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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Lili, A Estrela do Crime

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 14.06.2016
1989
Análise

Texto

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Análise
Lili, a Estrela do Crime (1989), segundo longa-metragem de Lui Farias (1958), é baseado no romance policial Lili Carabina, de Aguinaldo Silva (1943). O livro escrito a partir de uma história que, em 1980, rende um episódio da série Plantão de Polícia (1979-1981, TV Globo), que o seu autor roteiriza. A mesma Betty Faria (1941) que fez o papel-título na TV, protagoniza o filme. Reginaldo Faria (1937), Mário Gomes (1952), Patrícia Travassos (1955) e João Signorelli (1956) completam o elenco principal. 

Lui Farias compõe um universo mais estilizado e menos realista que o de seu filme de estreia, Com Licença, Eu Vou à Luta (1986). Convidado para a direção do projeto pelas produtoras Cininvest e Morena Filmes, ele escreve o roteiro em parceria com Vicente Pereira (1950-1993), cujo trabalho no teatro e na TV se marca pelo humor irreverente que está presente em Lili, a Estrela do Crime. “O filme vai ter sempre esse clima farsesco, meio canastrão. Estou usando locações clássicas, como Banco do Brasil, a Casa da Moeda, a Polícia Central, na tentativa de mostrar uma cidade inexistente, um Rio de Janeiro que as pessoas não conhecem”1.

Na trama, Lili Carabina é o apelido que Elisa do Nascimento [Betty Faria] recebe depois que, motivada pelo assassinato do marido, junta-se ao bando de Guerreiro [Mário Gomes], assaltante de bancos de quem se torna amante. Com a prisão de Guerreiro, Lili passa a liderar a quadrilha. Quando em ação, ela usa uma peruca loira, pinta o rosto e veste um figurino extravagante. Cada assalto é uma performance, um espetáculo. Ela chega às manchetes dos jornais, à televisão, torna-se um ícone da cultura urbana e é reconhecida pelas autoridades como inimiga pública número um. O delegado Renato [Reginaldo Faria], policial solitário, a persegue sem sucesso. A narração sensacionalista do rádio debocha da ineficácia do delegado e trata Lili como uma musa do crime, um símbolo sexual. Ampliando a sua ousadia, ela monta um esquema para atrair Renato: depois de um tiroteio, aparece sem o disfarce habitual, fingindo ser uma inocente mulher que uma bala perdida teria atingido de raspão. Ele cai no logro e se apaixona. Os dois se tornam amantes. Enquanto Lili se diverte com o jogo perigoso que monta, Renato continua à procura da criminosa sem saber que é sua namorada. Numa noite, ela deixa que o delegado descubra sua identidade ao “esquecer” sua peruca no apartamento dele. Um grande roubo termina com uma perseguição e um confronto entre Lili e Renato.

A comédia policial de contornos alegóricos lembra o filme B americano, mas escancara os seus artifícios, seja pelos anacronismos, pela dublagem enfatizada para soar artificial e pela imagem fantasiosa do Rio de Janeiro como “Chicago tropical”. O delegado Renato circula pela cidade num velho Ford Falcon dos anos 1950 com um insólito escudo de “Special Police” gravado na porta. A direção de arte e a cenografia se inspiram nas histórias em quadrinhos com Spirit e Dick Tracy, marcando o diálogo com uma vertente do cinema paulista dos anos 1980 que destaca A Dama do Cine Shanghai [Guilherme de Almeida Prado (1954)] (1988), Anjos da Noite [Wilson Barros (1948-1992)] (1987) e Cidade Oculta [Chico Botelho (1941-1991)] (1986). “A estética de citações aos gêneros e filmes clássicos do cinema americano, a ênfase num tipo de visual néon-noir, propostas tipicamente pós-modernas que aterrissaram no cinema brasileiro lá pela Vila Madalena, início dos anos 80, estão presentes em Lili”2

A narrativa alterna passado e presente, e há a repetição de imagens situadas num tempo indeterminado que mostram covas sendo remexidas  – às vezes com velocidade alterada ou projetadas de trás para frente. A montagem joga com o tempo e condensa o espaço, saltando do centro da cidade para uma praia deserta, de lá para dentro do barraco cor-de-rosa de Lili, ou para a Ponte Rio-Niterói, ou para a região serrana e assim por diante. Tal tratamento da cidade, a trama e suas extravagâncias lembram os filmes Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968) e Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa (1970), ambos dirigidos por Roberto Farias (pai de Lui). 

