Arquitetura Nova
Texto
Histórico
Arquitetura Nova é um grupo formado pelos arquitetos Flávio Império (1935-1985), Rodrigo Lefèvre (1938-1984) e Sérgio Ferro (1938). Fazem a graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/SP) entre meados da década de 1950 e 1961. A aproximação profissional surge com a associação entre Lefèvre e Ferro para a abertura de um escritório de arquitetura, em 1958, quando ainda estudantes universitários. A parceria entre os três ocorre durante toda a década de 1960, por meio de projetos arquitetônicos, iniciativas artísticas e artigos escritos com viés crítico à situação social do Brasil.
A formação dos integrantes do grupo é fortemente influenciada pelo contato com o arquiteto Vilanova Artigas (1915-1985), seu professor durante o curso universitário. Embora as opiniões tenham passado a divergir ao longo do tempo, tal interlocução fundamenta tanto a prática arquitetônica quanto a dimensão política do grupo. Os três membros fazem parte de uma corrente da esquerda brasileira que se contrapôs às diretrizes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em sua proximidade à política desenvolvimentista estabelecida no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Um ano após se graduarem, Império, Lefèvre e Ferro tornam-se docentes na FAU/USP, participando da reforma curricular implementada em 1962, e ampliam suas atividades de ensino em instituições como a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e a Escola de Belas Artes de Grenoble, na França.
A docência lhes dá espaço para o desenvolvimento das atividades teóricas e críticas que fundamentam o grupo Arquitetura Nova, cujas bases são adequar-se “às restrições econômicas do subdesenvolvimento e à falta de recursos”, porém buscar “novos valores que viabilizassem um projeto audacioso de transformação do presente”.1
Tais questões também são observadas na atuação de Flávio Império como cenógrafo e artista visual, ou na exposição Proposta 65 (1965), concebida em reuniões feitas no escritório dos três membros do Arquitetura Nova, coordenadas pelo artista plástico Waldemar Cordeiro (1925-1973), que apresenta uma arte comprometida com a realidade social brasileira.
A atuação de Vilanova Artigas como arquiteto e professor da FAU/USP funda o que vem a ser chamado de escola paulista de arquitetura. Dela, surge o grupo Arquitetura Nova, que mantém similaridades com relação a uma espacialidade moderna, com espaços integrados entre si e com o exterior, devido à unicidade da cobertura das construções. Entretanto, passam a divergir nas estratégias de ação.2 Enquanto, para a escola paulista, o ato de construir ampara-se na excelência da capacidade técnica disponível na época, por sua vez, o Arquitetura Nova fundamenta-se, segundo o arquiteto Pedro Fiori Arantes, no “reconhecer as condições em que a grande maioria da população é obrigada a enfrentar o problema da habitação, extraindo daí uma solução material para a casa popular e uma resposta expressiva e crítica ao subdesenvolvimento”.3
Três artigos apresentam os princípios do Arquitetura Nova: Proposta Inicial para um Debate: Possibilidades de Atuação (1963), de Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro, Uma Crise em Desenvolvimento (1966), de Lefèvre, e Arquitetura Nova (1967), de Ferro. Nesses textos, apresenta-se o interesse do grupo por técnicas construtivas simples, aplicadas recorrentemente pela população e viáveis mesmo em meio à escassez de recursos. Para eles, essas experiências construtivas devem ser sistematizadas de modo a criar uma sequência de procedimentos que viabilizaria a produção em larga escala, ampliando o acesso à arquitetura pelas camadas mais pobres da sociedade brasileira. Contrapondo-se à visão da escola paulista que enxerga a obra como laboratório de experimentações técnicas sofisticadas e, por consequência, vinculada à erudição acadêmica, o Arquitetura Nova intenta que o processo produtivo da arquitetura contenha franca e verdadeira participação popular. Esse aspecto é a gênese conceitual dos mutirões de construção de conjuntos habitacionais por muitos coletivos de assessoria técnica, a partir da década de 1990, tais como o usina.
Dois pontos sintetizam o programa do grupo4: a crítica ao canteiro de obras e a “poética da economia”, expressão extraída do artigo de 1963. O primeiro ponto é teorizado por Sérgio Ferro, no livro O Canteiro e o Desenho (1979), com a crítica ao uso de revestimentos por esconderem o trabalho do operário, apagando a marca da mão de obra responsável pela construção. Tal crítica ao que denomina como alienação do trabalho no canteiro,5 amplia-se com a análise da hierarquia e distância entre as equipes de arquitetura que concebem a edificação, transcrevendo suas intenções por meio do projeto executivo, e o pessoal do canteiro de obras responsável pela experiência construtiva concreta, mas submetidos à autoridade técnica da primeira equipe. A “poética da economia” revela-se no uso de materiais de baixo custo, racionalização do projeto em torno de um elemento de construção e, por conseguinte, desenvolvimento do sistema de abóbodas de tijolo como solução construtiva para coberturas em blocos de alvenarias sem recobrimento.
Com a pressão política do regime militar6 e o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 1968,7 a dissolução da estreita colaboração entre Império, Lefèvre e Ferro ocorre em 1970, ao serem presos e interrogados, acusados de envolvimento com grupos da reação armada de oposição ao governo. Apesar disso, o posterior trabalho individual dos três é coerente com as questões formuladas na década de 1960 pelo grupo Arquitetura Nova.
Notas
1 KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2003. p. 27.
2 Idem. p. 47.
3 ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova. Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo:Editora 34, 2002. p. 72.
4 KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2003. p. 56.
5 FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
6 A ditadura militar se instaura em 1º de abril de 1964 e permanece até 15 de março de 1985. Os direitos políticos dos cidadãos são cassados e os dissidentes perseguidos.
7 O Ato Institucional n° 5 autoriza o presidente a fechar o Congresso Nacional, cassar os direitos políticos dos cidadãos e mandatos de parlamentares e suspender o habeas corpus, entre outros.
Fontes de pesquisa 7
- ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2004. 254 p., il. p&b.
- FERRO, Sérgio. Arquitetura e Trabalho Livre. São Paulo, Cosac Naify, 2006.
- FERRO, Sérgio. Arquitetura nova. Teoria e prática, São Paulo, n.1, 1967.
- FERRO, Sérgio. LEFÈVRE, Rodrigo. Proposta inicial para um debate: possibilidades de atuação. Encontros GFAU 63. São Paulo, GFAU, 1963.
- FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo, Projeto, 1979.
- KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro. São Paulo: Edusp: Fapesp: Romano Guerra, 2003. 136 p., il. p&b. (Olhar arquitetônico, 1).
- LEFÈVRE, Rodrigo. Uma crise em desenvolvimento. Acrópole, São Paulo, n.333, 1966.
Como citar
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ARQUITETURA Nova.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo635906/arquitetura-nova. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7