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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Triste Fim de Policarpo Quaresma

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 29.06.2022
1915
Coleção Brasiliana Itaú Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915
Lima Barreto

Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) é a obra mais célebre do escritor Lima Barreto (1881-1922), um precursores da literatura brasileira moderna. O romance é publicado como folhetim em 1911, no periódico carioca Jornal do Commercio, e editado como livro em 1915. Apesar de Barreto escrever na imprensa carioca e participar de diferentes grupos ...

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Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) é a obra mais célebre do escritor Lima Barreto (1881-1922), um precursores da literatura brasileira moderna. O romance é publicado como folhetim em 1911, no periódico carioca Jornal do Commercio, e editado como livro em 1915. Apesar de Barreto escrever na imprensa carioca e participar de diferentes grupos literários e políticos, a publicação e a distribuição do livro são custeadas com recursos próprios.

As dificuldades de publicação remetem a diversas causas prováveis. Em parte, à postura crítica de seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), em relação ao Correio da Manhã, jornal para o qual Barreto contribui. Ou, ainda, às lutas ideológicas entre os periódicos mais influentes, que resvalam em seus colaboradores, como sugere seu biógrafo, Francisco de Assis Barbosa (1914-1991). E, sobretudo, à atitude combativa do autor contra o poder em geral e a marginalidade em relação à consagração literária, amparada na grande imprensa. Contra esse sistema, Lima Barreto busca alternativas de expressão ao editar a revista Floreal, com apenas dois números publicados em 1907.

Como observa a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz (1957), se a literatura brasileira é marcada por poucas novidades nas duas primeiras décadas do século XX, o momento é de forte tensão social e insatisfação política durante a Primeira República (1889-1930). Nos anos anteriores à publicação de Triste Fim..., Barreto organiza um grupo literário de objeção à Academia Brasileira de Letras (ABL). Pouco depois, declara apoio ao candidato de oposição à Presidência, o literato Rui Barbosa (1849-1923). O marechal Hermes da Fonseca (1855-1923), entretanto, vence o pleito de 1910 e efetua o retorno dos militares ao poder.

Nesse contexto, Barreto produz uma literatura militante, dedicada a atacar o academismo da tradição literária e o caráter elitista e autoritário da ordem social. Mais que isso, Triste Fim... reflete, com visão pessimista, um clima de utopia e desilusão, que se confunde com os destinos do protagonista e do próprio autor. No romance, transparece a ojeriza às oligarquias que tomam o poder em 1889. Além disso, percebe-se o ressentimento causado pelo estigma social imposto pela cor mulata e origem suburbana do autor. Para o historiador Nicolau Sevcenko (1952-2014), o testemunho individual das condições históricas inspira Barreto a cultivar uma “doutrina humanitária de construção de uma solidariedade autêntica entre os homens, que pusesse fim a toda discriminação, competição e conflito, e a todos reconhecesse a dignidade mínima ‘do sofrimento e da intensa dor de serem humanos’”1.

O romance narra a história do major Policarpo Quaresma, cuja existência é norteada por um ufanismo incompatível com a realidade do país. A trama, ambientada no Rio de Janeiro após a Proclamação da República, relata, em três partes, o fracasso dos projetos patrióticos de Quaresma.

No episódio principal da primeira parte, o major apresenta à Assembleia Legislativa um requerimento para instituição do tupi-guarani como língua oficial da nação. Acaba destituído do cargo de copista na Secretaria de Guerra e internado em um sanatório. Na parte seguinte, já aposentado, elege a agricultura como principal atividade nacional e funda um sítio que acaba dominado por saúvas. Na última parte, Quaresma resolve juntar-se ao exército do presidente Floriano Peixoto (1839-1895), a quem envia empenhadas propostas de reforma. Decepcionado com o menosprezo do "Marechal de Ferro" por suas ideias, decide expor-lhe suas críticas, ato que o leva à condenação capital por traição à pátria.

