Yolanda Freire
Texto
Iolanda Soares Freire Hinds (São Luís, Maranhão, 1940). Pintora, aquarelista, performer, videomaker, professora de artes, professora universitária, escritora. Sua contribuição artística se dá no campo da experimentação em diversos suportes, tais como aquarela, guache, performance, pintura, instalação, videoarte e livro-objeto. Alguns dos temas que atravessam sua obra são a maternidade, a memória, a natureza e o ritualístico.
Vive em São Luís até 1967, quando se muda para o Rio de Janeiro em busca de aprofundar seus estudos em arte e de iniciar tratamento em psicanálise. Passa a se dedicar à produção artística no ano seguinte, quando começa a estudar xilogravura, gravura em metal e arte-educação na Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Nesse período, a produção da artista denota uma preocupação com a temática social e com a representação do Nordeste. Movida pela psicanálise, passa a realizar desenhos em nanquim remetendo à temática do imaginário infantil.
Nos anos 1970, tem aulas com Ivan Serpa (1923-1973), Bruno Tausz (1939), Lygia Pape (1927-2004) e Claudio Kuperman (1943-2022). Radica-se em Petrópolis em 1973, onde instala seu ateliê. A partir de então, suas obras representam o entorno de sua residência, tal como se vê na pintura Montanha do Quitandinha (1974), e as flores de seu jardim. A hortênsia é eleita como elemento simbólico pela artista, quase como uma mandala. Também produz obras que remetem a um ambiente doméstico ocupado com elementos geralmente associados ao feminino, o que se nota na pintura Cabeça de galinha em toalha de crochet e hortênsia (1974).
Em 1974, durante a Ditadura Militar (1964-1985)1, seu irmão é assassinado. Movida pela revolta, começa a abordar a violência estatal em sua obra. Inicialmente, envolve-se em atos públicos nas ruas e, depois, passa a realizar performances em sua casa para pessoas próximas.
Ainda na década de 1970, sua produção é influenciada pela psicanálise e tem forte aspecto ritual. A performance Pele de bicho, alma de flor (1974) discute a metamorfose do humano em outros seres: em hortênsia, flor de seu desejo, ou galinha preta, animal de seu trauma2. Em performance que realiza na 13ª Bienal de São Paulo, em 1975, intitulada Os passarinhos da figueira (1975), ela come metade de um figo ao mesmo tempo que um pássaro numa gaiola come a outra metade. Já performance Mulher, o erótico na natureza (1978), relaciona formas femininas com a paisagem, suscitando a noção de fertilidade. A artista realiza e publica livros-objetos que documentam essas performances, intercalando imagens de registro com seus próprios escritos. Um exemplo é Achei (1976), que registra exposição homônima.
A mostra Achei (1976) acontece no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Mam Rio) e reúne obras em diferentes suportes: os registros audiovisuais de Os passarinhos da figueira e A hortência e a galinha (1974-1975) além de quatro conjuntos de documentação fotográfica das performances Pele de bicho, alma de flor, O terço da hortênsia (1975), Ninho (1975) e Os passarinhos da figueira. Freyre também realiza intervenções na exposição.
Nos anos 1980, interessada em estudos de cor, realiza pinturas. É convidada para expor numa universidade em Montpellier, na França, em 1985, e aproveita a ida ao país para fazer cursos na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts [Escola Superior de Belas Artes] e no centro de arte Saint Charles da Universidade Sorbonne, ambos em Paris.
Mais tarde, produz pinturas monocromáticas e esculturas em concreto, preocupada com questões como materialidade e geometria. A geometria já havia aparecido em sua obra, décadas antes, na aquarela Paisagem do Palácio Itaboraí (1974) e no óleo O múltiplo no uno (1982).
A escrita aparece ao longo de toda sua produção, em todos os suportes. A artista toma a escrita tanto como fio condutor de ideias quanto grafia ou desenho3. A exemplo disso, dois trabalhos de 1998 discutem, por meio de escritos em bordado sobre voal branco com bastidor de madeira e folha de outro, os antepassados e a descendência feminina de sua família, desde sua avó até as netas da artista – nas obras, uma delas “borda os sonhos de ser mulher” e outra “tece as cores da poesia”.
