Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Anjos da Noite

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 21.11.2017
1987
Anjos da Noite (1987), escrito e dirigido por Wilson Barros (1948-1992), tem roteiro premiado pela Embrafilme e ganha financiamento parcial. O orçamento é complementado por aporte financeiro da produtora Superfilmes e de outros coprodutores, como a atriz Marília Pêra (1943-2015) e o compositor Sérvulo Augusto (1955). 

Texto

Abrir módulo

Análise

Anjos da Noite (1987), escrito e dirigido por Wilson Barros (1948-1992), tem roteiro premiado pela Embrafilme e ganha financiamento parcial. O orçamento é complementado por aporte financeiro da produtora Superfilmes e de outros coprodutores, como a atriz Marília Pêra (1943-2015) e o compositor Sérvulo Augusto (1955). 

O diretor pertence à geração de cineastas paulistas dos anos 1980, a maior parte deles egressa da Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo. Conhecido como Cinema da Vila (referência ao núcleo instalado no bairro da Vila Madalena, em São Paulo), a produção desse grupo destaca-se pela predileção por personagens que não vivem grandes sonhos ou utopias de transformação social, pelo uso de recursos eletrônicos na mediação das relações pessoais e pelo elogio de valores urbanos e mitos da cultura de massa, apresentando um país que se moderniza. Anjos da Noite preserva traços autorais, mas persegue o cinema de apelo popular e com qualidade técnica compatível com padrões do mercado internacional.

A história é ambientada no mundo underground paulista. A resolução de dois assassinatos - o de um jovem executivo e o de um homem na banheira - envolve diferentes personagens. No início do filme, um ator interpreta um travesti que assassina seu amante na banheiro do apartamento. Na sequência, outro crime: o secretário particular Alfredo Nunes é morto por engano no lugar de seu chefe Rudolph Austen. O erro é descoberto e repercute em um telejornal. Nesse momento, são apresentados outros dois personagens: Malu Maneca e Dr. Fofo, empresária da noite e delegado envolvido com tráfico de drogas, mandantes do assassinato. Na agência da empresária, a estudante de sociologia Cissa realiza uma pesquisa e é apresentada à coleção de vídeos de Malu, com depoimentos de "damas da noite, transadores baratos, garotos de aluguel, doces travestis, tarados, gangsters tímidos e mascarados: meus anjos da noite", segundo a empresária. O assassino Bimbo chega à agência e questiona Cissa sobre a veracidade das gravações a que a estudante assiste. Ele e a secretária Milene, sua amante, oferecem drogas e bebida à Cissa.

Na mesma São Paulo, o diretor Jorge Tadeu ensaia uma peça de teatro, baseada na história de uma travesti que assassina seu amante em uma banheira. Para compor elenco, Jorge interessa-se por uma atriz e a leva para casa, exigindo-lhe uma noite de sexo em troca do papel. Na casa do diretor, a atriz encontra um cadáver na banheira, em condições idênticas às da peça de Jorge.

Nesse mundo em que verdade e mentira se misturam, há um terceiro conjunto de ações que remetem à vida de Teddy, rapaz do interior que, abandonado pelo amante Guto, trabalha como garoto de programa na agência de Malu. Teddy passa a atender o ex-amante, com quem estabelece relação real e encenada. No fim do filme, durante o amanhecer, Cissa e Tedy encontram-se em uma praça. Apesar de não se conhecerem, os dois comportam-se como namorados e, de maneira melancólica, conversam sobre o vazio das relações pessoais. 

O tema principal do filme é a solidão e a crise de identidade de personagens em busca de momentos de encontro. Há um jogo de dissimulação que atinge a estrutura do filme, cujos pontos de referência para a construção ficcional sofrem constantes mudanças. Desse modo, transita-se entre os ensaios da peça de Jorge Tadeu, os depoimentos das fitas de vídeo usadas na pesquisa de Cissa e o noticiário que relata o assassinato do executivo Alfredo Nunes. 

Anjos da Noite dá continuidade à observação do contexto urbano paulista, presente em curtas-metragens do cineasta. A cidade como personagem múltipla e sem centro determinado, cenário que expressa o fracasso das relações mediadas por vidros, espelhos, lentes, televisões e telefones, já está presente em Disaster Movie (1979) e Diversões Solitárias (1983). Nesses curtas, como em Anjos da Noite, equipamentos eletrônicos constituem uma segunda natureza, a partir da qual personagens se relacionam e entram em contato com as coisas. 

