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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Arrufos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.04.2020
1887
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini

Arrufos, 1887
Belmiro de Almeida
Óleo sobre tela, c.i.d.
89,10 cm x 116,10 cm

Exposta pela primeira vez em 1885, premiada na Exposição Geral de Belas Artes de 1890 e, em seguida, adquirida pela Escola Nacional de Belas Artes (Enba), a tela Arrufos é uma das mais conhecidas realizações de Belmiro de Almeida (1858-1935). A cena doméstica é retratada segundo as convenções clássicas da pintura acadêmica do século XIX, que ele...

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Exposta pela primeira vez em 1885, premiada na Exposição Geral de Belas Artes de 1890 e, em seguida, adquirida pela Escola Nacional de Belas Artes (Enba), a tela Arrufos é uma das mais conhecidas realizações de Belmiro de Almeida (1858-1935). A cena doméstica é retratada segundo as convenções clássicas da pintura acadêmica do século XIX, que ele pratica na Academia Imperial de Belas Artes (Aiba) e nas congêneres francesas: as linhas precisas e limpas do desenho combinam com o equilíbrio da composição, da distribuição dos elementos e do uso das cores. Em relação à temática tratada – um episódio prosaico e cotidiano –, o artista se afasta da dicção elevada das pinturas históricas dominantes na academia brasileira, dando continuidade aos temas urbanos e burgueses trabalhados por Rodolfo Amoedo (1857-1941). O interesse pela vida das cidades, pela transformação dos costumes na família e pelo lugar da mulher na sociedade é despertado pela literatura de Émile Zola (1840-1902) e Gustave Flaubert (1821-1880), da qual se aproxima no período francês. As figurações de Paris de Édouard Manet (1832-1883) e Edgar Degas (1834-1917) deixam também suas marcas no universo do pintor brasileiro. Ainda que a influência do naturalismo francês seja evidente na tela, nota-se um tom característico da pintura vitoriana inglesa, que visa à educação moral do público.1

Em Arrufos a forma clássica é empregada de modo apropriado para realçar o desentendimento do casal. A composição estrutura-se em duas partes nitidamente delimitadas: do lado esquerdo, o corpo da mulher sobre o qual incide a luz se encontra em posição rebaixada; a relativa desordem do sofá e das cortinas, assim como as flores caídas ao chão, enfatizam seu estado psicológico, atestando a briga recente dos cônjuges. À direita, a sobriedade das cores e das vestimentas do personagem masculino – para o qual o crítico Gonzaga Duque (1863-1911) serve de modelo – estabelece um contraponto ao tumulto feminino. O homem, composto nas vestimentas e na pose, olhar pousado sobre um charuto, mostra-se relativamente indiferente ao arroubo da mulher. A habilidade do pintor no campo do retrato, gênero que desenvolve e pelo qual se torna conhecido, se faz notar na representação das figuras, sobretudo na masculina.

O talento do caricaturista importante que é Belmiro de Almeida – colaborador dos principais jornais e revistas nos primeiros tempos do Rio de Janeiro republicano – é perceptível na cena representada em Arrufos, e nos retratos que realiza nessa mesma época (por exemplo, Retrato de Palmira de Almeida, 1887, e Retrato de Senhora, 1889). A atenção detida na descrição de acontecimentos rotineiros e o humor que imprime à representação da vida diária se fazem presentes na tela de 1887, sobretudo na ironia que atravessa a cena e é responsável pelo seu tom peculiar. Nos termos da professora Gilda de Mello e Souza, “o que faz com que esta obra, de rigorosa fatura acadêmica, não naufrague no anedótico e no convencional é o tom docemente irônico com que a cena é focalizada. A pruderie da crítica a tomou sempre como uma disputa conjugal, mas na verdade ela representa a introdução revolucionária na pintura da época do tema do adultério, tão explorado pelo vaudeville, pelo folhetim e pela caricatura de costumes”.2

Arrufos escandaliza a sociedade de seu tempo por situar-se na contramão do repertório da pintura nacional, imiscuindo-se nos domínios privados da vida burguesa. A ousadia temática da tela aliada ao tratamento realista “arrepiou a caseira aristocracia do Império e agastou muitos dos mestres de nossa academia, sacudindo-lhes o preconceito e abalando-lhes o prestígio”.3 O que não elimina as reações favoráveis de Angelo Agostini (1843-1910) – que, na Revista Ilustrada de 13 de agosto, se refere à obra como “um dos mais belos quadros de que se tem notícia” – e as de Gonzaga Duque, que saúda o trabalho no momento em que é exposto pela primeira vez: “Ainda no Rio de Janeiro não se fez um quadro tão importante como é este”.  A produção de Belmiro de Almeida tem em Gonzaga Duque um comentador entusiasmado. O crítico examina essa obra no contexto da figura do dândi que o pintor representa em sua época, alertando para a equivalência entre seu modo de vestir, de pintar e de tocar nos assuntos. Muitos anos depois, as inovações trazidas pela tela de 1887 e pela obra posterior de Belmiro de Almeida – que acompanha as experimentações técnicas do impressionismo, do divisionismo e do pontilhismo – são reconhecidas pelas críticas Aracy Amaral e Gilda de Mello e Souza, que o colocam como um dos precursores da pintura moderna e modernista brasileira, a despeito das considerações críticas dos modernistas sobre o seu trabalho.

Notas
1 O ponto é sublinhado pelo historiador Luciano Migliaccio. O século XIX. In: MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000, SÃO PAULO, SP. Arte do século XIX. Curadoria geral Nelson Aguilar; curadoria Luciano Migliaccio, Pedro Martins Caldas Xexéo; tradução Roberta Barni, Christopher Ainsbury, John Norman. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo : Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000. 223 p., il. color.
2 SOUZA, Gilda de Mello e. Pintura brasileira contemporânea: os precursores. In: ______. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2009. 368 p., il. (Espírito Crítico). p.244.
3 REIS JÚNIOR. Belmiro de Almeida 1858-1935. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1984. 120 p., il. p&b. color. (Série prata, 10). p.31.

Fontes de pesquisa 6

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  • 30 Mestres da pintura no Brasil: 30 anos Credicard. Curadoria Luiz Marques. São Paulo: Masp, 2001.
  • ALVARADO, Daisy Valle Machado Peccinini de. Pintura no Brasil: um olhar no século XX. Edição Fábio Avila; coordenação Dulce Soares. São Paulo, SP: Nobel, 2000. 153 p., il color.
  • AMARAL, Aracy. Artes plásticas na Semana de 22. 2.ed.rev. São Paulo: Perspectiva, 1972. (Debates, 27).
  • AYALA, Walmir. Dicionário de pintores brasileiros. Organização André Seffrin. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: Ed. UFPR, 1997.
  • MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000, SÃO PAULO, SP. Arte do século XIX. Curadoria Luciano Migliaccio, Pedro Martins Caldas Xexéo; tradução Roberta Barni, Christopher Ainsbury, John Norman. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000.
  • REIS JÚNIOR. Belmiro de Almeida 1858-1935. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1984. 120 p., il. p&b. color. (Série prata, 10).

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