Depois de voltar ao Brasil, assume a coordenação do Núcleo de Experimentação de Arte, espaço de orientação em artes em Petrópolis que conta com apoio da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e a orientação artística do Espaço Rio Arte.
Nas palavras da artista, “continuo minha busca estética sondando os mistérios e aventurando-me na pesquisa do Sagrado, matéria da própria vida e que ora se faz presente na sexualidade e no amor, ora no trabalho e na criação, ora ainda nas palavras e no silêncio, nos traços e gestos”4, buscando o transcendental por meio de sua obra.
Entre os artistas brasileiros envolvidos com a experimentação em múltiplos suportes, Yolanda Freyre se destaca no tratamento e desenvolvimento de questões como maternidade, memória e natureza.
Notas
1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
2. TRIZOLI, Talita. Atravessamentos feministas: um panorama de mulheres artistas no Brasil dos anos 60/70. 2018. 434 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 140.
3. MORAES, Fabiana de; PORTELLA, Isabel Sanson. Da escrita, delas, elas. Rio de Janeiro: Circuito; Galeria do Lago; Museu da República, 2015. p. 56.
4.. FRAZÃO, Marcelo. Poemas visitados versão preto e branco. Rio de Janeiro: Galeria Sesc Copacabana, 1999..
Exposições 4
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8/6/2000 - 23/7/2000
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2/10/2010 - 2/10/2010
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1/11/2019 - 23/11/2019
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6/11/2022 - 6/3/2021
Fontes de pesquisa 13
- ARANTES, Amanda. Yolanda Freyre. In: FAJARDO-HILL, Cecília; GIUNTA, Andrea. Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2018.
- BANCO DO ESTADO DO MARANHÃO. Arte do Maranhão: 1940-1990. São Luís: Banco do Estado do Maranhão, 1994.
- BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, 14., 1977. XIV Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1977. Exposição realizada no período de 1 out. a 30 nov. 1977.
- CAMPOS, Mag; MATTOS, Suyan de. Carta/Obradobra. Pirenópolis: Secretaria de Cultura, 2022.
- CARLOS, Esther Emílio. Introdução. In: Terre en vue: 500 ans de Brésil. Paris: Galerie Debret, 1999. Exposição realizada no período de 16 set. a 5 out. 1999.
- CLARABOIA Arte Contemporânea. Caos Específico. Postado em: 26 set. 2010 . Blogger. Disponível em: http://claraboiaartecontemporanea.blogspot.com/2010/09/caos-especifico-noite-de-performances.html. Acesso em: 31 ago. 2020.
- COLETIVA A Arte do Rio chega à 17ª edição a partir de quinta. Veja Rio, Rio de Janeiro, 4 maio 2017. Disponível em: https://vejario.abril.com.br/programe-se/coletiva-a-arte-do-rio-chega-a-17a-edicao-a-partir-de-quinta-4/. Acesso em: 20 maio 2022.
- FRAZÃO, Marcelo. Poemas visitados versão preto e branco. Rio de Janeiro: Galeria Sesc Copacabana, 1999.
- FREYRE, Yolanda. O espelho do artista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006.
- LOPES, Fernanda. Área experimental: lugar, espaço e dimensão do experimental na arte brasileira dos anos 1970. Rio de Janeiro: Prestígio, 2013.
- MORAES, Fabiana de; PORTELLA, Isabel Sanson. Da escrita, delas, elas. Rio de Janeiro: Circuito; Galeria do Lago; Museu da República, 2015.
- TRIZOLI, Talita. Atravessamentos feministas: um panorama de mulheres artistas no Brasil dos anos 60/70. 2018. 434 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 140.
- YOLANDA Freyre: artista está na mostra Mulheres Radicais. Folha de S.Paulo, São Paulo, 16 ago. 2018. Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1608999562800101-yolanda-freyre. Acesso em: 20 maio 2022.
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YOLANDA Freire.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa262359/yolanda-freire. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7