Xica da Silva
Texto
Xica da Silva, de 1976, é o sexto longa-metragem de Cacá Diegues (1940) e o segundo cujo tema é a escravidão no Brasil colônia. Uma co-produção Embrafilme, JB Produções Cinematográficas Distrifilmes, é baseado em um acontecimento real, com roteiro que procura amenizar as tensões sociais presentes na sociedade escravocrata da região produtora de pedras preciosas de Minas Gerais do século XVIII, para construir uma comédia erótica durante a escravidão de regros e negras e não uma crítica política de denúncia do período.
A narrativa linear é pontuada pela música homônima ao filme do compositor Jorge Ben Jor (1942), as fontes para a realização do roteiro são uma extensa pesquisa sobre o Brasil da época e as Memórias do Distrito de Diamantina do historiador Joaquim Felício dos Santos (1822-1895), tio-avô do co-roteirista Joaquim Felício dos Santos e que também interpreta o vigário do longa. O filme se passa no Arraial de Tijuco (antiga Diamantina), entre os anos 1750 e 1770, onde a negra escravizada Xica da Silva [Zezé Motta (1944)] seduz o contratador de diamantes, recém chegado de Portugal, João Fernandes [Walmor Chagas (1930-2013)], que, por sua vez, ao apaixonar-se por ela, concede sua liberdade e lhe realiza os desejos mais extravagantes, como construir um palácio suntuoso, um convento só para negros, ou uma embarcação que pudesse imitar uma viagem marítima para que ela pudesse “conhecer” o mar. Tal situação incomoda a comunidade da região e os fatos chegam à Metrópole Portugal que, prontamente, envia um emissário: o Conde Valladares [José Wilker(1944-2014)] para investigar a situação e, assim, levar de volta o contratador.
O filme enfatiza a perspicácia sexual de Xica, sua esperteza, e como por esses meios ela abalará os padrões morais de Tijuco. Na mais famosa sequência e que condensa tais aspectos da personagem, Xica se encontra pela primeira vez com o Contratador. Em meio à uma reunião entre este, o Intendente [Altair Lima(1936-2002)] e o Sargento Mór [Rodolfo Arena (1910-1980)], Xica invade em desespero a sala para “denunciar” que José a persegue, para “deitar na cama” por que gosta daquilo “que só ela faz”. Xica expõe suas proezas sexuais ao Contratador e a todos os presentes na sala - entre eles, o Vigário, escravos, e Hortência [Elke Maravilha(1945-2016)], esposa do Intendente. Um plano geral enquadra todos os personagens diante da performance da escrava. Com cortes secos, a câmera mostra o rosto malicioso do Contratador, e os de surpresa e constrangimento dos demais. Um dos escravos tenta tirá-la, mas João Fernandes pede para que a deixe. Ela sorri, com uma expressão de malícia. Um campo/contra-campo apresenta a relação entre os dois. Ela rasga suas roupas e fica nua para todos verem. Não há nu frontal, mas um plano geral a mostra de costas, e em seguida as expressões do casal. Em paralelo, inicia a canção de Jorge Benjor cujo refrão é “Xica da, Xica da, Xica da Silva, a negra.” A sequência termina com o desmaio de Dona Hortência.
Assim, com comédia e sexualidade, o filme delineia um universo carnavalesco, e personagens que representam os tipos sociais de maneira cômica, bastante distante do engajamento do cinema novo, movimento no qual Diegues foi um dos formadores. O objetivo de fazer um filme popular se realiza com sucesso e Xica da Silva se torna um dos recordistas de bilheteria daquele ano, se igualando a grandes produções internacionais.
Em geral, a recepção da crítica dos jornais e revistas de 1976 é favorável. Como o exemplo do jornalista Sergio Augusto que defende o longa enfatizando seu caráter alegórico e antropofágico, no modo como incorpora o teatro de revista à atmosfera do Brasil colonial. Já Pola Vartuk, enfatiza o caráter autoral de filme, na medida em que Cacá Diegues retoma o tema da busca da liberdade, presente nos filmes anteriores. Xica, por isso, se mostra como a renovação do Cinema Novo e “um fascinante e divertido espetáculo que deslumbra pela magnificência dos cenários e figurinos”2. o jornalista Antônio Callado, reconhece no filme uma bela homenagem à personagem histórica com a escolha de Zezé Mota para Xica da Silva, além de o roteiro ter feito escolhas felizes na ficção, por exemplo, ao não dar um fim trágico à Xica.
Não são poucos, entretanto, aqueles que criticam negativamente o filme. O crítico Jairo Ferreira (1945-2003) observa que, com Xica da Silva, obra com clara intenção comercial, Carlos Diegues “prefere sacrificar grande parte da riqueza político-etnológica que envolve a personagem em função do riso fácil, mas garantido da plateia” Ferreira, entretanto, afirma que o filme se destaca no “panorama medíocre do atual cinema brasileiro, já que é um dos poucos a conquistar o público sem o mal gosto da pornochanchada2, isso ajuda a explicar a opção do cineasta pela superficialidade e omissões históricas.
Xica da Silva e seu diretor distanciam-se da proposta crítica do cinema novo para criar uma comédia com alcance público, enfatizando de maneira caricatural tipos e personagens do Brasil Colônia.
Notas
1. VARTUCK, Pola. Uma virada do Cinema Novo no expressivo “Xica da Silva”, O Estado de São Paulo, 9 set.1976. p. 16.
2. FERREIRA, Jairo. Um não à pornochanchada, Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 set. 1976. Ilustrada. p. 27.
Como citar
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XICA da Silva.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra72368/xica-da-silva. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7