Clarice Lispector

Clarice Lispector, 1968
Texto
Clarice Lispector (Chechelnyk, Ucrânia, 1920 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1977). Romancista, contista, cronista, tradutora, jornalista. É autora de contos e romances de temática existencial e psicológica, em que o centro narrativo está na investigação do mundo interior dos personagens e, em especial, o das figuras femininas, com poucas ações exteriores e enredo reduzido ao mínimo.
Nascida em uma aldeia ucraniana, imigra com a família para o Brasil em 1926, instalando-se em Maceió. Em 1929, vive com os pais no Recife, de onde a família se muda em 1935, após a morte da mãe, seguindo para o Rio de Janeiro.
O romance de estreia, Perto do coração selvagem (1942), é saudado por críticos como Antonio Candido (1918-2017), que destaca a "exploração vocabular" e a "aventura da expressão" da autora, capaz de "estender o domínio da palavra sobre regiões mais complexas e inexprimíveis", e Álvaro Lins (1912-1970), que aponta a influência de autores de língua inglesa do início do século XX, como Virginia Woolf (1882-1941) e James Joyce (1882-1941), em especial pelo uso do monólogo interior1. Com efeito, o título do livro é uma frase do romance Retrato do artista quando jovem (1916), de Joyce. A criação de um mundo próprio pela linguagem, que não se limita a retratar os acontecimentos exteriores, é definição aplicável tanto ao romance de estreia como a narrativas posteriores.
Na escrita de Clarice, noções convencionais de tempo, espaço e movimento dramático, essenciais a uma estética de cunho realista, como a praticada por autores da década de 1930, como Jorge Amado (1912-2001), Rachel de Queiroz (1910-2003) ou José Lins do Rego (1901-1957), cedem vez a um outro tipo de discurso, construído com base nas sensações, memórias e pensamentos do personagem, articulados em uma prosa densa, elaborada, que se aproxima da linguagem poética, pelo uso que faz da metáfora, da sinestesia e de toda sorte de recursos imagéticos e sonoros. A autora não se preocupa apenas com os significados, mas também com os significantes, ou seja, com o valor artístico das palavras.
Em 1959, Clarice volta a morar no Rio de Janeiro, após viver por 15 anos em países como Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos, acompanhando o marido, o diplomata Maury Gurgel Valente (1921-1994), de quem se divorcia. Atua como jornalista no Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Diário da Noite, escrevendo crônicas e artigos sobre moda, beleza e comportamento para o público feminino.
Publica em 1960 o livro de contos Laços de família, gênero no qual irá também se destacar, explorando a ironia e o humor ácido e mostrando o absurdo do cotidiano e das relações humanas. Em “Uma galinha”, os sentimentos de compaixão e solidariedade de uma criança pelas aves domésticas logo se transformam em seus opostos, a indiferença e a crueldade (alegoria que pode ser estendida ao campo social, tanto na esfera política quanto na familiar ou na do ambiente de trabalho). Suas histórias curtas adotam, por vezes, recursos da fantasia e da fábula, que não obedecem às normas da verossimilhança, como acontece em “A menor mulher do mundo”, sobre as aventuras de uma pigmeia do Congo Central que mede apenas 45 centímetros. Descoberta por um explorador francês, ela é levada para a Europa, onde causa perplexidade pela sua diferença radical em relação aos padrões biológicos e culturais do chamado mundo civilizado. Esta é também uma abordagem irônica do tema tradicional do amor impossível, uma vez que a relação entre a pigmeia e o explorador europeu é irrealizável.
No romance A paixão segundo G.H. (1964), um longo monólogo, a narradora faz um mergulho em si mesma, buscando entender sua identidade, sua relação com os outros, as razões para existir, amar, estar no mundo. Subitamente, resolve abrir o quarto da empregada, que se demitira, como se explorasse uma outra dimensão, diferente da sua, e ali se depara com uma barata, que provoca a sensação previsível de asco e medo. Contemplar o inseto, porém, torna-se um desafio para a narradora, que encontra ali a oportunidade de demonstrar uma atitude inesperada, que simbolize uma mudança em sua vida.
Água viva, publicado em 1973, é talvez o livro mais denso e enigmático de Clarice. Pode ser resumido à história de uma pintora que inicia um quadro e resolve escrever para o antigo amante. Porém, praticamente não há ações exteriores nesse monólogo fragmentário, elíptico, musical, quase abstrato, que se aproxima da linguagem poética. As referências simbólicas ao útero, à placenta, ao líquido amniótico, por sua vez, permitem uma leitura de ordem psicanalítica, que tem orientado alguns dos estudos sobre a obra de Clarice Lispector.
A hora da estrela (1977), último livro que publica, parece o mais singular em sua obra, por se afastar das características que mantém ao longo de quase todo o seu trabalho. O romance conta a saga de Macabéa, datilógrafa nascida em Alagoas que migra para o Rio de Janeiro, onde conhece Olímpico de Jesus, também nordestino, com quem vive uma relação amorosa decepcionante. Pobre, a protagonista se torna vítima da ostentação material característica da desigualdade social brasileira.
A originalidade de Clarice, registrada pela crítica como uma renovação da prosa narrativa brasileira, está tanto na técnica, que permite o fundo mergulho na psicologia dos personagens, como no tratamento dos temas, cuja dimensão filosófica se apresenta na tensão entre a liberdade de escolha dos personagens e as convenções morais ou sociais estabelecidas, bem como nos conflitos entre imaginação e realidade, indivíduo e mundo. Essa combinação leva sua obra a ser reconhecida como uma das mais importantes da literatura brasileira no século XX.
Notas
1. Discurso da personagem em primeira pessoa, em que ela faz um mergulho introspectivo em direção a seus sentimentos, ideias ou experiências vividas.
Obras 29
Espetáculos 37
Exposições 13
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26/10/2001 - 14/1/2000
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30/11/2003 - 2/3/2002
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27/2/2005 - 10/7/2005
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24/4/2007 - 14/10/2007
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9/10/2008 - 10/2/2007
Links relacionados 2
Fontes de pesquisa 8
- ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996.
- BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1976.
- CANDIDO, Antonio. No raiar de Clarice Lispector. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970.
- CLARICE Lispector. Instituto Moreira Salles. São Paulo: IMS, 2020. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/livro/perto-do-coracao-selvagem/. Acesso em 30 maio 2023.
- CLARICE Lispector. texto Silviano Santiago et al. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2004. (Cadernos de literatura brasileira, 17-18). Disponível em: https://issuu.com/ims_instituto_moreira_salles/docs/clb_clarice_lispector. Acesso em: 24 out. 2021.
- COMPANHIA TEATRAL AS GRAÇAS. Site oficial do grupo. Disponivel em e . Acessado em: 19 maio 2011. Espetáculo: Clarices - 2006.
- NUNES, Benedito. Drama da linguagem: uma leitura de Clarice Lispector. São Paulo: Ática, 1995.
- Programa do espetáculo - Clarices.
Como citar
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CLARICE Lispector.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa1897/clarice-lispector. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7