Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles, s.d.
Texto
Lygia Fagundes Telles (São Paulo, São Paulo, 19181 - idem, 2022). Romancista e contista. Entre a perscrutação subjetiva, o trabalho com a memória e a perspectiva imaginativa, a prosa de Lygia Fagundes Telles dedica-se a explorar a complexidade da experiência humana.
Passa a infância no interior do estado de São Paulo, em razão do trabalho do pai. Aos 8 anos, transfere-se com a mãe para a capital, e em seguida passa cinco anos no Rio de Janeiro. De volta a São Paulo, matricula-se na Escola Caetano de Campos, onde conclui os estudos em 1937. Financiada pelo pai, publica a coletânea de contos Porões e Sobrados (1938).
Ingressa na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e emprega-se na Secretaria de Agricultura. Seu segundo livro, Praia Viva, é lançado em 1944, um ano antes de seu bacharelado. Lygia exerce a profissão durante algum tempo, mas a abandona pelas letras, tornando-se colaboradora do jornal A Manhã, para o qual escreve crônica semanal.
Ciranda de Pedra (1954), seu primeiro romance, é o livro com o qual a escritora atinge a maturidade literária, segundo o crítico literário Antonio Candido (1918-2017). A narrativa centra-se em dois momentos da trajetória da personagem Virgínia: a infância solitária, dividida entre pais separados, e a volta da jovem à casa do pai. Preconceito contra filhos de casais divorciados, saúde mental, suicídio, homossexualidade e falsa paternidade são algumas das dificuldades que a protagonista enfrenta em seu crescimento.
Escreve com o ensaísta Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), o roteiro cinematográfico de Capitu (1967), inspirado no romance Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis (1839-1908).
A introspecção psicológica e o aspecto imaginativo se destacam como temas de Lygia Fagundes Telles, o que se verifica nos contos de Antes do Baile Verde (1970). “Venha Ver o Pôr do Sol”, por exemplo, trata de um personagem sombrio, cuja humanidade ambígua provoca a reflexão sobre a natureza do sentimento amoroso. O amor, aliás, por vezes conduz à frustração ou ao retrato da hipocrisia. Para as protagonistas femininas e oprimidas pelas dificuldades da realização de desejos, há o encontro com a impossibilidade de idealização. No que concerne aos homens, o conto “Eu Era Mudo e Só” (1970) é exemplar: integrando o que considera uma realidade de "cartão-postal", o protagonista abre mão de suas aspirações por uma família de aparências perfeitas.
Na ficção de Lygia, os recursos tradicionais da narrativa são manipulados de acordo com a inclinação para investigar os efeitos das relações entre os sujeitos e dos sujeitos com o mundo sobre o que há de mais íntimo no ser humano. Em As Meninas (1973), romance ambientado na ditadura militar, a investigação se dá com base nos impactos subjetivos exercidos pela sociedade. O foco narrativo é alternado entre as três meninas que assumem a primeira pessoa. Com mudanças deliberadas e não assinaladas de perspectiva, articulam-se o discurso indireto livre, o monólogo interior e o discurso direto. Os recursos terminam por oferecer diferentes pontos de vista a respeito de uma mesma situação, em trechos que eventualmente recuperam um único episódio.
O intervalo de tempo das narrativas costuma ser breve, sobretudo por causa da retratação de conflitos internos. Nos contos, pode-se tratar de um rápido encontro entre personagens ou de instantes de reflexão.
No romance As Meninas, o recorte objetivo é também diminuto: o período de uma greve estudantil, em que as protagonistas dedicam-se às próprias questões e aos momentos que passam juntas no pensionato onde moram. É o tempo subjetivo, portanto, que sustenta a narrativa: lembranças recentes ou longínquas trazem à tona acontecimentos passados com forte peso para a configuração presente. No que diz respeito ao espaço, embora a cidade de São Paulo seja o ambiente prevalente, todos os dados objetivos são convocados como correlatos do estado de fragilidade emocional dos personagens.
