Wilson Barros
Texto
Wilson Rodrigues de Barros (São Paulo, São Paulo, 1948 - idem 1992). Diretor de cinema, professor e serígrafo. Interessa-se pelo cinema cedo e desde os oito anos frequenta matinês, sobretudo de filmes norte-americanos. Em 1967, cursa a Faculdade de Arquitetura no Mackenzie. No ano seguinte, transfere-se para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), curso que abandona para trabalhar, aos 21 anos, como assistente de direção de João Batista de Andrade (1939) no longa-metragem Em Cada Coração um Punhal: Três Histórias que Não Fundem a Cuca de Ninguém (1969). No mesmo ano, realiza assistência de produção e direção do longa Elas, de José Roberto Noronha (1942-1980).
Entre 1970 e 1971, trabalha na TV Record como assistente de estúdio em novelas. Em 1972, muda-se para a Europa, vivendo em Londres, Paris e Estocolmo. Retorna ao Brasil no ano seguinte e especializa-se em serigrafia - técnica que aprende em sua estada na capital inglesa e atividade que exerce profissionalmente até 1980. Em 1975, inicia curso de cinema na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). Um ano depois realiza seu primeiro curta-metragem: Tigresa; e, em 1978, o média-metragem Disaster Movie, ambos projetos de graduação da universidade. Durante a pós-graduação na ECA dirige seu único documentário, Sorocaba: 326 Anos, e o curta Crimes da Lata, ambos em 1976.
Inicia, em 1981, atividade de professor de direção e roteiro no curso de cinema da ECA. Dirige o curta Maria da Luz (1981) e realiza, em 1983, os curtas Diversões Solitárias e Verão. Este último baseado no conto Verano, do escritor argentino Júlio Cortázar (1914-1984) e objeto de sua dissertação de mestrado, defendida no mesmo ano. Recebe bolsa de doutoramento em cinema na New York University (NYU), em 1983. Nos Estados Unidos, amplia seu conhecimento teórico e prático sobre cinema, sobretudo com os professores Robert Stam (1941), Jay Leyda (1910-1988) e Peter Wollen (1938). Realiza o curta em vídeo Postcard (1985) e finaliza o roteiro de seu primeiro longa.
Volta para o Brasil em 1985, sem concluir o doutorado, para realizar Anjos da Noite, longa aprovado em concurso da Embrafilme e da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Finaliza os trabalhos em 1986 e o lança no ano seguinte, sendo bem recebido pela crítica e conquistando inúmeros prêmios. Tem seu roteiro publicado em livro. Trabalha como assistente de direção em Aquele Breve Canto (1986), curta de Tânia Savietto (1947-1998). Ainda na década de 1980, torna-se um dos proprietários da companhia produtora Barca Filmes, empresa identificada com o grupo de novos cineastas paulistas. Falece em 1992, deixando dois roteiros prontos: Viajante Estrangeiro e Labirintos da Cidade.
Análise
A ambientação urbana é constitutiva da obra de Wilson de Barros. Ainda que prematuramente interrompido, seu trabalho apresenta uma coerência temática presente em toda a sua trajetória, desde os curtas até o único longa-metragem que realiza. Para o crítico Edmar Pereira (1943-1993) em Anjos da Noite passa-se a limpo todos os rascunhos anteriores, ou seja, os curtas-metragens realizados que representam a cidade, em que são experimentas formas anticonvencionais da linguagem do cinema, como a representação da realidade de forma não linear e em diferentes níveis.
Seus trabalhos participam de um contexto dos anos 1980 cujas novas ideias e perspectivas encorajam o surgimento de uma nova geração de cineastas paulistas, da qual participam Chico Botelho (1948-1991), Guilherme de Almeida Prado (1954), André Klotzel (1954), Sérgio Toledo (1956) e Roberto Gervitz (1957), entre outros. Segundo Wilson de Barros, são nomes que inventam um próprio jeito de fazer cinema, que ocupam os espaços vazios deixados pelo cinema marginal. Também conciliam o espetáculo com a experimentação, características do projeto estético do dessa geração, muito embora distante de uma união marcada por um manifesto ou uma proposta previamente pensada.
Segundo o cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012), Wilson de Barros possui, como professor e cineasta, uma ligação intensa com o cinema, sendo um dos jovens diretores mais antenados com as questões da modernidade. Assim sendo, a própria vivência do cineasta, que nasce e cresce em São Paulo e viaja por importantes capitais mundiais, é um traço que marca o seu posicionamento como criador. Contribuem, igualmente, a influência de filmes norte-americanos dos anos 1950 e a obra de diretores franceses como Jean-Luc Godard (1930) e, especialmente, Alain Renais (1922), cujo filme O Ano Passado em Marienbad (1961), com sua narrativa não linear, causa impacto em sua fomação.
