Rachel de Queiroz
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O Quinze, 1930
Rachel de Queiroz
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú
Texto
Biografia
Rachel de Queiróz (Fortaleza, Ceará, 1910 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003). Romancista, cronista, contista e dramaturga. As raízes literárias da autora estão na própria origem familiar. Descende de José de Alencar (1829-1877), por parte materna, Rachel de Queiróz pertence a família tradicional de Quixadá (Ceará), embora ela tenha nascido, na cidade de Fortaleza. Em 1917, muda para o Rio de Janeiro, onde a família procura desvencilhar-se do evento traumático da seca de 1915, mas retorna anos depois à cidade natal. A partir de 1927, colabora para o jornal O Ceará. Em 1930, com apenas 20 anos, publica o romance O Quinze, rapidamente considerado pela crítica como um divisor de águas na literatura regionalista, como salienta o crítico Otto Maria Carpeaux (1900-1978). Por sua primeira incursão literária, recebe, no ano seguinte, o prêmio da Fundação Graça Aranha. Nessa época, vincula-se ao Partido Comunista, experiência que a frustra, sobretudo quando tem seu segundo romance, João Miguel (1932), censurado pelo partido. Participa, em 1933, do grupo trotskista liderado pelo crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981). Quatro anos depois é detida em Fortaleza, sob a acusação de subversão. Do ocorrido, resulta o romance Caminho das Pedras (1937), narrando a trajetória de um casal de ativistas políticos. Após a publicação do intimista e quase autobiográfico As Três Marias (1939), e já residindo no Rio de Janeiro, passa a dedicar-se principalmente à crônica jornalística, colaborando, inicialmente, com o Diário de Notícias e, mais tarde, com o Última Hora e o Jornal do Commercio. Em 1950, escreve um folhetim intitulado O Galo de Ouro, publicado em capítulos na revista O Cruzeiro. No ano de 1953, faz sua primeira incursão no gênero dramático, e recebe o Prêmio Saci, pela peça Lampião. Em 1957, outra peça da autora, Maria do Egito, é premiada. No campo literário, Rachel volta ao gênero romance somente em 1975, com Dora Doralinda. Até esse ano, no entanto, muitas de suas crônicas são publicadas em volumes. Em 1977, torna-se a primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL). No início da década de 1990, lança Memorial de Maria Moura (1993), saga que se torna bastante conhecida em sua adaptação para TV. No mesmo ano da publicação, recebe o Prêmio Camões, conferido pelos governos de Portugal e do Brasil, por sua contribuição à literatura.
Análise
A autora é considerada, juntamente com José Américo de Almeida, autor de A Bagaceira (1928), uma entre os precursores do romance regionalista de temática social, que também passa a ser denominado, por alguns críticos, como "romance de tese". Diferentemente da ingenuidade e da idealização românticas, e do determinismo redutor e preconceituoso naturalista, esse novo tipo de romance não trata o sertanejo de modo pitoresco nem como objeto de análise científica, mas sim a partir de uma perspectiva próxima de sua realidade e favorável à sua causa.
Esse é o caso de O Quinze (1930), primeiro romance, escrito quando ainda é uma jovem de 20 anos, sobre a forte seca que se abate no Nordeste brasileiro, no ano de 1915. Trata-se de uma narrativa em terceira pessoa, repleta de descrições bem vívidas, basicamente composta de dois planos, que, como nota o crítico português Casais Monteiro, se cruzam próximo do término: o primeiro é de um grupo de pequenos proprietários (a professora Conceição e a sua avó dona Inácia, assim como Vicente e sua mãe, dona Idalina); o segundo, uma família de retirantes, liderada pelo sertanejo Chico Bento, que, após passar por diversas agruras em sua viagem para a capital, resolve migrar para São Paulo.
A linguagem, ao contrário da retórica exagerada e do sentimentalismo presentes em A Bagaceira, é simples e crua: traços de oralidade salpicam na medida certa o português culto no qual se tece a prosa, ao mesmo tempo que são construídas metáforas e comparações com base em elementos pertencentes ao campo semântico do universo sertanejo (os "cotos de galhos como membros amputados" ou o comboio que, na curva, "era como uma cobra que fugisse sobre o borralho ainda quente de uma coivara"). As cenas, na maior parte das vezes curtas, sucedem-se como pequenas crônicas, algumas das quais até podem ser lidas de maneira independente, um expediente que, mais tarde, Graciliano Ramos (1892-1953) utiliza para escrever Vidas Secas (1938).