Lygia integra, em 1976, o grupo de intelectuais que vai a Brasília entregar o Manifesto dos Mil, contra a censura. O posicionamento político se insinua na ficção da autora em Seminário dos Ratos (1977), uma alegoria em que homens e ratos se invertem. Escrito sob o signo da ditadura, o conto reconfigura a realidade, elaborando uma referência cifrada à condição então vivida pelo Brasil. Da mesma coletânea, o conto “Noturno Amarelo” é um longo e improvável passeio pelo âmbito do sonho, concentrado nos devaneios da protagonista.
Publica A Disciplina do Amor (1980), obra que consiste em fragmentos de memórias enlaçados a incursões pelo fantástico, que dão novo significado ao real. É eleita para a Academia Brasileira de Letras em 1985. Na mesma década, publica o romance As Horas Nuas (1989).
Nos anos 1990, duas coletâneas de contos são lançadas, A Estrutura da Bolha de Sabão (1991) e A Noite Escura e Mais Eu (1995). Narrativas ligadas à memória ou que abordam as descobertas ao longo do amadurecimento predominam nos anos 2000, em livros como Invenção e Memória (2000) e Durante Aquele Estranho Chá (2002). Em 2005, recebe o Prêmio Camões e, em 2011, publica Passaporte para a China, relato de viagem sobre a participação da escritora no evento comemorativo do 11º aniversário do socialismo chinês, em 1960.
Explorando a subjetividade e as fronteiras do real, a prosa de Lygia Fagundes Telles passa tanto por tramas de teor intimista ou familiar quanto por narrativas que distorcem a realidade a fim de compreendê-la.
Nota
1. Suas certidões de batismo, nascimento e casamento datam seu nascimento em 1918, no entanto, existem fontes como a Academia Brasileira de Letras (ABL), que registram 1923.
Obras 24
Espetáculos 5
-
-
-
2008 - 16/9/2008
-
31/10/2009 - 13/12/2009
-
31/10/2009 - 13/12/2009
Mídias (3)
Fontes de pesquisa 11
- CADERNOS de Literatura Brasileira: Lygia Fagundes Telles. v.5. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1998.
- CANDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: ______. A Educação pela Noite. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006.
- LUCAS, Fábio. Mistério e magia. In: TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
- LUCENA, Suênio Campos de. Esquecimento e lembrança em Lygia Fagundes Telles. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
- MENEZES, Raimundo. Dicionário Literário Brasileiro. 2ª Ed. Rio de Janeiro: LTC - Livros Técnicos e Científicos, 1978.
- MOLINERO, Bruno. Morre Lygia Fagundes Telles, imortal da ABL e grande dama da literatura brasileira. Folha de S. Paulo, São Paulo, 03 abr. 2022. Obituário. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/04/morre-aos-98-anos-escritora-lygia-fagundes-telles-academica-da-abl.shtml. Acesso em: 03 abr. 2022.
- MONTEIRO, Leonardo et al. Lygia Fagundes Telles. São Paulo: Abril Educação, 1980. Coleção Literatura Comentada.
- PONTES, Joel. O mundo ficcional de Lygia Fagundes Telles. In: ______. O aprendiz de crítica. Recife: Editora do Recife, 1955.
- SILVA, Vera Maria Tietzmann. A metamorfose nos contos de Lygia Fagundes Telles. Rio de Janeiro: Presença Edições, 1985.
- SILVERMAN, Malcom. O mundo ficcional de Lygia Fagundes Telles. In: _______. Moderna ficção brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
- TADDONE, Daniel. Lygua Fagundes Telles: a centenária que não quis sê-lo. Taddone. 4 abr. 2022. Disponível em: https://www.taddone.it/lygia-fagundes-telles-a-centenaria-que-nao-quis-se-lo/. Acesso em: 21 set. 2023.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
LYGIA Fagundes Telles.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa6011/lygia-fagundes-telles. Acesso em: 02 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7