Guilherme de Almeida Prado
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Biografia
Guilherme de Almeida Prado (Ribeirão Preto SP 1954). Diretor e roteirista. Filho de uma família tradicional do interior de São Paulo,começa a fazer filmes quando ganha uma câmera Super-8 em 1971. No ano seguinte muda-se para a capital paulista e ingressa no curso de engenharia civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Paralelamente ao curso, participa de festivais de Super 8 e trabalha como assistente de direção em filmes eróticos e pornochanchadas de diretores como David Cardoso (1943) e Ody Fraga (1927 - 1987), na chamada Boca do Lixo paulistana. Estreia como diretor com o longa composto de três episódios, As Taras de Todos Nós (1981), como forma de criticar o cinema produzido pelo Boca, são eles: O Uso Prático dos Pés, A Tesourinha e Programa Duplo. Em seguida. Funda a produtora Star Filmes e realiza o seu segundo longa-metragem, Flor do Desejo (1984), que trata da relação entre um jovem marginal e uma prostituta na zona portuária de Santos. A partir de seu segundo longa, A Dama do Cine Shanghai (1987), passa a realizar um cinema auto-referencial, baseado em ícones dos anos 1940 e 1950 e com o chamado cinema noir. Neste filme, trabalha com os atores conhecidos do público, tal como Maitê Proença (1958) e Antônio Fagundes (1949), ganhando com essa obra seis prêmios no Festival de Cinema de Gramado, em 1988, incluindo o de melhor diretor. Sua obra seguinte é Perfume de Gardênia, realizado em 1992, lançado após três anos. Dirige, em 1998, A Hora Mágica, inspirado no conto Cambio de Luces, do escritor Julio Cortázar (1914 – 1984). Estes últimos longas realizados dão continuidade ao seu trabalho atrasado com o universo policial e principalmente com a utilização da metalinguagem sobre o cinema. Uma exceção a esta regra estilística é o curta-metragem Glaura (1995), que dirige um musical sobre uma mulher que odeia música. Em 2007, estreia no Festival do Rio seu sexto longa-metragem, Onde Andará Dulce Veiga, baseado no romance de Caio Fernando Abreu (1948 - 1996) – filme, além de diretor também atua como montador e roteirista do filme.
Análise
Identificado como um diretor cinéfilo, imprime em seus filmes um estilo próprio, que mistura referências do cinema noir da década de 1940 e de filmes B norte-americanos, junto com uma releitura de sua trajetória cinematográfica iniciada na Boca do Lixo paulistana. É um dos poucos cineastas saídos das pornochanchadas, que ganha o reconhecimento como “diretor auto-referencial”, realizando uma obra com uma linguagem sofisticada, mas sem deixar de estabelecer conexões entre seus trabalhos.
Dirigido em 1987, A Dama do Cine Shanghai é o principal exemplo que concretiza suas escolhas estilísticas. Ao lado dos cineastas Chico Botelho (1948-1991) com Cidade Oculta (1986) e Wilson Barros (1948–1992) com Anjos da Noite (1987), formam a trilogia do cinema paulista da segunda metade dos anos de 1980, que propõe um novo sentido do fazer cinematográfico e uma reflexão dos valores da cultura contemporânea da época. Trabalham com elementos da cultura urbana, do imaginário da grande cidade e do estatuto da técnica.
Não é por acaso que Almeida Prado começa e termina A Dama, longa que fecha essa trilogia, dentro de uma sala de cinema no centro de São Paulo. Em uma noite quente e úmida de verão, Lucas (Antônio Fagundes), um corretor de imóveis, sai para ver um filme policial, com o mesmo nome da trama do cineasta. Na sala escura, conhece Suzana (Maitê Proença), uma bela e misteriosa mulher, muito parecida com a protagonista da história. A partir desse encontro, aparentemente casual, o vendedor passa a viver uma aventura de suspense e sua paixão o envolve num labirinto de pistas e assassinatos.
A Dama do Cine Shanghai combina uma trama policial metalingüística – colocando o cinema dentro do próprio cinema - com doses sutis de erotismo e sensualidade, levada em todo o longa tons de mistério, com suas pistas falsas e assassinatos misteriosos. Como é habitual em sua filmografia, ocorrem diversas referências a outros filmes, a começar pelas mais óbvias em torno do clássico A Dama de Xangai (1948), do diretor Orson Welles (1915–1985). Os principais elementos dos filmes noir de 1940 estão presentes, como a narração em off do personagem masculino (sempre dialogando com o público) e a presença da mulher fatal, além da construção de atmosferas: urbana, noturna, policial e irônica. No entanto, a década que prevalece a cada cena é a de sua realização, a de 1980 — evidente nos letreiros em néon, na montagem da trilha sonora e na composição visual, que brinca e joga com a estética de luz e sombras.
Um outro exemplo da obra de Almeida Prado é Onde Andará Dulce Veiga? (2007), seu filme mais recente, baseado no livro do escritor Caio Fernando Abreu (1948–1996). Neste trabalho, conta a história do jornalista Caio (Eriberto Leão) que, nos anos 80, quer descobrir o paradeiro de Dulce Veiga (Maitê Proença), uma atriz e cantora de sucesso desaparecida na década de 60. Entre idas e vindas, novas descobertas e a passagem de personagens secundários inusitados, Caio tenta encontrar a diva para juntar as peças do quebra-cabeça que se transforma sua vida desde que ingressa na redação do jornal.
Em uma mistura de ilusões, realidade e memórias do jornalista, com a investigação que o leva a lugares diferentes, o longa atravessa o submundo paulista, sem deixar de reprocessar signos e referências do cinema americano das décadas de 40 e 50, já realizado em A Dama e outros filmes. Como num sonho, o personagem se desdobra em diversos níveis de consciência que se entrelaçam sem nunca tocar o realismo objetivo, mas sim imprimindo uma subjetividade, não só desse jornalista, mas também do próprio autor, como uma metáfora da busca pela sua identidade.
Além disso, tanto em Onde Andará Dulce Veiga? quanto em seus outros longas, trabalha na fronteira da comédia, sugerindo o cômico, sem buscar o riso fácil, mas o sorriso revelador. Suas histórias se somam, provocando um estranhamento e um suspense indefinível no espectador, com o objetivo de quebrar as separações entre o real e o imaginário, para que cada um possa tirar próprias conclusões e lições.
Assim, por ser também escritor de seus próprios roteiros, Almeida Prado insere, em seus filmes, uma visão mais autoral, em que experimenta essa mistura de referências cinematográficas, combinada à sua cinefilia, tornando-se um investigador de linguagens e da complexidade humana, ao extravasar sua criatividade e subjetividade de artista. Dentro do mercado nacional, se destaca como um diretor que vai na contramão das leis regidas pelo cinema comercial.
Obras 1
Fontes de pesquisa 4
- AB'SÁBER, Tales A. M. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
- JORNAL O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,onde-andara-dulce-veiga-filme-de-guilherme-de-a-prado,56677,0.htm. Acesso em: 22 set. 2011
- RAMOS, Fernão. A Dama do Cine Shanghai. In: LABAKI, Amir (org.). O Cinema dos Anos 80. São Paulo: Brasiliense, 1991.
- RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luis Felipe. Enciclopédia de cinema brasileiro. São Paulo: Editora SENAC, 2ª Edição, 2004.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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GUILHERME de Almeida Prado.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa367125/guilherme-de-almeida-prado. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7