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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Roberto Santos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 02.06.2022
15.04.1928 Brasil / São Paulo / São Paulo
03.05.1987 Brasil / São Paulo / São Paulo
Roberto Santos Pinhanez (São Paulo, São Paulo, 1928 – idem, 1987). Diretor, produtor, roteirista e professor de cinema. Cresce no Brás1, bairro de tradição nas lutas operárias. Substitui as faculdades de filosofia e arquitetura pelo curso técnico do Centro de Estudos Cinematográficos de São Paulo (1950-1952). No período entre 1953 e 1957, trabal...

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Roberto Santos Pinhanez (São Paulo, São Paulo, 1928 – idem, 1987). Diretor, produtor, roteirista e professor de cinema. Cresce no Brás1, bairro de tradição nas lutas operárias. Substitui as faculdades de filosofia e arquitetura pelo curso técnico do Centro de Estudos Cinematográficos de São Paulo (1950-1952). No período entre 1953 e 1957, trabalha nos estúdios Multifilmes e Brasil Filmes como assistente de direção e convive com Agostinho Martins Pereira (1924), Nelson Pereira dos Santos (1928) e Galileu Garcia (1930) que, à época, participam do debate sobre as questões estruturais da indústria cinematográfica nacional. Seu primeiro longa, O Grande Momento (1958), embora filmado nos estúdios Maristela, segue a proposta nova de Rio 40 Graus (1954-1955) de um modo de produção independente. Volta ao longa-metragem apenas em 1965, com A Hora e Vez de Augusto Matraga, adaptação do conto de Guimarães Rosa (1908-1967), que vence o Festival de Brasília e participa do Festival de Cannes do ano seguinte. Seguem-se o episódio A Desinibida do Grajaú, do filme As Cariocas (1966) – adaptações de histórias de Sérgio Porto (1923-1968), e O Homem Nu (1967), do conto de Fernando Sabino (1923-2004). Professor da Escola Superior de Cinema da Faculdade São Luís e da Escola de Comunicações Culturais da Universidade de São Paulo (USP) realiza, com os alunos desta última, os curtas A João Guimarães Rosa (1968) e Embu (1969). Reúne ex-alunos e técnicos da LynxFilm, com quem sempre trabalha na direção de filmes publicitários, e coordena Vozes do Medo (1970-1974), interditado durante quatro anos pela censura2. Dirige Um Anjo Mau (1971), baseado no romance de Adonias Filho (1915-1990), e ocupa o cargo de presidente da Comissão Estadual de Cinema.

Dedica-se a especiais de televisão, com destaque para o premiado Sarapalha (TV Globo, 1975), extraído de conto de Guimarães Rosa, e séries sobre cinema e cultura popular (TV Cultura, 1972-1976). Ao retornar às atividades de professor realiza, com os alunos de seu curso de direção de atores, As Três Mortes de Solano (1975), primeiro e único longa-metragem da USP, baseado em conto de Lygia Fagundes Telles (1923). Dirige Arroz e Feijão (1977), episódio do filme Contos Eróticos, Os Amantes da Chuva (1979) e Nasce uma Mulher (1983). Faz dezenas de curtas-metragens, boa parte sob encomenda, entre os quais: Viadutos de São Paulo (1957), Viaje Bem (1959), Primeira Chance (1963), Cooperativismo (1963), Sesc Pompeia (1977), Judas na Passarela (1979) e Chick Fowle, Faixa Preta no Cinema (1980). Roteiriza Gimba, Presidente dos Valentes (1963), Bebel, Garota Propaganda (1967), Juliana do Amor Perdido (1969-1970), O Predileto (1974), Ponto Final (1975) e Parada 88, Limite de Alerta (1977). Monta Subterrâneos do Futebol e Viramundo, ambos de 1964. Coproduz Asa Branca, um Sonho Brasileiro (1979). Volta a participar do Festival de Gramado de 1987 com seu último filme, Quincas Borba (1986), baseado no romance de Machado de Assis (1939-1908).

Análise

Os personagens de Roberto Santos estão em luta permanente, consigo mesmos e com o meio em que vivem. Esse embate entre o mundo e o sujeito – que parece marcar o próprio cineasta – provém notadamente de forças e situações que eles precisam aprender a dominar, embora muitas vezes sem sucesso. Já se depreende tal postura em seu longa-metragem de estreia, O Grande Momento, em que a consciente submissão a um neorrealismo de estúdio permite recriar o cotidiano da classe média baixa do Brás paulistano e reconstituir um dia na vida de um casal de noivos que, no cumprimento do rito social da festa de casamento, enfrenta as carências materiais de que eles e suas famílias padecem. Por detrás das aparências amenas, tudo gira em torno do dinheiro (a ser recebido, cobrado, financiado) – um tema muito recorrente em sua obra.

Com A Hora e Vez de Augusto Matraga, o cineasta assimila a temática rural presente em alguns filmes do movimento do cinema novo e encena com rigor a etnografia do sertão de Guimarães Rosa. Matraga inicialmente lidera um universo bruto, violento e patriarcal e, ao perder o domínio daquilo que o cerca, assume no isolamento a construção íntima da mansidão. Esse mundo primitivo, porém, ao ser enfrentado no embate direto, supera a dicotomia do bem e do mal e o ingresso do personagem na esfera civilizada da justiça exige paradoxalmente o uso da violência.