Na estrutura, o livro é marcado pelo acabamento formal e pelo trabalho com uma linguagem próxima da cotidiana. De acordo com o escritor Osman Lins (1924-1978), seu tema é o “desajuste entre o imaginário e o real”, “entre a ideia que o personagem-título faz de seu país e o que seu país é realmente”2. Com isso, o alcance da obra não se restringe ao retrato crítico da elite burguesa carioca, do culto aos títulos intelectuais ou da ideologia positivista e liberal do Estado. Como nota o crítico Antonio Arnoni Prado (1943), por meio da perspectiva do narrador, o fracasso do protagonista revela-se como o “alarme que denuncia a crise das velhas estruturas”. E, portanto, figura a “urgência de um ‘renascimento’”3 que exija do pensamento crítico a superação do descompasso entre a velha imagem do país e sua realidade.  

São conhecidas as queixas de Barreto pela fraca recepção de Triste Fim... O sucesso do folhetim não se repete com o livro. Em 1916, o intelectual Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) também lamenta a pouca atenção dada pela imprensa ao livro. É igualmente conhecido o contraste entre o desejo de consagração oficial do autor (ilustrado pelas três candidaturas fracassadas à ABL) e sua marginalização nos meios literários. Esse menosprezo perdura depois de sua morte, no “silêncio” imposto ao conjunto da obra. Em 1935, essa preterição é apontada pelo escritor Jorge Amado (1912-2001) e passa a ser criticada pela história literária.

A exceção fica por conta do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), que, três anos antes da morte do autor, considera Triste Fim... “um magnífico estudo de caracteres e costumes”4.

Atualmente, o romance encontra-se consolidado entre os grandes clássicos nacionais. Na historiografia literária, representa uma das obras decisivas do período pré-modernista. Segundo Alfredo Bosi (1936), ao se opor abertamente à supremacia do valor estilístico da linguagem literária, o romance antecipa a investigação da realidade social e das fontes folclóricas brasileiras, cerne do projeto modernista. Como afirma o crítico Silviano Santiago (1936), a obra desmascara a raiz “metafórica” do discurso nacionalista-ufanista, que, desde a Carta (1500) de Pero Vaz de Caminha (1451-1500), retrata o país como um paraíso terreno, distante de sua realidade e próximo da visão do colonizador.

Notas

1 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

2 LINS, Osman. Lima Barreto e o Espaço Romanesco. São Paulo: Ática, 1976.

3 PRADO, Antonio Arnoni. Lima Barreto: o crítico e a crise. Rio de Janeiro; Brasília: Livraria Editora Cátedra; Instituto Nacional do Livro, 1976.

4 LOBATO, Monteiro. Lima Barreto. In: BARRETO, Lima; HOUAISS, Antonio; NEGREIROS, Lucia (Orgs.). Triste Fim de Policarpo Quaresma. Edição crítica. Madri; San José: Allca XX; Universidad de San José, 1997. Publicado originalmente em LOBATO, M. Livros Novos. Rio de Janeiro: [s.e.], 1919.

Fontes de pesquisa 11

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  • BARRETO, Lima; HOUAISS, Antonio; NEGREIROS, Lucia (Orgs.). Triste Fim de Policarpo Quaresma. Edição crítica. Madri; San José: Allca XX; Universidad de San José, 1997.
  • BIBLIOTECA Digital de Literatura de Países Lusófonos - BLPL. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/. Acesso em: 29 jun. 2022.
  • BOSI, Alfredo. O Pré-modernismo. São Paulo: Cultrix, 1973.
  • LIMA Barreto. Literafro - O portal da literatura afro-brasileira. Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 24 mai. 2022. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/450-lima-barreto. Acesso em: 29 jun. 2022.
  • LINS, Osman. Lima Barreto e o Espaço Romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
  • OLIVEIRA LIMA, Manuel de. Prefácio. In: BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2011. Publicado pela primeira vez em O Estado de S.Paulo, São Paulo, 13 nov. 1916.
  • PRADO, Antonio Arnoni. Lima Barreto: o crítico e a crise. Rio de Janeiro; Brasília: Livraria Editora Cátedra: Instituto Nacional do Livro, 1976.
  • SANTIAGO, Silviano. Um ferroada no peito do pé (dupla leitura de Triste fim de Policarpo Quaresma). In: SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz. Numa encruzilhada de talvezes. Um grande romance aos pedaços. In: BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2011.
  • SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Edição revista e ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • WORLDCAT: O maio catálogo de bibliotecas do mundo: base de dados. Disponível em: https://www.worldcat.org/. Acesso em: 29 jun. 2022.

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