Outro ponto forte do romance, ainda aproveitando os argumentos de Casais Monteiro, é justamente a ausência de certo maniqueísmo ingênuo, bastante comum em algumas obras realistas da década de 1930. Em O Quinze, nem todos os proprietários são vistos como "personagens maldosos", indiferentes ao sofrimento dos retirantes, Conceição, prima de Vicente, por exemplo, costuma distribuir mantimentos e cuidar dos retirantes que chegam à capital; no entanto, sua própria condição social e seu trabalho intelectual, de certo modo, funcionam como elemento diferenciador em relação aos flagelados e trabalhadores rurais com quem ela convive.
Essa distância entre o trabalho intelectual e o mundo sertanejo reflete uma contradição inerente aos escritores regionalistas do período: apesar de desejarem abordar o universo peculiar às suas origens, do ponto de vista regional e cultural, estão ao mesmo tempo apartados dessa perspectiva, pois são oriundos de uma formação sociocultural muito distinta. É o caso da prosa de autores como José Lins do Rego e das primeiras obras de Jorge Amado, escritas com a objetividade de um narrador realista, sem, todavia, participar do cientificismo redutor dos pensadores naturalistas. Essa contradição só será mais bem resolvida na obra de Guimarães Rosa (1908-1967), pois mesmo em Graciliano Ramos, é possível detectar esse tipo de afastamento intelectual, como nota Alfredo Bosi (1936), em artigo no qual compara os dois escritores.
No caso de O Quinze, é Conceição que encarna em si esse dilema: de acordo com Davi Arrigucci Jr., a personagem encontra-se dividida entre sua subjetividade, calcada principalmente em seus estudos, leituras e ideias, e o mundo exterior, deformado pela miséria que se alastra por conta da seca que invade o sertão. Não à toa, sua escolha é por permanecer solteira, renegando a possibilidade de casar-se com o vaqueiro Vicente, o que constituiria um elo entre os dois mundos. Por outro lado, Benjamin Abdala Junior (1940) lê essa escolha da personagem como reflexo das ideias de emancipação feminina presentes nos textos por ela lidos.
No romance seguinte, João Miguel (1932), Rachel de Queiroz procura utilizar-se de recursos semelhantes aos de sua obra de estreia: uma subjetividade que precisa lidar com uma situação adversa (no caso, o protagonista e o seu cotidiano na cadeia, após cometer um assassinato). Contudo, como aponta o crítico Massaud Moisés, o resultado não é semelhante: há diálogos por demais longos e a narrativa transcorre "sem clímax nem cenas dramaticamente significativas". Nos romances seguintes, a escritora aposta cada vez mais na introspecção, como se percebe, sobretudo, em As Três Marias (1939), romance de tendência proustiana, com forte acento autobiográfico, que narra a história de três moças em um internato religioso.
No entanto, é nas crônicas publicadas em jornais que as características mais interessantes de seu romance de estreia comparecem: nelas, a simplicidade da linguagem soma-se a uma percepção bastante aguda dos acontecimentos cotidianos. Não à toa, a própria Rachel, em entrevistas, afirma considerar-se uma cronista que se aventura na escrita de romances.
Sua última grande obra, Memorial de Maria Moura (1992), recupera a "tradição da donzela guerreira" (presente em romances como Luzia-Homem, 1903, de Domingos Olímpio, e Grande Sertão: Veredas, 1956, de Guimarães Rosa): uma personagem feminina, vestida como homem, parte em busca de vingança contra criminosos que assassinam seus familiares. Como uma longa saga, esse texto tem grande repercussão, em parte pelo sucesso de sua adaptação para a televisão.
Obras 3
Espetáculos 9
Exposições 5
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26/10/2001 - 14/1/2000
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30/11/2003 - 2/3/2002
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17/11/2011 - 16/11/2010
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12/5/2015 - 20/9/2015
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29/5/2024 - 5/8/2024
Fontes de pesquisa 6
- ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. R792.0981 A636t 1994
- BLOCH, Adolpho et alii. Rachel de Queiroz: os oitenta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.
- BRUNO, Haroldo. Rachel de Queiroz: crítica, bibliografia, seleção de textos, iconografia. Rio de Janeiro/Brasília: Cátedra/INL-MEC, 1977.
- GOMES, Renato Cordeiro; RÓNAI, Paulo (org.). Seleta de Rachel de Queiroz. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.
- NERY, Hermes Rodrigues. Presença de Rachel: conversas informais com a escritora Rachel de Queiroz. São Paulo: FUNPEC Editora, 2002.
- QUEIROZ, Rachel de. Cadernos de literatura - nº 4. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1997.
Como citar
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RACHEL de Queiroz.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa1140/rachel-de-queiroz. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7