Ignácio de Loyola Brandão
Texto
Ignácio de Loyola Lopes Brandão (Araraquara, São Paulo, 1936). Filho de Antônio Maria Brandão, funcionário da estrada de ferro de Araraquara, e de Maria do Rosário Lopes Brandão, conclui os estudos primário e ginasial em sua cidade natal. Adolescente cinéfilo, escreve críticas de cinema para jornais locais e funda o Clube de Cinema de Araraquara.
À semelhança de outros colegas de geração, como o encenador e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa (1937), muda-se para São Paulo em 1957, contratado como repórter do jornal Última Hora. Mais tarde, viaja para Roma, Itália, disposto a tornar-se roteirista dos estúdios da Cinecittá. Durante a estadia, trabalha como colaborador do Última Hora e da TV Excelsior.
Na década de 1960, Loyola publica seu primeiro livro de contos, Depois do Sol (1965), e lança seu primeiro romance, Bebel que a Cidade Comeu (1968), adaptado para o cinema pelo diretor Maurice Capovilla (1936-2021). Ambas as obras documentam personagens e cenários da cidade de São Paulo. Ainda no ano de 1968, recebe o Prêmio Especial do 1º Concurso Nacional de Contos do Paraná, por Pega ele, Silêncio, uma coletânea de contos. Nesse período, trabalha para as revistas Realidade, Setenta e Planeta.
Consagra-se, em meados da década de 1970, como uma das principais vozes da geração literária que estreia ou amadurece depois do golpe militar de 1964, representante de um conjunto de novos autores que, apesar da repressão política, renova a literatura brasileira. Nessa época, a busca por soluções estéticas inovadoras acompanha um percurso cultural que se manifesta em diferentes áreas artísticas desde o final da década de 1960 – é o caso, por exemplo, do tropicalismo na música popular, ou do chamado “cinema marginal”, na cinematografia. Esse período é marcado pela “legitimação da pluralidade” – para usar a expressão do crítico literário Antonio Candido (1918-2017) –, pluralidade que se traduz na diferença dos projetos literários e na forma híbrida que muitas narrativas da época assumem.
Entre os recursos que diluem a fronteira dos gêneros literários e traduzem a agitação experimental daqueles anos estão autobiografias romanceadas, romances-reportagem, contos que não se distinguem de poemas ou crônicas, uso de fotomontagens e grafismos dentro dos textos, poemas visuais e estilhaços de história. Escritores como Renato Tapajós (1943), Roberto Drummond (1933-2002), Rubem Fonseca (1925) e Loyola debruçam-se sobre a experiência repressiva da ditadura; eles criam obras pautadas pela agressividade de forma e conteúdo, retratando os novos tempos de violência, censura, êxodo rural, marginalidade econômica e social – o Brasil do chamado “milagre econômico”.
Nesse contexto, a publicação do romance Zero (1975), que é posteriormente censurado, faz Loyola obter reconhecimento da crítica. O autor produz uma narrativa estilhaçada, composta por fragmentos de origem diversa. O método de criação baseia-se num exercício de “bricolagem”: trechos de textos, fotos, notícias de jornal, recortes e frases esparsas são coletados e reagrupados, produzindo novos sentidos. Romance estilizado, paródico, construído a partir de outros textos, Zero remete o leitor às obras canônicas do modernismo brasileiro, como Macunaíma, o Herói sem Nenhum Caráter (1928), de Mário de Andrade (1893-1945), ou os romances Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade (1890-1954). Nele, compõe-se um “mundo infernal” feito de lixo, labirintos, seres disformes e personagens destroçados, títeres de uma cidade-pesadelo digna da ficção científica, em que não faltam alusões ao insólito kafkiano.
A agressividade formal e temática do livro faz com que Antonio Candido o aproxime de uma das principais tendências da prosa daquela década, a que denomina “realismo feroz”. Como seus mais consagrados representantes, João Antônio (1937-1996) e Rubem Fonseca, Ignácio de Loyola utiliza-se de um narrador em primeira pessoa (“eu”) que dilui a fronteira entre o discurso e a matéria narrada.
Ainda na década de 1970, lança outras obras, como o romance Dentes ao Sol (1976), o livro de contos Cadeiras Proibidas (1976) e o infanto-juvenil Cães Danados (1977). Vai a Cuba como júri do Prêmio Casa de Las Americas, viagem que lhe rende o livro-reportagem Cuba de Fidel: Viagem à Ilha Proibida (1978).
Iniciada a década de 1980, depois de deixar o jornalismo para se dedicar à literatura, publica o romance Não Verás País Nenhum (1981). Este se configura como desdobramento dos temas e recursos de Zero – é como se o autor perseguisse uma ideia única, desenvolvendo-a gradativamente. Nesse romance, a experiência da fragmentação narrativa persiste, juntando-se a ela incursões no terreno do fantástico e do surrealismo. Loyola volta a criar uma “ficção político-burocrática”, conforme suas próprias palavras, impregnada do ambiente apocalíptico e insólito de Zero. Tendo São Paulo como cenário da história, situada num futuro sombrio, o leitor é, nos dois romances, colocado diante de protagonistas que vagam a esmo por mundos ditatoriais e paisagens degradadas, como anti-heróis literários privados de um itinerário claro.
Nos anos 1980, Loyola assume a vice-presidência da União Brasileira de Escritores; publica outras obras, como Cabeças de Segunda-feira (1983), com contos que, como Não verás País Nenhum, adentram o surrealismo, e O Verde Violentou o Muro (1984), romance baseado na experiência que tem em Berlim, onde, a convite da fundação cultural Deutscher Akademischer Austauschdienst, vive por 16 meses. Segue, nas décadas posteriores, publicando textos que se distribuem entre os diferentes gêneros.
A obra de Ignácio de Loyola Brandão cumpre um papel fundamental na literatura brasileira ao colocá-la no rumo de novas possibilidades expressivas. Os temas trabalhados em seus contos e romances (perda da identidade, incomunicabilidade, desumanização do homem, dissociação entre homem e natureza etc.) e os recursos utilizados para dar forma a esse universo (a fragmentação, a descontinuidade narrativa e o uso da paródia) apontam para o que a história das artes e da literatura define como o “pós-modernismo”.
Obras 1
Espetáculos 3
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 9
- ARRIGUCCI JR., Davi. Jornal, realismo, alegoria: o romance brasileiro recente. In: ______. Achados e Perdidos: ensaios de crítica. São Paulo: Polis, 1979. p. 79-115.
- Anos 70: Trajetórias (vários autores). São Paulo: Editora Iluminuras/Itaú Cultural, 2005.
- BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Zero. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1979.
- CANDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: ______. A Educação pela Noite. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006. p. 241-260.
- INSTITUTO Moreira Salles. Cadernos de literatura brasileira: Ignácio de Loyola Brandão. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, jun. 2001.
- ITAÚ Cultural. Mesa redonda com Ignácio de Loyola Brandão. Não verás país nenhum – Redes da Criação. Itaú Cultural, São Paulo, 2008.
- PELLEGRINI, Tânia. Gavetas vazias: ficção e política nos anos 1970. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos: Mercado de Letras, 1996.
- SCHWARZ, Roberto. Cultura e política, 1964-1969. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
- TV Cultura. Entrevista com Ignácio de Loyola Brandão. Programa Roda Vida – TV Cultura. 12 de julho de 1999.
Como citar
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IGNÁCIO de Loyola Brandão.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa282/ignacio-de-loyola-brandao. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7