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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Capitães da Areia

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 27.09.2023
1936
Momento de produção de um conjunto de obras conhecidas como “romances do Nordeste”. A narrativa de Amado é uma das principais manifestações desses romances, ao lado das de autores como Graciliano Ramos (1892-1953), José Lins do Rego (1901-1957) e Rachel de Queiroz (1910-2003). Capitães da Areia exibe traços que caracterizam a “literatura social”...

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Escrito entre março e junho de 1937, Capitães da Areia, de Jorge Amado (1912-2001), é publicado pela Livraria José Olympio Editora em novembro. A publicação é concomitante ao golpe político que instaura no Brasil a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Acusado de professar o “credo vermelho”, o romance é censurado, retirado das livrarias e queimado em praça pública pelas autoridades varguistas. A segunda edição de Capitães da Areia só vem à luz em 1944, pela Livraria Martins Editora. Obra fiel à época, surge em contexto de ideológia radical, característico dos anos 1930, em que a vida política do país é agitada pelo integralismo, o engajamento católico e o comunismo, solicitando nova conduta de artistas e intelectuais.

Momento de produção de um conjunto de obras conhecidas como “romances do Nordeste”. A narrativa de Amado é uma das principais manifestações desses romances, ao lado das de autores como Graciliano Ramos (1892-1953), José Lins do Rego (1901-1957) e Rachel de Queiroz (1910-2003). Capitães da Areia exibe traços que caracterizam a “literatura social” da década de 1930. Além da ideologia de esquerda, incorpora uma linguagem literária despojada e coloquial. Nele, Amado retoma situações e personagens presentes em Jubiabá (1935), fechando o que alguns críticos consideram “o ciclo proletário da cidade da Bahia”, também formado pelo romance Suor (1934).

Capitães da Areia narra as aventuras de um grupo de meninos de rua que, nos anos 1930, vivem de assaltar casas de famílias ricas da capital baiana. Professor, Pirulito, Volta Seca, Sem-Pernas, Boa Vida, Gato, João Grande, entre outros, moram sob as ruínas de um trapiche, à beira do mar. Exercem seus pequenos expedientes pela cidade, invadindo mansões sob a liderança de Pedro Bala. Os meninos são assistidos pela mãe de santo Don’Aninha, curandeira e conselheira espiritual, pelo padre José Pedro, que tenta encaminhá-los para o catolicismo, e pelo estivador João de Adão, operário consciente dos dramas de sua classe. No fim do romance, João incute em Pedro Bala o germe da revolução proletária.

Um “prólogo jornalístico”, início da narrativa, apresenta a questão do menor abandonado. Traz o debate entre um juiz de menores, um inspetor de polícia, um diretor de reformatório, a mãe de um garoto internado e um padre. Todos denunciam maus-tratos e condições de vida desumanas. No fim, diante da fragilidade do discurso oficial, reiterado pelo periódico, o leitor é atirado para o mundo e os dramas dos meninos de rua de Salvador. Deles, emergem temas como homossexualismo, miséria social, abandono familiar, malandragem, racismo, violência e descaso das autoridades públicas, cangaço e engajamento político.

Para Antonio Candido (1918), um dos principais traços da obra de Amado é a presença de um elenco fixo de temas, personagens e situações narrativas, retomados e reelaborados a cada novo livro. Assim, dos meninos vadios de Jubiabá nascem os garotos de rua de Capitães da Areia. Outro aspecto notado por Candido é a construção narrativa, definida como “dialética de documento e poesia”. Do ângulo do documentário, Capitães da Areia oferece informações sobre os menores abandonados de Salvador. Do ângulo poético, constantes cênicas e sentimentais, expressas em temas como “o mar”, “a noite”, “o vento” e “o amor”. Chegando às fronteiras do lírico, a prosa de Jorge Amado revisita a tradição da poesia romântica baiana, que tem em Castro Alves (1847-1871) seu maior representante. Autor do estudo Jorge Amado – Romance em Tempo de Utopia, Eduardo de Assis Duarte reitera a avaliação de Candido. Vê em Capitães da Areia o desdobramento das preocupações colocadas em Jubiabá. O parentesco entre os dois livros revela-se no trajeto dos heróis Pedro Bala e Antônio Balduíno, personagens que superam a prática da malandragem para alcançar a consciência política da luta operária. Capitães da Areia é, portanto, mais um exemplo do “romance de formação proletário” cultivado por Amado, que conjuga a ficção popular, sobretudo o romance-folhetim e o melodrama, com a orientação realista de crítica social.

A contribuição do romance para a história da literatura brasileira pode ser mais bem avaliada pelo esforço coletivo de artistas e intelectuais, nos anos 1930, para reconhecer, a partir de uma perspectiva crítica inédita, a realidade social do país. Essa disposição não se restringe à literatura e alcança outros campos, como a sociologia. Numa década em que se publicam estudos clássicos sobre as raízes da nacionalidade brasileira, como Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre (1900-1987), ou Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), obras como Capitães da Areia trazem temas e personagens populares negros, pobres e operários. Por esse caminho, a obra de Amado impõe-se como gesto político e empenha-se na transformação da sociedade, disposta a enfrentar os problemas em desacordo com os discursos oficiais. Vale lembrar ainda que os livros de Jorge Amado transcendem as fronteiras nacionais e influenciam escritores de língua portuguesa, principalmente a literatura produzida em nações africanas.

Fontes de pesquisa 4

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  • CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e a cultura. In: ______. A educação pela noite. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
  • CANDIDO, Antonio. Terras do sem fim. In: Brigada ligeira. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
  • COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
  • DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Rio de Janeiro: Record; Rio Grande do Norte: UFRN, 1996.

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