Rubem Fonseca
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A Coleira do Cão, 1965
Rubem Fonseca
Texto
José Rubem Fonseca (Juiz de Fora, Minas Gerais, 1925 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020). Contista, romancista e roteirista. Um dos mestres do conto no país, seu estilo coloquial, direto e seco retrata a violência urbana sem rodeios, compondo o que Antonio Candido (1918-2017) chama de “realismo feroz”.
Nasce em Juiz de Fora e, aos 8 anos, vai morar com a família no Rio de Janeiro. Forma-se na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil em 1948. No fim de 1952, inicia carreira na Polícia do Rio de Janeiro. Entre 1953 e 1954, faz um curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos e cursa administração de empresas na New York University (NYU). Ao regressar, estuda e leciona na Fundação Getulio Vargas. É exonerado da polícia em 1958 e trabalha como docente e relações-públicas até se dedicar somente à literatura.
Nas décadas de 1960 e 1970, concentra-se no gênero conto, especificamente o policial. Em 1963, estreia com o livro de contos Os Prisioneiros e, em 1965, lança A Coleira do Cão. Nessa primeira fase de sua produção há um lirismo decorrente do choque entre a realidade objetiva, esvaziada por conflitos sociais e relações interpessoais desumanizadas. Há também uma subjetividade que procura se afirmar. É o que ocorre no conto “A Força Humana”, do segundo livro, que tem como narrador-protagonista um halterofilista.
Pouco motivado a se dedicar ao concurso físico para o qual treina, o personagem deixa-se ficar à porta de uma loja de discos, encantado por certa “música irresistível”, sem entender por quê. A narração em primeira pessoa apresenta um sujeito incapaz de compreender a si próprio e de se expressar. O procedimento que fundamenta esse conto é recorrente na obra de Fonseca e pode ser ilustrado pelas palavras do professor João Luiz Lafetá (1946-1996) como: “[o] contraste entre a limitação da mente do personagem (e como decorrência a necessária limitação da linguagem) e a amplitude de significado que se depreende da situação narrada”. Nesse sentido, a narração, mesmo em primeira pessoa, tende a se referir ao mundo exterior – as observações subjetivas são evitadas e o narrador prende-se à objetividade dos acontecimentos.
A partir de Lúcia McCartney (1967), a crueza do relato é cada vez menos exposta à força interior das personagens. O primeiro conto, “Desempenho”, retoma o halterofilista, desta vez participando de uma luta livre cuja narração revela, na estrutura das frases, golpes tão intensos quanto os trocados pelos combatentes: “Rubão me dá um pisão no dedo do pé, afrouxo, ele se solta, me dá uma joelhada no estômago, um pontapé no joelho, um tapa na cara”.
Em 1973 publica seu primeiro romance, O Caso Morel. A obra é um embate entre um artista, que decide escrever um livro na prisão, e um detetive cínico e bruto. Pouco interessado em desvendar o crime, ele se vê espelhado no acusado e passa a refletir sobre a própria identidade. Trama de suspense e ação, a narrativa se estrutura em dois planos, o do suposto criminoso, no passado, e o do detetive e ex-escritor Vilela, no presente, o que faz o leitor duvidar sobre o que é realidade e ficção. Para além do jogo de alusões cultas presentes em seus romances, manifestas por investigadores interessados em poesia e conhecedores do latim, suas construções textuais constituem reflexões metalinguísticas.
A violência é patente nos contos-título de Feliz Ano Novo (1975) e O Cobrador (1979), considerados suas obras-primas. No primeiro caso, apresenta-se a invasão de uma quadrilha a uma festa de réveillon de classe alta: entediado e drogado, o bando sai às ruas para cometer crimes que culminam no fuzilamento de dois homens. Já no segundo, o narrador-protagonista encontra na violência a maneira de reparar sua condição marginalizada e de se vingar da sociedade: “Está todo mundo me devendo! ”.
Nos retratos de episódios violentos ou em tramas de extensas complicações, há sempre os marginalizados e uma burguesia corrupta. Entre uns e outra, emergem forças como a bestialidade dos criminosos, a hipocrisia social e os abusos cometidos pelas classes dominantes. O vazio existencial, contudo, é equivalente, seja qual for a origem da personagem. Assim como ocorre ao bando de Feliz Ano Novo, nos contos “Passeio Noturno (Parte I)” e “Passeio Noturno (Parte II)”, homens de famílias abastadas, à noite, aliviam-se atropelando aleatoriamente pedestres nas ruas.
O segundo romance, A Grande Arte (1983), recebe o Prêmio Jabuti. Com Agosto (1990), retoma episódios vividos durante o trabalho na polícia, numa mistura de ficção e realidade em que se relatam os fatos responsáveis pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas (1882-1954).
Como roteirista, é premiado pelos longas Relatório de um Homem Casado (1974), adaptado do conto Relatório de Carlos, dirigido por Flávio Tambellini (1927-1976), e A Grande Arte (1991), dirigido por Walter Salles (1956). Em 1991, recebe o Kikito de Ouro no 18º Festival de Gramado pelo roteiro de Stelinha (1990), dirigido por Miguel Faria Júnior (1944).
Avesso a entrevistas e a qualquer divulgação de sua imagem, Rubem Fonseca tem seus livros reeditados a partir de 2010, quando, após 20 anos publicando pela Companhia das Letras, assina contrato com a editora Agir, do grupo Ediouro.
O estilo narrativo de Rubem Fonseca leva seu trabalho ao reconhecimento da crítica e do público. O relato cru da violência, ao mesmo tempo que provoca choque no leitor, se oferece como uma denúncia política dos abusos sociais. Mesmo quando acusa o autor de flertar com modelos best-seller, a crítica não deixa de reconhecer sua preocupação bem-sucedida com a escrita.
Nota:
LAFETÁ, João Luiz. Rubem Fonseca: do lirismo à violência. Literatura e Sociedade. São Paulo, n. 5, 2000, p. 120-134.
Obras 31
Espetáculos 8
Fontes de pesquisa 14
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- Programa do Espetáculo - O Cobrador - 2007. Não catalogado
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- SILVA, Deonísio da. Nos bastidores da censura. Sexualidade, literatura e repressão pós-64. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.
- SILVA, Deonísio da. Rubem Fonseca: proibido e consagrado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996. (Perfis do Rio; n. 18).
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- VIDAL, Ariovaldo José. Roteiro para um narrador: uma leitura dos contos de Rubem Fonseca. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.
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RUBEM Fonseca.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa5217/rubem-fonseca. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7