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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Ricardo Severo

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 09.06.2017
06.11.1869 Portugal / Distrito de Lisboa / Lisboa
03.04.1940 Brasil / São Paulo / São Paulo
Reprodução Fotográfica Romulo Fialdini

Casa da Rua Taguá, São Paulo, 1917
Ricardo Severo

Ricardo Severo da Fonseca e Costa (Lisboa, Portugal 1869 - São Paulo, São Paulo, 1940). Engenheiro, arqueólogo, arquiteto. Forma-se engenheiro civil de obras públicas em 1890 e engenheiro civil de minas em 1891 na Academia Politécnica do Porto, em Portugal. Participa da fundação da Sociedade Carlos Ribeiro, em atividade de 1887 a 1898, e da Revi...

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Biografia

Ricardo Severo da Fonseca e Costa (Lisboa, Portugal 1869 - São Paulo, São Paulo, 1940). Engenheiro, arqueólogo, arquiteto. Forma-se engenheiro civil de obras públicas em 1890 e engenheiro civil de minas em 1891 na Academia Politécnica do Porto, em Portugal. Participa da fundação da Sociedade Carlos Ribeiro, em atividade de 1887 a 1898, e da Revista de Ciências Naturais e Sociais, de 1890 a 1898. Inspirados pelo arqueólogo português Carlos Ribeiro (1813-1882), os membros da sociedade enfatizam a formação étnica do povo português, tema central das pesquisas arqueológicas que Severo desenvolve na sociedade e na revista Portugália: Materiais para o Estudo do Povo Português, 1899-1908, da qual é fundador, editor e diretor. Em 1891, participa da revolta republicana do Porto e é obrigado a emigrar para o Brasil. Escreve artigo sobre o Museu Sertório, 1892, por meio do qual conhece Ramos de Azevedo (1851-1928), que o convida a trabalhar em seu escritório.

Em 1893, casa-se com Francisca Santos Dumont, irmã do inventor Alberto Santos Dumont (1873-1932) e filha do então rei do café, Henrique Dumont. Entre 1895 e 1897 regressa a Portugal e retoma as atividades como arqueólogo à frente da Portugália. Em 1908, diante de dificuldades financeiras, retorna ao Brasil. Ao contrário de sua atuação em Portugal, entre 1884 e 1908, dedicada exclusivamente à arqueologia, no Brasil, sua atuação se diversifica. Em 1908, torna-se sócio do Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo, estendendo o vínculo à Companhia Iniciadora Predial, à Companhia Cerâmica Vila Prudente e ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (Laosp), do qual é diretor entre 1928 e 1940. Escreve o livro Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo: Histórico, Estatutos, Regulamentos, Programas, Diplomas, em 1934, ainda hoje uma referência importante sobre a história dessa instituição. Concebe a revista Portuguesa e a dirige de 1930 a 1937, editada pela Câmara Portuguesa de Comércio e pelo Clube Português, dedicada às ciências, às artes, à arquitetura, ao comércio e a outras atividades vinculadas à colônia portuguesa em São Paulo, da qual é um dos principais representantes.

Filia-se ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) em 1911 e participa da criação da Revista do Brasil. Nessas e outras instituições e periódicos publica séries de artigos e conferências dedicadas a arqueologia, republicanismo, colônia portuguesa e arquitetura. As conferências de maior destaque são aquelas que compõem o que Severo nomeia de Campanha de Arte Tradicional no Brasil - A Arte Tradicional no Brasil: a Casa e o Templo, em 1914 e A Arte Tradicional no Brasil, em 1916, conhecidas na bibliografia especializada como marcos do neocolonial, termo rejeitado pelo engenheiro. Em 1932 é homenageado pela colônia portuguesa, em comemoração dos 41 anos da revolta do Porto, e em 1969, pela Academia Paulista de Letras, pelo centenário de seu nascimento. Nesses eventos são lançados os livros Homenagem a Ricardo Severo e Homenagem a Ricardo Severo: Centenário do Seu Nascimento 1869-1969.