A cenografia, crucial para a atmosfera do filme, é premiada no Festival de Brasília de 1989, ano de lançamento do filme no mercado. 

Para o crítico Hugo Sukman, Lili representa “um impasse criativo e mercadológico que aflige o mundo e, de maneira mais direta, o cinema brasileiro. Filmes sobre filmes, arte sobre arte: uma geração bombardeada por infinitas informações audiovisuais, gráficas, científicas”3. Reconhecendo o toque antropofágico que aproxima Lili de O bandido da luz vermelha (1968), Sukman diz que o filme “come” clichês do cinema policial americano, ainda que de forma “atabalhoada”.  David França Mendes comenta a relação de Lili com o filme de Rogério Sganzerla (1946-2004), sua matriz estética - narrativa fragmentada, voz do rádio nos moldes dos programas policiais, referências ao universo pop. No entanto, enquanto O Bandido, na sua irreverência, revela forte mal estar diante do presente, parecendo “se debater contra as paredes de uma cela”, Lili prefere “brincar com a impotência criativa” e “decorar o interior da cela com objetos 'Geração 80'”4.     

Sganzerla se inspirava em Orson Welles e Jean-Luc Godard, e se alimentava do universo kitsch da cultura associada à Boca e Lixo, combinando o mau gosto e o espírito de vanguarda de 1968. Lui Farias, em 1989, transforma o Rio numa cidade imaginária onde se expõem signos reciclados, objetos de néon, ícones da cultura pop, fetiches do filme noir. Ao invés de irem a um cinema-poeira assistir a filmes B (como em O bandido), os personagens agora assistem a pastiches de filmes pornô em cópias VHS alugadas numa locadora. A paródia aos filmes de suspense, as piadas de dublagem, os olhares para a câmera, as atuações propositalmente caricatas, tudo isso convida o espectador de Lili a curtir o estilo do filme e saborear as citações sem as tensões subjacentes a O bandido em cujo final o “Luz Vermelha” se mata.  No final de Lili, após uma trama mirabolante, Lili e o delegado estão ricos e vitoriosos, curtindo lua de mel em Roma5.  O filme recebe o prêmio de melhor cenografia, no Fetival de Brasilia de 1989. 

Notas

1 Ver entrevista em Fotogramas & Vídeo, ano 1, nº 8, 1988.
2 David França Mendes, “Viúva da luz néon: Lili, a Estrela do Crime recicla o modernismo de Rogério Sganzerla”, Set, v. 3, nº 2, p. 62, fevereiro de 1989. Para uma análise mais aprofundada do cinema paulista desse período, ver AB'SÁBER, Tales, A Imagem Fria, São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 
3 Cf. Cinemin nº 56, p. 8, agosto/setembro de 1989.
4 David França Mendes, op. cit.
5 Para se aprofundar na questão da citação e da metalinguagem em filmes dos anos 1970/80, ver CARROL, Noël. The Future of Allusion: Hollywood in the Seventies (And Beyond). In: Interpreting the Movie Image. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. pp. 240-264 

Fontes de pesquisa 9

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  • AB'SÁBER, Tales A. M. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
  • CARROL, Noël. The Future of Allusion: Hollywood in the Seventies (And Beyond). In: Interpreting the Movie Image. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
  • FARIAS, Lui. Entrevista concedida pelo diretor à revista Fotogramas & Vídeo, ano 1, nº 8, 1988.
  • FIGUEIREDO, Claudio. Com os cumprimentos do Zaca. Jornal do Brasil, 7 fev. 1988, Suplemento de Domingo, p. 9.
  • LABAKI, Amir (org.). O Cinema dos Anos 80. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
  • MENDES, David França. Viúva da luz néon: Lili, a Estrela do Crime recicla o modernismo de Rogério Sganzerla. Set, v. 3, nº 2, fevereiro de 1989, p. 62.
  • PUCCI JR., Renato Luiz. Cinema Brasileiro Pós-Moderno: o neon-realismo. Porto Alegre: Sulina, 2008.
  • SALLES, Luzia Elisa de. As novas armações de Lili Carabina. O Globo, 5 fev. 1988, Segundo Caderno, p. 3.
  • XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.

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