Malagueta, Perus e Bacanaço
Texto
Análise
Livro de estreia de João Antônio (1937-1996), Malagueta, Perus e Bacanaço (1963) foi editado em 1963 pela Civilização Brasileira. Reúne contos publicados pelo escritor na imprensa carioca e paulistana, desde finais da década de 1950, e outros até então inéditos, como “Malagueta, Perus e Bacanaço”, finalizado em 1962. O livro é concebido num momento em que a prosa brasileira absorve o impacto do lançamento de Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967), e o desenvolvimento de uma literatura urbana, representada por autores como Dalton Trevisan (1925), Fernando Sabino (1923-2004), Érico Veríssimo (1905-1975), Lygia Fagundes Telles (1923), entre outros. Inspirado em Lima Barreto (1881-1922), João Antônio cria uma obra arraigada à realidade do que considera o “homem paulistano”, a saber, personagens que habitam os bairros pobres da cidade. Pela inventividade de sua prosa, fruto da reelaboração da oralidade popular, Malagueta, Perus e Bacanaço torna-se um marco para a literatura urbana brasileira. Seus contos são fundamentais como ponto de partida para os futuros caminhos da narrativa do escritor, culminando em obras-primas como Paulinho Perna-Torta (1965).
Dividido em três partes – “Contos gerais”, “Caserna” e “Sinuca” – Malagueta, Perus e Bacanaço é composto por nove contos. As três histórias da primeira parte, de inspiração autobiográfica, colocam em cena reminiscências de vida e os dilemas de um jovem suburbano que deseja emancipar-se do domínio familiar. O mal-estar experimentado no ambiente doméstico conduz ao trânsito constante por bairros da cidade. Cenas do cotidiano no quartel, samba e dramas amorosos reúnem-se nessa parte do livro, caminho de entrada para o universo ficcional do escritor. Seguindo por trilha semelhante, os dois contos de “Caserna” ligam-se ao tema do serviço militar e da difícil vida de quartel. Já nas quatro histórias de “Sinuca”, João Antônio traz para o primeiro plano elementos e personagens pelos quais é geralmente conhecido – a sinuca como modo de se ganhar a vida fora do trabalho, a malandragem, as “virações” e picardias exercidas por vagabundos que frequentam o submundo da cidade. A coletânea é coroada com o longo conto “Malagueta, Perus e Bacanaço”, no qual três malandros, de idades e condições distintas, perambulam por salões de sinuca da cidade. Atravessando bairros, lidando com toda sorte de tipos escusos, seguem em busca da partida definitiva, capaz de tirá-los da penúria financeira, até o fim trágico, no qual são destroçados pelo taco de um exímio jogador, já sob o raiar do dia.
Quando lançado, o livro ganha reconhecimento imediato da crítica literária em atividade na imprensa. Nomes importantes como João Alexandre Barbosa (1937-2006) e Sérgio Milliet (1898-1966) festejam a estreia de João Antônio. A ambientação paulistana dos contos e o aspecto “popular” de sua prosa são os principais traços anotados pela crítica escrita “no calor da hora”, além do débito com o modernismo de Antônio de Alcântara Machado (1901-1935). Antonio Candido (1918), já na década de 1970, incorpora a obra de João Antônio à produção literária de maior relevância no período e, também, à tradição realista. Nesse sentido, defende que Malagueta, Perus e Bacanaço é um dos livros precursores do chamado “realismo feroz” que se manifesta na novelística brasileira dos 1970. Para Candido, tal realismo se faz pela “prosa aderente a todos os níveis da realidade” e pela “abolição das diferenças entre falado e escrito”. Em ensaio editado por ocasião da morte do autor, Candido volta a se debruçar sobre o livro, procurando esmiuçar seu método narrativo. Para ele, João Antônio consolida uma “uniformização da escrita”, de tal maneira que personagem e narrador se fundem, configurando um “narrador malandro”. Ao longo das décadas, a fortuna crítica do livro é ampliada com estudos, ensaios, artigos e teses acadêmicas.
Por sua originalidade e vigor criativo, Malagueta, Perus e Bacanaço sugere novos rumos para a literatura urbana produzida no Brasil a partir dos 1960. Seu inventário da malandragem e do crime, aliada à poderosa estilização do material linguístico, terão reflexos importantes sobre a ficção brasileira nascida do golpe militar em 1964. A marginalidade explorada pelo escritor e os instrumentos formais encontrados para representá-la favorecem uma literatura que coloca em cena cisões sociais, repressão violência características do país em tempos de ditadura. Malagueta, Perus e Bacanaço é, ainda, obra fundamental para consagrar o conto como gênero de expressão da literatura brasileira, antecipando sua voga junto ao público nos anos seguintes. Por fim, voltando às observações de Antonio Candido, é importante destacar que, com Malagueta, Perus e Bacanaço, João Antônio faz para “as esferas malditas da sociedade urbana o que Guimarães Rosa fez para o mundo do sertão”, transformando a linguagem peculiar da malandragem paulistana em “língua geral dos homens”.
Fontes de pesquisa 6
- ANTONIO, João. Malagueta, Perus e Bacanaço. 4. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.
- CANDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: ______. A Educação pela Noite. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006. p. 241-260
- CANDIDO, Antonio. Na noite enxovalhada. Prefácio. In: ANTONIO, João. Malagueta, Perus e Bacanaço. 4. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2009. p. 5-12
- LACERDA, Rodrigo. João Antônio: uma biografia literária. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
- LACERDA, Rodrigo. O primeiro amor de João Antônio. Encarte. In: ANTONIO, João. Malagueta, Perus e Bacanaço. 4. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.
- ZENI, Bruno Gonçalves. Sinuca de malandro: narradores, protagonistas e figuras paternas em João Antônio. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
Como citar
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MALAGUETA, Perus e Bacanaço.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra69186/malagueta-perus-e-bacanaco. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7