Análise

Ricardo Severo - em sua obra e trajetória - evidencia e sintetiza a complexidade do processo de renovação do panorama artístico brasileiro no momento crucial de constituição do modernismo. Ainda que seus projetos não tenham acrescentado nenhuma novidade ao cenário arquitetônico do início do século XX - ao contrário da obra de Victor Dubugras (1868-1933) -, as conferências, discursos, artigos e entrevistas que configuram sua "campanha de arte tradicional"1 alcançam grande repercussão, reverberando na obra de escritores, artistas e arquitetos como José Marianno Filho (1881-1946), Monteiro Lobato (1882-1948), Wasth Rodrigues (1891-1957), Mário de Andrade (1893-1945) e Lucio Costa (1902-1998), igualmente preocupados com o problema da nacionalidade e da modernidade artísticas.

A campanha tradicionalista de Severo é motivada por um conjunto de fatores ideológicos, políticos e artísticos entrelaçados. Desenrolada entre as décadas de 1910 e 1930, num ambiente intelectual fortemente marcado pelo nacionalismo e pelo antilusitanismo, a campanha responde, de um lado, ao anseio de independência cultural e autonomia política, que identifica no ecletismo europeu uma ameaça a ser combatida, e, de outro, à busca de valorização da herança portuguesa até então desprezada, quando não renegada. É com base nessas motivações e num ideário cientificista calcado na noção de raça e meio que o engenheiro estabelece relações determinantes entre povo e manifestações artísticas, vinculando a busca dos fundamentos da arquitetura brasileira às origens da nacionalidade e fixando o período de dominação colonial portuguesa como seu marco fundador. Nesse sentido sua campanha extrapola os limites da arquitetura para se configurar como um projeto político e cultural luso-brasileiro.

Ao expressar o desejo romântico de constituir uma arte que fosse ao mesmo tempo tradicional e moderna - no sentido de nova e contemporânea -, Severo constrói uma explicação sobre a história da arquitetura brasileira que é em muitos aspectos bastante recorrente. Tomando o legado colonial português como a matriz tradicional da arte brasileira, em detrimento das contribuições dos indígenas, negros e outros imigrantes, o engenheiro valoriza as construções barrocas dos séculos XVII e XVIII, identificando no século XIX, no neoclassicismo e ecletismo o momento de "degenerescência" da arquitetura tradicional e, no século XX, mais especificamente na sua campanha, a possibilidade de retomada das tradições nacionais para a fundação de "uma nova era de RENASCENÇA BRASILEIRA".

Preocupado em não reduzir a sua proposta à "reprodução literal de coisas tradicionais", Severo manifesta um duplo compromisso com o passado e o presente, que em seus projetos se mostra na recusa do modo de vida da colônia, na adoção dos preceitos ecléticos de justaposição de elementos arquitetônicos escolhidos no passado, com a predominância do barroco português e colonial, na incorporação de normas compositivas caras à tradição clássica, como a simetria, e na assimilação de "dados da modernidade" relativos a higiene, legislação, técnica, costumes e arte. Sua conciliação entre tradição e modernidade permite, então, a valorização de elementos arquitetônicos característicos do período colonial, como varandas, pátios, telhados de barro, rótulas, balcões e gelosias, e a adoção simultânea dos novos padrões de implantação e distribuição interna dos ambientes estabelecidos a partir da Primeira República com o ecletismo, caracterizados pela especialização das atividades e compartimentação dos espaços.2 Essa acomodação de estilos e técnicas de épocas diversas se faz evidente na Casa Numa de Oliveira, 1916 (demolida), a primeira construída segundo essa orientação, ou na Faculdade de Direito do largo de São Francisco, 1938, em São Paulo, último projeto tradicional de grande porte realizado pelo engenheiro português.3

Como se vê, tanto a periodização traçada por Severo, quanto a idéia de recuperar o fio da meada interrompido com o ecletismo - religando as duas pontas da tradição artística nacional entre a arquitetura colonial e a contemporânea - não são privilégio do discurso modernista, embora sejam visíveis as diferenças entre eles. E ainda que diante de olhos treinados na cultura arquitetônica moderna não seja possível negar a sensação de incoerência, de mimese, de cópia extemporânea, a alusão ao período colonial presente nos projetos de Severo traz à tona uma outra maneira de conceber a arquitetura e sua tradição que repercute internamente, e obtém reconhecimento de parte considerável da sociedade paulistana reunida em torno do jornal O Estado de S. Paulo, da Revista do Brasil, do Instituto Histórico e Geográfico, da Sociedade de Cultura Artística e de membros importantes da Escola Politécnica de São Paulo - Poli.

