Waldemar Cordeiro
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Viva Maria, 1966
Waldemar Cordeiro
Bandeira com feltro
68,00 cm x 98,00 cm
Texto
Waldemar Cordeiro (Roma, Lácio, Itália, 1925 - São Paulo, São Paulo, 1973). Artista plástico, designer, ilustrador, paisagista, urbanista, jornalista, crítico de arte. Figura central da arte brasileira do século XX, Cordeiro consegue como poucos transitar do campo da produção artística para o da reflexão teórica1. Ao longo de sua curta, porém intensa, carreira, Cordeiro explora com afinco e anseio investigativo algumas das principais correntes artísticas do século XX, do concretismo à arte digital.
Filho de uma italiana e de um brasileiro, nasce em Roma e é registrado na Embaixada do Brasil, tendo nacionalidade brasileira. Após um período de idas e vindas entre Brasil e Itália, estabelece-se aqui definitivamente, em 1949, quando participa da mostra inaugural do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), intitulada Do Figurativismo ao Abstracionismo. Participa também da primeira mostra da Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, e de várias edições posteriores.
Seus primeiros trabalhos se alinham ao expressionismo. No entanto, rapidamente volta seu interesse para uma produção de teor abstrato, radicalmente distante da figuração, do naturalismo e de uma visão hedonista da arte (arte para o prazer estético, arte pela arte). Desenvolve a convicção de que cabia à arte o papel de transformar o mundo, não mais por meio da denúncia ou da mera repetição de padrões estéticos antigos, mas da execução do novo. Nesse movimento, torna-se teórico e líder do Grupo Ruptura, de caráter concreto, fundado em 1952, com a realização de exposição homônima no MAM e lançamento de um manifesto. Desenvolve um trabalho que se opõe tanto ao realismo social – caminho prioritariamente seguido pelos artistas de esquerda no país, como Candido Portinari (1903-1962) e Di Cavalcanti (1897-1976) – quanto ao caráter possivelmente decorativo do abstracionismo lírico.
Um de seus principais pilares conceituais é a "teoria da pura visibilidade", desenvolvida no século XIX pelo pensador alemão Konrad Fiedler (1841-1895), que combate a ideia de sensibilidade estética e defende, para a arte, um estatuto de meio de conhecimento tão importante quanto as ciências positivas. O outro pilar é a defesa do engajamento efetivo do intelectual e do artista no projeto de mudança política e social defendido pelo filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Cordeiro também acompanha com atenção especial as teorias da gestalt da forma e os modelos do construtivismo russo e do neoplasticismo. A intenção é a de criar uma arte nova, objetiva, racional. Entre os aspectos mais marcantes dessa produção, estão a busca da ordem, a defesa da arte como realidade autônoma, a utilização de materiais e instrumentos derivados da indústria, a reprodutibilidade e a busca de um sentido coletivo (o que explica sua forte sintonia com outras artes aplicadas, como o design e o paisagismo). As cores são sempre as básicas, sem recair num tonalismo pictórico ou expressivo. Cordeiro e seus companheiros pregam a necessidade de se realizar uma arte acessível a todos, na qual o caráter autoral e decorativo dá lugar a uma ação real de transformação estética do mundo.
Tal ímpeto normativo, que encontra eco na produção de outros artistas brasileiros e estabelece um rico e combativo diálogo com os artistas cariocas do Grupo Frente, acaba em crise, levando os integrantes do Grupo Ruptura a uma profunda reavaliação, a partir dos anos 1960. Cordeiro é um dos que promove a guinada mais radical, passando das pinturas rigorosamente construídas a partir de preceitos matemáticos para um tipo de produção que reflete uma visão mais ancorada nas reais condições sociais enfrentadas no Brasil. Soma-se a isso um novo cenário na arte internacional, com a introdução de movimentos como o pop e o neorrealismo – ambos marcam Cordeiro em viagem que faz à Europa em 1964.