Na primeira sequência do filme, por meio de longo travelling, a travesti Lola, em frente ao espelho, inicia sua fala, dirigida ao espectador: “Chega de fantasia, chega de mentira. Chega!”. Depois de enaltecer a própria beleza e fama, ela retira a maquiagem e a peruca. “Lola é um homem!”. As sucessivas mudanças no posicionamento do espectador provocadas pelo travelling acompanham o discurso de Lola. O olhar da personagem é dirigido para o espelho e, por vezes, para o espectador. A personagem sai de cena e a câmera registra a banheira refletida pelo espelho. O espectador descobre que o olhar da personagem dirigia-se não a ele, mas a um homem morto dentro da banheira. A câmera afasta-se e revela o banheiro cenográfico de uma peça teatral. No final do travelling, o ponto de vista corresponde ao do espectador na plateia. Essas mudanças estão em consonância com a ficção que se anuncia e se desmascara, questionando o lugar do espectador. Em jogo irônico com as convenções do cinema clássico, denuncia-se a manipulação da realidade, própria ao cinema. Como aponta o cineasta Tales Afonso Muxfeldt Ab’Sáber (1965), essa constante modificação do ponto de vista do espectador, revela um jogo de aparências e fundos falsos1. Distancia-se da experiência individual da personagem e dá ênfase aos meios de representação dentro dos quais sua vida está inserida. Os protagonistas são revelados incapazes de formular desejos e realizá-los. A vida do personagem transforma-se em vazio e dor. 

A crítica elogia a estrutura narrativa fragmentada, em harmonia com ideias do diretor: apagamento das fronteiras entre ficção e realidade e fragmentação da cidade e dos personagens. Para o crítico Nelson Brissac Peixoto (1952), a contemporaneidade do filme está na multiplicidade de linguagens. “A narrativa passa sem parar da história imediata para o teatro, para o vídeo ou para um depoimento jornalístico”2. Amir Labaki relaciona Anjos da Noite com a literatura pós-moderna estadunidense, especialmente a produzida pelo escritor John Barth (1930). Ambos autores propõem obras canibalescas e autocríticas, cuja fragmentação está em sintonia com a percepção dos homens de seu tempo3.

As participações no Festival de Brasília e no Festival de Gramado, em 1987, têm calorosa recepção da crítica. Em Brasília, a produção recebe o prêmio de melhor filme e, em Gramado, sete prêmios, entre os quais o da crítica e o de melhor direção. No festival gaúcho, a cena final gera controvérsias entre críticos, plateia e cineasta. Considerado otimista e ingênuo, fomenta o boato de corte dos cinco minutos finais em nova montagem.

Notas

1 AB’SÁBER, Tales. A cidade: técnica e superfície In: AB’SÁBER, Tales. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003, p.109-156.

2 PEIXOTO, Nelson Brissac. As imagens e os seres sublimes da cidade nua. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26  set. 1987, p. A-27.

3 LABAKI, Almir. Metalinguagem é a virtude de Anjos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 nov. 1987, p. A 37.

Fontes de pesquisa 9

Abrir módulo
  • AB’ SABER, Tales. A cidade: técnica e superfície In: ______. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. p. 109-156
  • BARROS, Wilson. Anjos da Noite: release. São Paulo: Superfilmes, 1987.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Os Jovens Paulistas. In. XAVIER, Ismail.; BERNARDET, Jean-Claude.; PEREIRA, Miguel. O desafio do cinema: a política do Estado e a política dos autores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 65-91
  • LABAKI, Amir. Anjos da Noite ganha o prêmio da crítica no Festival de Gramado. Folha de S.Paulo, São Paulo, 3 mai. 1987. p. A-17
  • LABAKI, Amir. Metalinguagem é a virtude de Anjos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 nov. 1987. p. A-37
  • MACHADO JR., Rubens. Cosmopolitismo e tradição. In: MACHADO JR., Rubens. São Paulo vista pelo cinema. São Paulo: Idart, 1992. p. 152-169
  • PEIXOTO, Nelson Brissac. As imagens e os seres sublimes da cidade nua. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 set. 1987. p. A-27
  • RAMOS, José Mário Ortiz. O cinema brasileiro Contemporâneo (1970-1987). In. RAMOS, Fernão (Org.). História do Cinema Brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987. p. 401-453
  • XAVIER, Ismail. Corpo a corpo com o cinema. Filme Cultura, n. 43, jan./ abr. 1984.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: