Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Antes do Baile Verde

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 29.07.2020
1970
Com a publicação de Antes do Baile Verde (1970), Lygia Fagundes Telles (1923) a autora consolida sua trajetória no gênero conto e na literatura.

Texto

Abrir módulo

Com a publicação de Antes do Baile Verde (1970), Lygia Fagundes Telles (1923) a autora consolida sua trajetória no gênero conto e na literatura.

Como observa professor Paulo Rónai (1907-1992)1, chama a atenção para a unidade da coletânea. Dela, destaca-se a representação de um mundo e uma sociedade constituídos, diz Rónai, pelo “flagrante implacável” de “personagens [...] roídos pela ânsia de viver, mas paralisados pelos remorsos de seu passado e de seu presente”2. Tal interpretação confirma-se pela análise dos contos de introdução e fechamento do volume. Em “Os Objetos”, a atenção aos costumes individuais, impressos em objetos de uso privado, permite a um marido expressar a frustração e o tédio de um casamento arruinado mediante a sugestiva e trágica recuperação de uma adaga.“Para que serve uma adaga fora do peito?”, diz ele, em reação à frieza do relacionamento. A investigação discreta da vida que os objetos escondem remonta, por sua vez, ao mote de “Olho de Vidro”. Nele, a autora alinha-se à tradição do conto moderno para sugerir a identidade entre o contista e certo detetive particular, cuja prática investigativa da vida alheia choca-se com as próprias escolhas e frustrações. Entre ambos, Lygia apresenta uma galeria de tipos de uma classe média urbana e provinciana, acanhada e autoritária, cujos conflitos verificam-se nas tensões entre indivíduos. É o caso, por exemplo da traição dos sonhos nos casais afastados pela vida. 

De Antes do Baile Verde destaca-se, ainda, a relação entre a técnica e a sensibilidade da contista para o contraponto entre dramas individuais e determinações sociais. Tomem-se por exemplo as perspectivas femininas de “Apenas um Saxofone”, do conjunto de 1969, e “Os Mortos”, pertencente ao conjunto de 1949. Pautados por depoimentos de mulheres (de Luisiana, no primeiro, e de uma burguesa anônima, no segundo) que revisitam o passado, ambos apresentam consciências em crise a expor seus entraves num ambiente delimitado. Em “Os Mortos”, o depoimento da mulher de família abastada que vê o próprio casamento chegar ao fim implica a interiorização de um modelo social. Esse modelo é a base de seus caprichos e arbitrariedades, centrais para que se subentenda a catástrofe a que se reduz a vida do ex-marido. Já em “Apenas um Saxofone”, a explosão da subjetividade massacrada pelo tédio só se apresenta em plenitude quando vista da perspectiva das contradições da matéria social. Tudo se dá em torno dos ressentimentos da ex-prostituta Luisiana. Sua riqueza deriva de um casamento vantajoso e de um modo de produção (o latifundiário) sem o qual não se apreendem as sutilezas da futilidade e a falta de lastro espiritual. As aulas de filosofia de salão, a compra de obras de arte falsas para a exibição em reuniões, a vaidade risível da pintura de um retrato a óleo e a ostentação desproporcional das posses. A narrativa sublinha o aspecto grotesco de uma ambição que, por fim, revela-se constitutiva da protagonista. O mais importante, Luisiana ama um saxofonista apaixonado somente por sua arte.

Nesse, como em outros contos da coletânea, os elementos materiais e a construção de protagonistas ultrapassam os limites da ação e da caracterização inerentes ao gênero conto. Situações e acontecimentos subentendem uma teia mais ampla de circunstâncias e tipos humanos. Numa narrativa complexa que foge à experiência concreta e perspectiva individual, Lygia flerta o tempo todo com os limites que separam o conto e o romance.  

A análise da vida por trás dos objetos cotidianos depende da contiguidade simbólica entre as peças. Destacam-se os mínimos elementos, nomes ou personagens, como a roseira de “A Janela” e “Um Chá bem Forte e Três Xícaras”; o nome Tomás, dado aos protagonistas de “A Chave” e “As Pérolas”; o céu estrelado de “A Ceia” e “Eu Era Mudo e Só”. Tais elementos reaparecem e articulam-se na unidade dos contos com novos significados. O leitor atento percebe, também, a manifestação aleatória da cor verde (central no conto que dá nome à coletânea) em detalhes de caracterização em quase todas as peças. Isso faz justiça ao interesse do homem em “Os Objetos”: assim como os objetos, os símbolos nada trazem de intrínseco. Definem-se  pela especificidade das tensões em jogo, conforme o uso que se faz deles. Nas tensões, encontram-se vidas examinadas em sua variedade circunstancial, sem perder de vista as costuras do tecido social.  

Notas

1. TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 3. ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975. (Coleção Sagarana.) 

2. TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 3. ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975. (Coleção Sagarana.) 

Fontes de pesquisa 5

Abrir módulo
  • CADERNOS de Literatura Brasileira: Lygia Fagundes Telles. v.5. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1998.
  • LUCENA, Suênio Campos de. Esquecimento e lembrança em Lygia Fagundes Telles. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
  • SILVA, Vera Maria Tietzmann. A metamorfose nos contos de Lygia Fagundes Telles. Rio de Janeiro: Presença Edições, 1985.
  • TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 3. ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975. (Coleção Sagarana.).
  • TELLES, Lygia Fagundes. Histórias escolhidas. São Paulo: Boa Leitura Editora S/A, 1961.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: