Marcelo Gomes
Texto
Marcelo Ferreira de Oliveira Gomes (Recife, Pernambuco, 1963). Cineasta, roteirista. Membro de uma frutífera geração de cineastas nordestinos que surge na retomada da produção cinematográfica brasileira, Marcelo Gomes se destaca pela maestria em combinar elementos que, à primeira vista, podem parecer inconciliáveis.
Essa perspectiva exploradora de contrastes transparece no nome da produtora – Parabólica Brasil –, fundada no início de sua carreira, com os cineastas Adelina Pontual (1965) e Cláudio Assis (1959). O nome expressa a articulação entre local e global, marca constante na produção do cineasta.
Estreia como diretor com o curta-metragem Maracatu, Maracatus (1995). Realizado no ápice do movimento manguebeat no Recife, o vídeo concilia as raízes culturais e históricas de Pernambuco com o interesse por fenômenos contemporâneos mundiais. Recebe, entre outros, o prêmio de Melhor Curta no Festival de Brasília. Seu trabalho seguinte, Clandestina felicidade (1998), inspirado no conto de Clarice Lispector (1920-1977), também é premiado como Melhor Curta no Festival de Gramado.
O maior reconhecimento vem com o primeiro longa-metragem, Cinema, aspirinas e urubus (2005), exibido na mostra Um certo olhar do Festival de Cannes (França). No filme, um representante comercial alemão, fugindo da guerra, percorre o sertão nordestino, na década de 1940, fazendo projeções de cinema ao ar livre para vender aspirinas. Nesse percurso, encontra um sertanejo, também fugitivo, mas da fome, que passa a auxiliá-lo nas projeções. A história é inspirada em relatos de seu tio-avô e rende ao diretor diversos prêmios, entre eles o do Ministério da Educação da França.
Cinema, aspirinas e urubus marca uma nova maneira de trabalhar a relação do sertão nordestino com o mundo, conjugando tradição e modernidade. Gomes investe no sertão como espaço mítico do cinema brasileiro, segundo ele “o nosso western”1. Por isso, são frequentes as comparações com o sertão retratado pelo cinema novo. Um exemplo disso aparece no trabalho de Adalberto Müller2, que ressalta semelhanças entre o sertão no cinema de Gomes e o sertão cinemanovista – estéticas relativas, por exemplo, à luminosidade excessiva dos filmes de Glauber Rocha (1939-1981) e Nelson Pereira dos Santos (1928-2018).
O lugar afetivo que tem o sertão nordestino na obra do cineasta aparece também em Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), realizado em parceria com o cineasta cearense Karim Aïnouz (1966). Nesse longa, adota a emoção como princípio de filmagem e montagem, de modo a manter no corte final planos embaçados e tremidos, contaminados pelos sentimentos do momento. O projeto original é registrar imagens de feiras do sertão, mas, durante as filmagens, essa ideia dá lugar a escolhas mais subjetivas: “Não existia um roteiro. Só um desejo de se perder através de emoções”3.
Em seu filme seguinte Era uma vez eu, Verônica (2012), o cineasta vai do sertão para o litoral. É um filme urbano, que gira em torno das experiências de uma jovem médica de Recife cheia de dúvidas e resistências diante da vida adulta. O próprio diretor afirma em entrevista4 que o filme nasceu de uma vontade de fazer tudo diferente de Cinema, aspirinas e urubus, para vivenciar outra experiência.
Era uma vez eu, Verônica, que tem Hermila Guedes (1980) no papel da protagonista, é aplaudido por estabelecer uma boa relação com as plateias. O filme tem uma maneira quase tátil de apresentar a personagem em alguns planos – como quando ela se deleita em um banho de mar. Uma das ressalvas feitas ao filme é a de que não há um arco dramático claro e bem desenvolvido, mas uma reunião de situações que interessam mais pelo esmero com que são encenadas do que pela presença no roteiro. Mas essa parece ser justamente a intenção do diretor, que afirma gostar de fazer mais um cinema de personagens, que narre seus anseios e desejos, do que uma narrativa ou uma história para contar5. O longa é premiado no Festival de Brasília (filme, roteiro, fotografia, entre outros prêmios) e recebe menção honrosa na seção Horizontes Latinos do Festival de San Sebastián (Espanha).
