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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Cada Macaco no Seu Galho

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.05.2024
1972
Originalmente um samba de roda composto pelo sambista Clementino Rodrigues, o Riachão (1921-2020), por volta de 1964, a canção “Cada Macaco no Seu Galho” é gravada pela primeira vez em 1972 por Gilberto Gil (1942) e Caetano Veloso (1942), tornando-se sucesso instantâneo. Clássico do samba e uma das criações mais populares de Riachão, ganha versõ...

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Originalmente um samba de roda composto pelo sambista Clementino Rodrigues, o Riachão (1921-2020), por volta de 1964, a canção “Cada Macaco no Seu Galho” é gravada pela primeira vez em 1972 por Gilberto Gil (1942) e Caetano Veloso (1942), tornando-se sucesso instantâneo. Clássico do samba e uma das criações mais populares de Riachão, ganha versões de vários intérpretes ao longo das décadas. É muito conhecida pelas interjeições do refrão: “chô, chuá” – às vezes grafadas “xô, xuá” e eventualmente incluídas no título. Interpretações sobre a letra vão desde a crítica ao racismo até a denúncia de privilégios sociais.

A música adquire notoriedade a partir de junho de 1972, quando Gil decide inseri-la num compacto simples lançado pela gravadora Philips no bojo das sessões para o long-play Expresso 2222. Essa interpretação da música de Riachão constitui um dueto de Gil e Caetano, num ritmo que mistura pop, funk e rock, com guitarra e teclado. Os parceiros se alternam na vocalização da ponte da obra, primeiro Gil, seguido de Caetano:

Não se aborreça, moço da cabeça grande

Você vem não sei de onde

Fica aqui, não vai pra lá

Esse negócio da mãe preta ser leiteira

Já encheu sua mamadeira

Vá mamar noutro lugar

Na regravação de 1993, editada pela Polygram, os dois invertem a ordem, e Caetano canta antes. Outra diferença se dá na extensão: na faixa original, a ponte é apresentada quatro vezes; na posterior somente duas, o que interfere na duração (4min35s na primeira, e 3min21s na versão de 1993.) Também há contrastes significativos no estilo. A releitura dos anos 1990 contém programação de bateria de sintetizador misturada às tendências da percussão baiana da época. Gil toca guitarra, e o produtor Liminha (1951), baixo.

O primeiro contato de Gil e Caetano com “Cada Macaco no Seu Galho” ocorre no começo de 1972. Interessados em gravar uma canção que represente seu retorno ao país – após os anos de exílio em Londres, onde moram depois de serem presos arbitrariamente pelo regime ditatorial brasileiro –, convidam músicos para audições em Salvador. O sambista, que trabalha como contínuo num banco, toma conhecimento da iniciativa por meio de seu chefe, sogro de Gil e Caetano.

No encontro, Riachão interpreta, após outros sambas, “Cada Macaco no Seu Galho”. O relato do compositor indica o entusiasmo da plateia com a música: “[...] equipe toda estava sentada, e eu cantava e olhava para eles. Dali a pouco, vejo todos com o sinal de joia, suspendendo o dedão. Aí, ouvi um grito: ‘É essa, malandro. É essa e não tem outra’1”. 

A faixa torna-se logo sucesso de público, alcançando repercussão que a atrela mais a Gil e Caetano do que ao próprio Riachão. Ironicamente, ele apenas a grava pela primeira vez em 1973, no disco Samba da Bahia, pelo selo Fontana-Especial/Polygram, com os sambistas Batatinha (1924-1997) e Vivaldo Jesuíno de Souza (1944-1999), o Panela. Com 2min30s de duração, trata-se da leitura mais samba de raiz da canção, com pandeiro e clarinete. Em 1976, Gil e Caetano cantam a música em show de Gil, apenas com violão, e a gravação entra para o LP O Viramundo (Ao Vivo).

A escolha da dupla pela canção tem viés político. Dada a conjuntura nacional, ao embarcarem na aparente letra ingênua do refrão, marcam com ironia a sua posição contra a discricionariedade da ditadura militar. Enfatizam a reocupação do lugar a que pertencem (o “meu galho”: no caso, a Bahia e, de modo amplo, o Brasil) e afastam (“chô” ou “xô”) aqueles que os expulsam de sua terra anos antes. O caráter de denúncia do racismo presente em alguns versos (“Esse negócio da mãe preta ser leiteira / Já encheu sua mamadeira / Vá mamar noutro lugar”) provavelmente também contribui para a decisão de Gil e Caetano, por ser um problema evitado pelos então ocupantes do poder.

O uso da canção como forma de provocação, no entanto, antecede a versão de 1972. Conta-se que Riachão, ao compô-la, direciona a certo político os versos “O meu galho é na Bahia / O seu é em outro lugar”. Mas o músico nega-se a confirmar a hipótese e revela que a inspiração do samba surge depois de ouvir uma conversa, seguida de uma contenda, e alguém, para apaziguar, dispara a expressão popular “Ah! Cada macaco no seu galho!”. Um provérbio que aponta ainda para a delimitação de privilégios na sociedade brasileira.

Em 1999, a banda Gang do Samba lança “Cada Macaco no Seu Galho” em ritmo de pagode. Riachão revisita o sucesso em 2000 em dueto com o cantor Tom Zé (1936) em seu álbum Humanenochum, aclamado pela crítica. Em 2004, a banda de rock Lampirônicos publica versão experimental eletrônica da música. As cantoras Gal Costa (1945) e Beth Carvalho (1946-2019) regravam a canção em 2002 e 2007, respectivamente.

Reconhecida como uma das mais importantes expressões do samba, “Cada Macaco no Seu Galho”, com sua letra ao mesmo tempo provocativa e descontraída – virtudes de seu próprio compositor, Riachão –, remete ao racismo e à estratificação da sociedade brasileira. A canção, ao longo das décadas, recebe diferentes tratamentos, e serve tanto à diversão pura e simples quanto à politização, mas é nas vozes de Gil e Caetano que se consagra como um clássico.

 

Nota:

1. Cf. SESC São Paulo. Riachão. Samba esperto. Conteudoteca. n. 222, 2 dez. 2014. São Paulo: Sesc, 2014. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/8589_RIACHAO.

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