Um Anjo Mau (1971), Santos procura prolongar essa aguçada perspectiva que tem o sertanejo como base, agora conforme retratado em livro de Adonias Filho. Novamente em um universo primitivo, radicalmente quase sem palavras, Açucena é a personagem-protótipo da resistência, vislumbre de uma nova mulher que desponta furiosamente, ainda sem lugar determinado, no mundo violento dos homens. A adesão das sequências finais às proposições exasperadas do cinema marginal o aproxima com mais intensidade do período político vigente, do mesmo modo que a utilização da música politizada de Geraldo Vandré (1935) em Matraga sugere o sutil posicionamento do cineasta em relação à luta armada em oposição à ditadura militar3.

Vozes do Medo (1970-1974), como o título indica, também é registro desse ambiente; uma colagem experimental de episódios, coordenados por Roberto Santos, que vão do registro realista ao realismo mágico, passando pela alegoria e pela publicidade, nos quais convivem o sufoco, a rebeldia e a apatia da juventude nos centros urbanos. Dentro dessa linha experimental pode ser encaixado As Três Mortes de Solano (1975). Uma mesma história, baseada em conto de Lygia Fagundes Telles, se desdobra em três visões em torno de uma tapeçaria – transformada em metáfora do poder. No nível da alucinação, ela é um fetiche a ser conquistado; no plano da representação teatral, o motivo para discutir a função do artista na sociedade; e, no mundo real do circo, é mercadoria que vendida serve para matar a fome.

Ao lado dessas abordagens mais radicais (políticas e estéticas), Roberto Santos, de maneira mais espontânea e em consonância com a proposta de O Grande Momento de um cinema de qualidade e de apelo popular, articula a representação de hábitos e condicionamentos do homem urbano dentro de uma perspectiva crítica e irônica, que engloba a sociedade de consumo e suas armadilhas publicitárias – marca da agressiva modernização capitalista do país em curso a partir da década de 1960.

Seu episódio em As Cariocas (1966), construído como se fosse um programa sensacionalista de televisão, recria a trajetória de uma mulher suburbana que, depois de eleita rainha de um concurso de praia, passa a se virar com pequenos papéis no mundo do cinema, da TV e da moda, até seu comportamento liberal ferir os brios morais dos vizinhos. O Homem Nu (1967) expande um pequeno conto de Fernando Sabino (1923-2004) e descreve o tormento de um homem certinho e professor respeitado, cuja vida desmorona quando fica sem roupas do lado de fora do apartamento, numa nudez absoluta que não desperta a compaixão, e sim o preconceito e a hostilidade de diversos tipos sociais.

Os Amantes da Chuva (1979) ultrapassa o entrecho fantástico – um casal de amantes que provoca chuva durante seus encontros –, e desdobra-se no realismo crítico ao apontar tanto para o retrato de uma classe média baixa paulistana quanto para a caricatura do mundo da publicidade e da televisão – entrevisto como símbolo capitalista que corrompe os homens humildes e bons, embora não totalmente isentos de inocência. Se em O Grande Momento o cineasta permite a concretização do sonho da constituição de uma família por meio do casamento, agora, em plena sociedade modernizada da década de 1970, o amor, ao se misturar com a roda viva do encantamento ilusório do meio de comunicação, vira mercadoria, um impulsionador financeiro que conduz à morte.

Nasce uma Mulher (1983) transforma uma festa familiar (o aniversário de uma adolescente) em um verdadeiro pandemônio quando a mãe descobre que a filha guarda um preservativo na bolsa. Acusado de ter um pensamento ultrapassado sobre a juventude, Roberto Santos alega representar uma moralista mãe da classe média que entra em confronto direto com as posições liberais e modernas da filha a quem não admite a maioridade.

A adaptação do romance de Machado de Assis, Quincas Borba (1986), para os dias modernos, serve para enfatizar o personagem perplexo e despreparado dentro de uma realidade capitalista que não entende. Rubião herda grande fortuna mas a dilapida em negociatas conduzidas por um farejador de lucros fáceis, cuja esposa serve de elo entre o interesse financeiro deste e o interesse amoroso daquele.

Para Roberto Santos, o homem perde a paz e os sentimentos nobres por conta do dinheiro que o desumaniza. Essa grande acepção, que aparece inúmeras vezes em sua filmografia, pode ser considerada politicamente ingênua mas, ao firmar seus complexos personagens em nítidos contornos sociais, Santos termina por demonstrá-la verdadeira.

Notas

1. Bairro paulistano que recebeu intensa imigração italiana na primeira metade do século XX.

2. À época o país estava sob o regime militar, que censurava todos os tipos de obra que considerasse subversiva, ou seja, que não se alinhassem a seu ideário.

3. A ditadura militar se instaura em 1º de abril de 1964 e permanece até 15 de março de 1985. Os direitos políticos dos cidadãos são cassados e os dissidentes perseguidos.

Obras 1

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Fontes de pesquisa 3

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  • SANTOS, Roberto. Site do cineasta. Disponível em: http://www.cineastarobertosantos.com.br/. Acesso em: 4 set. 2012.
  • SIMÕES, Inimá. Roberto Santos: a hora e vez de um cineasta. São Paulo: Estação Liberdade: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1997.
  • SIMÕES, Inimá. Roberto Santos: a hora e vez de um cineasta. São Paulo: Estação Liberdade: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1997.

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