A sensação de incoerência, entretanto, não é de todo injustificada, porque as referências de Severo às tradições nacionais se concentram na ornamentação dos edifícios, que seguem os mesmos esquemas programáticos, técnicos e estéticos do ecletismo que ele critica em sua campanha, e porque em sua prática profissional o engenheiro se mantém simultaneamente vinculado ao Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo e à Companhia Iniciadora Predial, das quais é sócio desde 1908, e cuja ação se dá justamente na contramão da preservação do patrimônio artístico e cultural do período colonial que ele tanto valoriza. Sem retirar o mérito de sua atuação, o descompasso entre o discurso e a prática de Severo revela os impasses nas tentativas de recuperação e atualização da tradição e de definição do moderno em curso no início do século XX não só no Brasil como em toda a América Latina.

Notas

1 Os textos da referida campanha são o discurso Culto à Tradição, 1911; as conferências A Arte Tradicional no Brasil: a Casa e o Tempo, 1914 e A Arte Tradicional no Brasil, 1916; os artigos Arquitetura Velha, 1916, Da Arquitetura Colonial no Brasil: Arqueologia e Arte, 1922, e A Casa da Faculdade de Direito de São Paulo 1634-1937, 1938 e a entrevista Arte Colonial III, 1926.

2 Sobre as novas formas de implantação e agenciamento dos programas de necessidades e suas diferenças com as construções do período colonial ver: FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel: Editora da Universidade de São Paulo, 1987; LEMOS, Carlos A. C. Alvenaria Burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café. São Paulo: Nobel, 1985, e HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e Outras Formas de Morar da Elite Cafeeira 1867 - 1918. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

3 Os demais projetos tradicionais assinados pelo engenheiro são: Casa Lusa, 1920/1924, Banco Português, Beneficência Portuguesa de Santos e Campinas, 1926, a restauração da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, e por último o projeto para o Congresso do Estado de São Paulo, 1929, aos quais se reúnem apoiados na bibliografia específica e na análise dos projetos, a Casa do Porto, 1900, a Casa Julio de Mesquita, ca.1916, a Casa Praiana, 1921, o Pavilhão das Indústrias de Portugal, 1922/1923, a Casa José Moreira, 1926, a Sociedade de Cultura Artística, 1926, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, 1932 e a Casa Rui Nogueira, 1939/1940.

Obras 1

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Exposições 1

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Fontes de pesquisa 8

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  • ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS. Homenagem a Ricardo Severo: centenário do seu nascimento 1869-1969. São Paulo, 1969.
  • AZEVEDO, Ricardo Marques de. Las ideas de Ricardo Severo y la relacion com el academicismo. In: AMARAL, Aracy (org.) Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos. 1ª. ed. São Paulo: Memorial Fondo de Cultura Económica, 1994, pp. 249-258. 336 p, il p&b.
  • DIAS, Carlos Malheiro. Homenagem a Ricardo Severo. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1932.
  • GONÇALVES, Ana Maria C.R. A obra de Ricardo Severo. São Paulo: FAU/USP, 1977.
  • LEMOS, Carlos A. C. El estilo que nunca existió. In AMARAL, Aracy (Org.). Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos. 1ª. ed. São Paulo: Memorial Fondo de Cultura Económica, 1994, pp. 147-65. 336 p, il p&b.
  • PINHEIRO, Maria Lúcia B. Ricardo Severo e o estilo tradicional brasileiro. Revista D'Art, São Paulo, n.3, pp. 22-28, dez./1998.
  • RODRIGUES, Maria de Lurdes. Os Engenheiros em Portugal: profissionalização e protagonismo. 1ª. ed. Oeiras: Celta Editora, 1999. 279 p.
  • SILVA, Joana Mello de Carvalho. Nacionalismo e arquitetura em Ricardo Severo. 2005. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005.

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