Seu filme seguinte, O homem das multidões (2013), realizado em parceria com o cineasta e artista plástico mineiro Cao Guimarães (1965), também se passa no ambiente urbano, na capital mineira, Belo Horizonte. O longa adota o formato quadrado de tela 1:1 por ser o quadro contemporâneo por excelência ao se adaptar melhor às telas de celular, além da escolha também realçar o ambiente claustrofóbico e solitário do personagem principal. O filme é premiado no Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse (França), no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara (México) e no Festival do Rio.
Voltando às narrativas de percurso, Marcelo Gomes lança, no Festival de Cinema de Berlim, o longa Joaquim (2017), romance ficcional que explora a vida de Tiradentes antes de se tornar um mártir. Em 2019, lança o documentário Estou me guardando para quando o Carnaval chegar, que apresenta Toritama, cidade do agreste pernambucano conhecida por ser a capital do jeans, sob a perspectiva das memórias de infância do diretor, que, quando criança, acompanhava o pai às suas viagens de trabalho. O filme ganha menção honrosa no Festival É tudo verdade e o prêmio de melhor documentário no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2020.
Por sua busca em desvendar a humanidade por meio de seus personagens e pelo apreço por apresentar ao espectador belas imagens, Marcelo Gomes é uma das figuras-chave do cinema brasileiro contemporâneo.
Notas
1. GOMES, Marcelo. Marcelo Gomes. [Entrevista concedida] a Jean-Claude Bernardet, maio 2010. Disponível em: http://jcbernardet.blog.uol.com.br/arch2010-05-02_2010-05-08.html. Acesso em: 10 out. 2015
2. MÜLLER, Adalberto. Cinema (de) novo, estrada, sertão: notas para (se) pensar Cinema, aspirinas e urubus. Logos 24 – Cinema, imagens e imaginário, Rio de Janeiro, n.13, 1º semestre 2006.
3. GOMES, Marcelo, idem.
4. SETTE, Leonardo. Amadurecendo jovens personagens. Cinética – Cinema e Crítica, set. 2008. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/entmarcelogomes.htm. Acesso em: 10 jul. 2021.
5. Ibidem.
Obras 1
Exposições 6
-
25/9/2004 - 19/12/2004
-
7/6/2006 - 28/6/2006
-
1/4/0 - 0/0/2009
-
9/9/2012 - 14/10/2012
-
27/9/2017 - 17/12/2017
Fontes de pesquisa 11
- ALMEIDA, Miguel de. Entrevista: Marcelo Gomes. SescTV. Contraplano, Sala de cinema, 2010. Disponível em: http://contraplano.sesctv.org.br/entrevista/marcelo-gomes/.
- ANDRADE, Fábio. Era uma vez. Cinética, set. 2012. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/eraumavezeuveronica.htm.
- ARAÚJO, Inácio. Verônica. Blog do Inácio Araújo, 21 nov. 2012. Disponível em: http://inacio-a.blogosfera.uol.com.br/2012/11/21/veronica/.
- BERNADET, Jean-Claude. Entrevista Marcelo Gomes e Karim Ainouz. Blog do Jean Claude, maio 2010.Disponível em: http://jcbernardet.blog.uol.com.br/arch2010-05-02_2010-05-08.html.
- CALIL, Ricardo. ‘Era uma vez eu, Verônica’ mais do que agrada o espectador, fica com ele. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 nov. 2012. Crítica.
- CAVANI, Júlio. Filme do pernambucano Marcelo Gomes é exibido no Festival de Berlim. Diário de Pernambuco, Recife, 8 fev. 2014.
- MÜLLER, Adalberto. Cinema (de) novo, estrada, sertão : notas para (se) pensar Cinema, aspirinas e urubus. LOGOS 24: cinema, imagens e imaginário. Rio de Janeiro, Ano 13, 1º semestre 2006.
- O EXISTENCIALISMO tropical do cineasta Marcelo Gomes. Revista de cinema, São Paulo, 21 nov. 2012.
- OMELETE. Omelete entrevista: o diretor de Cinema, Aspirinas e Urubus. Omelete, São Paulo, 10 nov. 2005.
- SETTE, Leonardo. Amadurecendo jovens personagens. Marcelo Gomes, diretor de Cinema, Aspirinas e Urubus, fala sobre seus novos projetos. Cinética, set. 2008. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/entmarcelogomes.htm.
- VALENTE, Eduardo. O primado da ficção. Cinema, Aspirinas e Urubus. Contracampo, Rio de Janeiro, n. 75/76. Disponível em: http://www.contracampo.com.br/75/cinemaaspirinas.htm.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
MARCELO Gomes.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa13948/marcelo-gomes. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7