Politicamente engajado e defensor da arte como elemento fundamental do processo de transformação social, sente o impacto do golpe militar (1964) e passa a incorporar uma dimensão fortemente crítica em seus trabalhos, iniciando a série dos Popcretos, com Augusto de Campos (1931). Exemplos dessa série são Popcreto para um popcrítico (1964) e Subdesenvolvido (1964). Tal experimentalismo contém uma ironia e uma intenção crítica evidentes e amplia de forma bastante ousada o campo da criação artística no Brasil. Hélio Oiticica (1937-1980) atribui a Cordeiro o pioneirismo no que se refere à apropriação de coisas banais do cotidiano. Segundo ele, o popcreto não é "uma fusão de Pop com Concretismo, como o querem muitos, mas uma transformação decisiva das proposições puramente estruturais para outras de ordem semântico-estrutural" e se antecipa de certa forma ao movimento que ele faz, dois anos depois, em 1966, ao "propor uma volta à 'coisa', ao objeto diário apropriado como obra"2.
Após a apropriação do objeto e a introdução de questões importantes como a relação entre a obra e o espectador, presente em trabalhos cinéticos como O beijo (1967), Cordeiro faz ainda um terceiro movimento de radicalização em sua pesquisa, elegendo como principal elemento de seu trabalho não mais a coisa concreta, mas a imagem dela, antecipando a importância da imagem virtual, digital, manipulada e transcodificada para a produção artística contemporânea3.
Em 1968, dá início às pesquisas de arte no computador. Utilizando essa linguagem, produz uma arte que se diferencia de boa parte da produção digital de vanguarda, muitas vezes marcada por um otimismo tecnológico. Como diagnostica o crítico Arlindo Machado (1949-2020), Cordeiro introduz "dimensão crítica à computer art, acrescentando às imagens o comentário social que não havia na produção mundial"4. Essa postura é explicitada pelo artista em depoimento gravado: "Uma obra de arte não é um objeto, não é uma coisa, é uma proposta para o homem, uma proposta para a sociedade"5.
Como um homem de seu tempo, Waldemar Cordeiro se fascina com as novas possibilidades trazidas pelo século XX e as explora para produzir sua arte sem perder o olhar crítico sobre elas. Apreendendo o espírito da época, adapta-se, cria e rompe, em um movimento constante de dar sentido a seu fazer artístico, contribuindo, assim, para a produção e reflexão artística no Brasil.
Notas
1. É difícil separar a produção artística e intelectual na trajetória de Cordeiro. Afinal, como sintetiza Anna Belluzzo, "O rigor da compreensão estética enunciada em textos é paralelo ao de suas obras visuais, que podem ser entendidas como experimentos, no sentido lato" (AMARAL, Aracy (coord.). Arte construtiva no Brasil: coleção Adolpho Leirner. São Paulo: DBA, 1998. p. 97).
2. OITICICA, Hélio. Esquema geral da nova objetividade. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília. Escritos de artistas: anos 60/70. São Paulo: Jorge Zahar, 2006. p. 159.
3. COSTA, Helouise. Waldemar Cordeiro: a ruptura como metáfora. In: _______. Waldemar Cordeiro e a fotografia. São Paulo: Cosac & Naify; Centro Universitário Maria Antônia, 2002. p. 34.
4. MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. São Paulo: Jorge Zahar, 2007. p. 51-52.
5. Idem, p. 36
Obras 36
A Mulher Que Não é BB
Auto-Retrato Probabilístico
Contra o Naturalismo Fisiológico Óptico
Contra os Urubus da Arte Concreta Histórica
Contra-mão
Exposições 264
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5/2/1947 - 18/2/1947
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5/2/1947 - 18/2/1947
Links relacionados 2
Fontes de pesquisa 24
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Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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WALDEMAR Cordeiro.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa297/waldemar-cordeiro. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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