfaiatarias e, ao mesmo tempo, interpreta canções de rádio em festas e em oficinas onde é aprendiz.
Por volta dos 15 anos, compõe sua primeira canção, revoltado com uma frase de um artigo de revista que diz que a música produzida no Rio de Janeiro é superior à da Bahia. Surge o samba sem título que tem entre os versos “Eu sei que sou malandro, sim / [...] Deixe o dia raiar”. Até o fim da vida, defende que o samba nasce entre as populações afrodescendentes do Recôncavo Baiano, embora os cariocas o valorizem mais.
Em 1943, já conhecido por um público amplo por causa de suas apresentações em festas populares de Salvador – como a Lavagem do Bonfim – e em rodas de bamba do Mercado Modelo, conquista o microfone da Rádio Sociedade da Bahia, que até pouco tempo antes veta sambas. Até então, o gênero musical, bastante associado às camadas pobres, marginalizadas e afrodescendentes da capital baiana, enfrenta preconceitos das elites, que buscam estigmatizá-lo, inclusive com repressão da polícia.
Na rádio, Riachão abre a programação matinal diariamente às 5 da manhã, interpretando canções sertanejas e sambas. Ao vivo, diante de um auditório cada vez mais cheio, passa a aparecer sem os antigos parceiros madrugadores das rodas – pouco interessados nos rigores da rotina do ambiente radiofônico. É nesse contexto que reinventa a si como artista e também o samba soteropolitano, que ganha contornos de comentários sociais e até políticos. Sempre de bom humor, recebe a alcunha de “cronista musical da cidade”.
Os sambistas então começam a ser vistos como autores individuais de faixas de música, numa lógica de mercado que diverge da natureza coletiva do samba em suas origens. É desse período um de seus sambas mais lembrados, “Umbigada da Baleia”, que explicita sua habilidade de musicar com irreverência crônicas de acontecimentos urbanos importantes para as classes populares. Os malandros, as baianas do acarajé, os capoeiristas e os assalariados pobres compõem os tipos presentes em suas letras, preocupadas com o reforço de certa baianidade.
O cantor Jackson do Pandeiro (1919-1982) é um dos primeiros com projeção nacional a gravar um de seus sambas, “Meu Patrão”, em 1957. A parceria volta em outras duas canções de um disco de 1962 do paraibano. Na década seguinte, os cantores Gilberto Gil (1942) e Caetano Veloso (1942) escolhem seu samba “Cada Macaco no Seu Galho” para celebrar o regresso da dupla do exílio em Londres. A letra divertida adquire tons de provocação naquele contexto de ditadura militar.
Em 2000, Caetano empresta a voz a outro samba de Riachão, “Vá Morar com o Diabo”, em dueto para um dos discos do próprio compositor, Humanenochum. A canção obtém grande difusão na releitura feita pela cantora Cássia Eller (1962-2001) em 2001 para um acústico da MTV. No mesmo ano, o sambista, além de protagonizar o documentário Samba Riachão, do diretor Jorge Alfredo, tem seu disco Humanenochum indicado ao prêmio Grammy Latino.
O compositor reitera ter escrito cerca de 500 músicas ao longo da vida. Boa parte delas, porém, perde-se num incêndio. Tal qual outros profissionais do samba no século XX, Riachão é preterido pelas principais gravadoras em detrimento de artistas brancos da música popular brasileira (MPB). Seu primeiro álbum, Umbigada da Baleia, vem à luz apenas na década de 1960. Seu último disco, Mundão de Ouro, sai em 2013. Ainda ativo aos 98 anos, planeja lançar o álbum de inéditas Se Deus Quiser Eu Vou Chegar aos 100, mas o projeto é interrompido com sua morte.
Dedica parte da vida à atuação em filmes como Os Pastores da Noite (1977), do cineasta francês Marcel Camus (1912-1982). Sua figura sempre carismática e sorridente, vestindo camisas coloridas, boina e terno branco, além de uma toalhinha ao pescoço e os dedos cheios de anéis, o tornam uma síntese ambulante do lado alegre do samba.
Uma das principais vozes da primeira geração de sambistas profissionais da Bahia, Riachão contribui para moldar o gênero musical que passa a definir a cultura brasileira no século XX. Autor de diversos sambas amplamente reconhecidos, apenas nas últimas décadas de vida Riachão começa a receber o reconhecimento pelas contribuições prestadas à música popular.
Obras 1
Fontes de pesquisa 11
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- Riachão. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin, 2002-2020. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/riachao/biografia. Acesso em: 30 mar. 2020.
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RIACHÃO.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa30/riachao. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7