Anjos da Noite aprofunda as opções presentes em outros trabalhos de Wilson de Barros. Como analisa o crítico Inácio Araújo (1948), as formas da cidade - especificamente São Paulo - ao mesmo tempo em que dominam os personagens, determinam e limitam as suas ações. Tais elementos estão presentes em Disaster Movie, cuja narrativa se passa em um único dia na capital paulista. São apresentados personagens envolvidos em situações esporádicas e fragmentadas, mas com um único denominador comum: a expectativa com relação às seis horas da tarde, quando o filme, até então com o universo ficcional e colorido, carregado de estereótipos, cede ao preto e branco com pessoas comuns na hora do rush. Essa suspensão temporal também ocorre em Anjos da Noite, no momento onírico em que Marília Pera (1943) e Guilherme Leme (1961) recriam, durante a madrugada, um número de dança de Cyd Charisse (1921-2008) e Fred Astaire (1899-1987), do musical A Roda da Fortuna (1953).
Da mesma forma, em Diversões Solitárias - trabalho imediatamente anterior a Anjos da Noite - o cineasta explora o dado da descontinuidade sobre o que se vê em cena. Por isso concebe a importância da montagem desde a criação do roteiro, numa história contada em episódios em que elementos de fotografia e de som têm função vital para manter o interesse do espectador.
Já os limites da representação, que se anunciam no primeiro plano sequência de Anjos da Noite - quando a câmera se afasta de um primeiro plano da personagem de Chiquinho Brandão (1952-1991) para um plano geral com novos dados de representação da realidade - são também o eixo da narrativa de Tigresa. No curta, um personagem conta a sua vida por meio de situações inventadas, numa espécie de "documentário ficcional". Desse modo, compreende-se a proposta que o cineasta apresenta para o seu primeiro longa-metragem: desmontar a realidade narrativa. Para tanto, interage com três linguagens diferentes (cinema, teatro e vídeo) e mantém a estrutura do filme indefinida, mas coerente com as experimentações anteriores. Assim, reitera a proposta de seus filmes anteriores, uma vez que, nas suas próprias palavras, dá mais valor à ficção como mentira do que como reflexo da realidade, já que o realismo apenas reproduz a realidade.
Obras 1
Fontes de pesquisa 12
- ARAÚJO, Inácio. Morte de Wilson Barros deixa inacabado seu projeto de cinema. Folha de S.Paulo, 29 set. 1992. Ilustrada, p.3.
- BARROS, Wilson Rodrigues de. Anjos da Noite. Porto Alegre: Tchê, 1987.
- BARROS, Wilson Rodrigues de. Ao redor de um olho mágico. Cineasta, n. 1, set.-out. 1982, p. 10-11.
- BARROS, Wilson Rodrigues de. Imaginei meu filme numa noite de insônia. Filme Cultura, n. 48, Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Cinema, nov. 1988, p. 46-56.
- CAPRARA, Valerio; NORCI, Francesco; RANVAUD, Donald (orgs.). Bye, Bye Brasil: il cinema brasiliano fra tradizione e rinnovamento 1970-1988. XXV Incontri Internazionali del Cinema di Sorrento. Sorrento: Casa Usher, 1988.
- CEREGHINO, Mario J.; CARVALHOSA, Zita et. al. Brasile: la nuova scuola del cortometraggio: l'indio: Iero, oggi e domani. Mostra Internazionale del Cinema Libero. Bologna, 1991.
- COMODO, Roberto. Poucos e bons: curtas instigantes e um único longa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 set. 1992. Caderno B, p. 6.
- MEDEIROS, Jotabê. Wilson Barros reafirma fascínio pela noite em roteiros inéditos. O Estado de S. Paulo, 20 mar. 1997, Caderno 2, p. 1.
- Morre aos 44 anos o cineasta Wilson Barros. Folha de S.Paulo, 28 set. 1992. Ilustrada, p. 3. (Hemeroteca da Cinemateca Brasileira. Pasta 1992-9, documento 18).
- ORICCHIO, Luiz Zanin. A morte de Wilson Barros. Jornal da Tarde. São Paulo, 29 set. 1992. Caderno de Variedades, p. 19.
- ORICCHIO, Luiz Zanin. Wilson Barros. O Estado de S. Paulo, 29 set. 1992. Caderno 2, p. 2.
- PICCHIARINI, Ricardo. Diversões solitárias. Introdução de Sineval Martins Rodrigues. São Paulo: FDE, 1992.
Como citar
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WILSON Barros.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa284637/wilson-barros. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7